

Passou sensivelmente um ano desde a promoção de Claudio Giráldez à equipa principal do Celta de Vigo, oriundo da formação B. O cenário era negativo à sua chegada. Em um ano de centenário, que se antevia como uma época de glória, Rafa Benítez não conseguiu cumprir sequer os mínimos e o conjunto galego somente não estava na zona de despromoção porque desde cedo se entendeu que existiam três equipas que estariam condenadas à descida. O antigo técnico do Real Madrid abandonou os Balaídos com a formação no décimo sétimo lugar, com um projeto totalmente destruído e que teria que sofrer uma reestruturação, quando não existia capital para a realização da mesma.
A família Mouriño optou assim por chamar Claudio Giráldez à equipa principal. O técnico até já tinha um compromisso com o Levante para a seguinte temporada, que acabou por ser cancelado, já que o treinador queria cumprir o seu sonho. O natural d’O Porriño vinha de uma boa época e meia ao serviço da equipa B, cumprindo a função que lhe cabia: formar jovens, ao mesmo tempo que conseguia manter o Celta B num patamar competitivo de qualidade, como é a Primera RFEF. A equipa secundária conseguiu inclusivamente mais do que isso, transformando-se num candidato à subida à La Liga 2. Rafa Benítez preferiu não apostar nos frutos da formação, algo pelo que foi criticado. Porém, o trabalho dos B’s acabou por não ser desperdiçado, precisamente devido à promoção de Claudio Giráldez.
A primeira grande missão da nova equipa técnica, acompanhada do diretor desportivo Marco Garcés, era voltar a dar uma identidade ao Celta de Vigo, que nos últimos meses/anos voltou a ser um clube comum, com poucos realces. Um ano depois da troca de treinador, podemos confirmar que essa missão foi cumprida, acompanhada de resultados. À vigésima oitava jornada, a formação dos Balaídos ocupa a oitava posição, com 39 pontos, a um ponto dos lugares europeus, um cenário completamente distinto do apresentado por Rafa Benítez e os seus antecessores.
Claudio Giráldez tem o dom de retirar o melhor dos seus jogadores, com vários exemplos práticos disso. Iago Aspas, o histórico da companhia, parecia ter entrado finalmente em declínio com a anterior equipa técnica, mas recuperou a sua melhor versão, embora exista a noção (até mesmo do próprio) que não poderá disputar todos os minutos da competição. Óscar Mingueza transformou-se num atleta de elite, deixou de ser central e passou a atuar como ala num sistema de três centrais, conseguindo jogar pela direita e pela esquerda. A sua forma levou a que entrasse no radar da seleção e passasse a merecer a confiança de Luis de la Fuente. O ex-Barcelona estava descredibilizado e somava erros atrás de erros na sua posição original, sendo esta a sua melhor versão na carreira. Marcos Alonso era mais um nome de quem não se esperava uma prestação de elevado quilate, mesmo com uma carreira de respeito, somando passagens por Chelsea e Barcelona. O tal sistema de três centrais, que tanto beneficiou Mingueza, também lhe está a dar uma nova vida, sendo atualmente o melhor central do plantel e encontrando-se bem acompanhado: Javi Rodríguez é cada vez mais uma confirmação, enquanto que Carl Starfelt deixou os críticos surpreendidos com as mais recentes prestações.
Chegaram poucos reforços ao Balaídos, o que se justifica em parte pela falta de verba para realizar investimentos no mercado de transferências. Ainda assim, Marco Garcés sabia que existiam algumas posições que necessitariam de um upgrade claro. Marcos Alonso veio para reforçar a defesa e a ala esquerda. Ilaix Moriba encontrou finalmente o seu espaço no futebol sénior, no meio-campo do Celta de Vigo. Borja Iglesias chegou para a ser o sucessor de Jorgen Strand Larsen, que rumou ao Wolverhampton. Em janeiro, Claudio Giráldez decidiu que Iker Losada tinha capacidade para regressar a casa. Formado n’A Madroa, o segundo avançado destacou-se no Racing Ferrol em 2024/25, o que levou a que o Real Bétis avançasse para a sua aquisição, por quatro milhões de euros. Apesar da confiança, o galego não se adaptou ao estilo de Manuel Pellegrini e voltou à casa de partida, onde se procura afirmar, sabendo que Iago Aspas é dono e senhor do posto que ocupa no terreno de jogo.
