A noite ia longa. Eram 2h20 quando dois polícias regressavam à base. Ao mesmo tempo que os agentes aparcavam na esquadra de Twickenham, um outro veículo fez o mesmo. Era um táxi preto com um vidro partido, vestígio dos tumultos no interior. O condutor afrontou o silêncio da noite apitando para chamar a atenção dos agentes. Uma das duas mulheres que seguiam no interior saiu pela janela. Tudo era rocambolesco.
Rebobinando.
Sam Kerr e Kristie Mewis escoaram fartas doses de álcool numa saída noturna em Clapham, no sudoeste londrino, em janeiro de 2023. O casal de futebolistas chamou um táxi para abandonar o local. Kerr foi descrita como estando “doente”. De algum modo, o condutor do veículo ficou insatisfeito pela sujidade provocada pelas passageiras e exigiu-lhes que pagassem a limpeza. A recusa levou o homem do volante a redirecionar a rota. O carro que inicialmente se estava a dirigir para os aposentos de Kerr, estava agora a caminho da polícia.
Sem saberem o que se passava, as jogadoras tentaram sair do táxi, mas tinham sido trancadas. Em pânico, achando que estavam a ser raptadas, atingiram o acrílico que protegia o condutor e partiram uma janela aumentado as exigências do visado quantos ao preço exigido pelas reparações.
Uma vez na esquadra, Sam Kerr expôs a situação perante os agentes numa conversa que foi captada pelas bodycams dos polícias. “Ponham-se no lugar de uma mulher. Ficámos presas durante 20 minutos no carro desse tipo”. O pedido de empatia por parte da jogadora do Chelsea foi reforçado. “Acreditem nas mulheres por uma vez.”
Kerr solicitou que os agentes ouvissem a gravação da chamada de emergência e foi informada de que não existiam registos. Insatisfeita chamou “estúpido e branco” a um polícia. A atacante que estava detida por ter partido a janela do táxi passou a estar detida também devido ao comentário racial.
Dois anos depois, em fevereiro de 2025, o Tribunal de Kingston Crown declarou Sam Kerr inocente da acusação de assédio racial, porque o júri disse que não ficou demonstrado que o comentário tenha causado impacto no polícia. A cinco vezes vencedora da Liga Inglesa assumiu que se expressou de forma “pobre” naquilo que foi um “evento traumático”, mas que estava a tentar mostrar o “poder e privilégio” dos polícias num momento em que ambas estavam a “temer pela vida”.
Kristie Mewis, jogadora do West Ham, disse que enquanto estiveram trancadas no táxi sentiu “muito medo”. “Senti que alguém tinha controlo sobre mim”, afirmou a norte-americana. A perceção foi de que só com “algo dramático”, como partir a janela, é que poderiam sair ilesas daquela “situação perigosa”.
Em novembro de 2024, quando Mewis anunciou que estava grávida, o casal foi alvo de insultos denunciando publicamente os comentários homofóbicos.
A recuperar de lesão, Sam Kerr não joga há mais de um ano. Neste momento, encontra-se a reintegrar os treinos do Chelsea. Sonia Bompastor, a luso-descendente que lidera as londrinas, garantiu que a australiana não vai ser penalizada pelo clube. “O que ela enfrentou foi difícil o suficiente. A única coisa que queremos fazer enquanto clube é apoiá-la”.
O Chelsea ainda não tem qualquer derrota esta temporada. Com 22 vitórias em 22 jogos, está no horizonte uma inédita conquista da Liga dos Campeões. Na última janela de mercado, as blues contrataram Naomi Girma, defesa que se tornou na jogadora mais cara de sempre (€1 milhão). Também Keira Walsh, vinda do FC Barcelona, se juntou às inglesas. É caso para dizer que o que já era bom ficou excelente.