O tempo tende a engordar as saudades, também a asseverar a melancolia. Há muito que Bolonha emagrecia de entusiasmo, o seu organismo a comer o músculo das recordações felizes dos scudettos ganhos entre 1924 e 1964, e a chegar às gorduras das glórias passadas que conquistaram a Taça de Itália, há 51 anos. Bolonha contentou-se com roer o osso das alegrias idas, a única exceção quiçá a época de 1997/98, alegrada pela inesperada presença de Roberto Baggio, o último dos génios do futebol italiano que optou por rumar à cidade dos tons barrentos quando nenhum treinador dos clubes ditos maiores ia à bola com ele.

A vida de chuteiras do codino divino parecia estar a ser cozida a temperaturas de irrelevância, por mais estapafúrdio que fosse prever tal coisa três anos antes, quando o seu olho azul gentil ganhou a Bola de Ouro, ainda antes da hecatombe que seria aquele penálti falhado, nos EUA, na final do Mundial de 1994. A terracota das cores de Bolonha era a que enublava a carreira de Baggio, aparecido no clube sem rabo de cavalo, decepado o seu marco distintivo estético. Mas nunca o seu futebol: na equipa que, dois anos prévios, andava pela terceira divisão, marcou 22 golos na Serie A, ajudando o Bolonha a terminar no oitavo lugar.

Apesar de mais tarde ter acolhido o ocaso de outra figura do seu futebol, Giuseppe Signori, a singela temporada de convivência com Roberto Baggio terá sido, até ao ano passado, o motivo dos maiores entusiasmos em Bolonha desde as alegrias vistas há mais de meio século. Em 2024, contudo, a equipa terminou o campeonato no 4.º lugar, com bilhete para a Liga dos Campeões, a transbordar de um futebol cativante, de pé em pé, regido por Thiago Motta no banco e interpretado pelas cavalgadas de Ricardo Calafiori da defesa rumo ao ataque, pelo pulmão de Lewis Ferguson e pelos golos de Joshua Zirkzee lá à frente. Tamanho o feito que se pôs à mercê de um descascamento.

Nesse verão, o treinador e dois desses três jogadores partiram (a Juventus convenceu o técnico, o defesa foi para o Arsenal, o avançado rumou ao Manchester United), seduzidos por dinheiros e projetos maiores, permanecendo o restante sem realmente ficar para estar - o escocês, capitão de equipa, lesionou-se gravemente num joelho. Indo até perto do céu, o Bolonha tinha de se reinventar, havia que convencer alguém a suceder ao sucesso na consciência de que o mais provável seria fazer pior esta época. Perante a facilidade de sofrer com a comparação, Vincenzo Italiano atirou-se de cabeça.

Boris Streubel - UEFA

E lá esteve o brilho a reluzir da sua careca, ricocheteado dos holofotes do Estádio Olímpico de Roma, na quarta-feira, ao terminar a final da Taça de Itália conquistada pelos rossoblù contra o pálido AC Milan de Sérgio Conceição. Levado em ombros pelos jogadores, atirado ao ar pelos seus braços, o técnico fartou-se de sorrir e levou as mãos às orelhas, como que amplificando-as para ouvir os adeptos do Bolonha amontoados na bancada atrás de uma das balizas, onde tarjas havia. Numa delas, “Ora como allora”, agora como dantes. Como a vitória de 1974, queriam eles.

O pretendido pela falange chocava contra o passado recente do homem desgraçado pela imagem por derrotas na reta da meta, não pelo desempenho nos quilómetros até lá. “Temos que falar sobre a viagem, o troféu apenas a sela”, diria Vincenzo Italiano, finalmente com um caneco nas mãos. Nas duas épocas anteriores, ambas passadas na Fiorentina, o treinador provou o sabor de desgostos tardios, chegando por duas vezes à final da Liga Conferência e perdendo ambas contra o West Ham e o Olympiacos. Em 2023 também alcançou a decisão da Taça de Itália, acabando com outra derrota, vergado pelo Inter. “Se tivesse perdido esta”, admitiu, “quem sabe quantas pessoas teriam falado dessa história de eu ser um perdedor”.

O homem de sorriso fácil, calvo e em tempos adornado por uma boina cada vez que se apresentava no banco de suplentes para um jogo, viu a estima que lhe tinham ser engolido pelo resultadismo do futebol. Mais do que essa sua Fiorentina fazia em campo, mais do que o demonstrado pelos jogadores sob a sua orientação, as pessoas falavam em como perdiam nas finais, interessadas na última página do livro, não na história que as páginas contam. Pelas palavras ditas agora quando venceu, essas derrotas infestaram a cabeça de Vincenzo Italiano. “Quero dedicar esta vitória aos jogadores e a quem está na minha equipa técnica por terem partilhado este receio comigo”, admitiu.

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Mas, “em vez disso”, foram a Roma “celebrar juntos” com o treinador de reputação enviesada. Nele mora alguém que palmilhou cada degrau de pirâmide, com promoções conseguidas em todos os escalões do futebol italiano, da Serie D para a C, depois para B até atingir o cume da A, em 2020. Pesem as finais perdidas, Italiano estava confortável em Florença, mas inchou de coragem o peito diante das balas complicadas que seriam disparados durante o processo de remodelação do Bolonha.

De início, a transfiguração do futebol burilado de Thiago Motta, adepto de sair a jogar de trás, com passes curtos, foi de sofrimento: a equipa ganhou apenas um dos 11 primeiros jogos da época. Aos poucos, principalmente desde a virada do ano, a maneira do novo técnico assentou.

Fiel a processos mais diretos para avançar no campo, menos passes, mais deles para a frente, o Bolonha só perdeu dois encontros em 2025 e oleada está a sua devoção às marcações ao homem para se defender. Lentamente, mas de forma segura, Vincenzo Italiano pôs a equipa da cidade alaranjada a carburar. “Ninguém esperava que chegássemos aqui”, resumiu Santiago Castro, o argentino e novo avançado-fetiche do clube, providenciador de golos como Ricardo Orsollini, outro que superou os dois dígitos em bolas motivadoras de festa. O suíço Remo Freuler continua a ser o relógio do meio-campo, Lorenzo De Silvestri a capitanear a equipa e a levar pela mão, literalmente, cada reforço para mostrar os cantos à cidade.

O Bolonha vai jogar, de novo, as provas europeias na próxima época, só ainda não sabe é qual, após o 26.º lugar na primeira fase da Liga dos Campeões. Já ganha troféus o subestimado Vincenzo Italiano, sem honras de ver o seu futebol esmiuçado em vídeos de YouTube, cada gesto filtrado por analistas nas redes sociais como Roberto De Zerbi, seu contemporâneo na ascensão pelo futebol da terra em forma de bota. “Após três desilusões muito grandes, talvez isto fosse merecido. Não achava que conseguiria voltar tão rápido e ganhar”, ponderou o técnico, já vencedor. Finalmente com um motivo para não se esquecerem de olhar para a sua viagem.