A dupla Claudio Giráldez/Marco Garcés esteve longe de ser a protagonista em ambos os mercados de transferência desta temporada, porque o projeto não passa por aposta feroz em nomes oriundos de fora, sendo algo mais pontual. O Celta de Vigo conta com uma formação de qualidade (tal como a do rival Deportivo de La Coruña) e é um autêntico viveiro de talento. A equipa técnica já tinha promovido alguns nomes em 2023/24, de maneira a dar um novo rosto ao projeto. A política continuou e até elementos da equipa B, formados em outros conjuntos, se estabeleceram a pouco e pouco como opções válidas, como nos casos de Alfon González e Pablo Durán (que esteve na órbita do Famalicão). A Madroa é um viveiro de talentos e a equipa espanhola sabe trabalhar bastante bem as duas equipas secundárias, recheadas de profissionais de excelência. Os jogadores também se sentem motivados porque poderão ser aposta a qualquer momento no elenco principal. Fer López é possivelmente o nome mais interessante que está a ser trabalhado. Muitos o apelidam como o digno sucessor de Iago Aspas, posto que pertencia a Gabri Veiga, que acabou por preferir os milhões da Arábia Saudita. Contudo, existem elementos mais do que competentes para fazerem parte de uma equipa que luta por objetivos médios na La Liga: Javi Rodríguez, Tincho (que ainda não se estreou pelos A), Damián, Hugo Sotelo, ou Hugo Álvarez prometem formar uma base forte, que pode ser completada por elementos vindos de fora, ou por jogadores que ainda estejam nos escalões de formação, a serem ‘maturados’.
Por isso, é importante que o Celta de Vigo B (ou Celta Fortuna) esteja num patamar competitivo elevado. A Primera RFEF é um ótimo campeonato para fazer crescer as tais promessas (ainda assim a equipa encontra-se em lugares de despromoção), mas alguns atletas podem acusar o salto, como vimos em outros casos, até de equipas de outra projeção.
Nos últimos dias, tem surgido o rumor que a família Mouriño estaria interessada em comprar um clube em Portugal. Instituições como Chaves ou Paços de Ferreira são vistas como fortes possibilidades. O Celta de Vigo procura uma equipa satélite que esteja perto dos Balaídos. Assim, caso alguns elementos chegassem a ser cedidos, o processo de habituação não existiria ou seria muito curto. Mesmo com uma mudança de país, a cultura entre a Galiza e o norte de Portugal andam praticamente de mãos dadas.
A equipa que fosse comprada em Portugal serviria de passo intermédio entre o Celta Fortuna e o Celta de Vigo. A Primeira Liga e Segunda Liga são mais competitivas que a Primera RFEF, mas estão abaixo da La Liga. Vários elementos poderiam ser contratados de outros países e serem ‘testados’ inicialmente na equipa portuguesa. Em caso de sucesso, rumavam a norte, já que a adaptação estaria praticamente completo. O plano é bom e com potencial de funcionar. Resta saber se existe algum clube interessado a aceitar toda esta situação, já que falamos praticamente de uma perda de independência. Será algo que terá que ser discutido pelos sócios, já que se trata de vender mais de 50% de uma SAD a um grupo estrangeiro, mas que aparenta ter objetivos positivos, ao contrário de outros empresários, que chegam a Portugal com motivações ocultas.
Qual o objetivo do Celta de Vigo para esta temporada? É uma pergunta que não tem uma resposta fácil. Olhamos para um plano a largo prazo, que cumpre o seu primeiro ano de vida. A equipa certamente não apontaria estar na luta pela manutenção, mas encontrar-se a batalhar pelo acesso às competições europeias é algo que está a exceder as expetativas dos adeptos, que procuravam uma temporada tranquila, ao mesmo tempo que o plantel principal colhia os feitos da formação.
Claudio Giráldez tem todo o potencial de se transformar no universo do Celta de Vigo, aquilo que Imanol Alguacil significa para a Real Sociedad. Apesar do estilo radicalmente diferente, os passos dados pelos dois são bastante semelhantes, oriundos da equipa B, gostam de apostar na ‘cantera’ e com uma paixão assumida pelos clubes.
O Celta de Vigo está a ser um exemplo de como é possível começar um novo ciclo sem um investimento de milhões de euros, olhando para o que existe dentro de casa e explorar até à exaustão tudo o que se pode aproveitar. Em caso de sucesso, seguramente vários clubes seguirão os seus passos, tanto na Espanha, como um pouco por toda a Europa.