O rasto de confrontos antigos, para quem seja imune a sensação, pode friamente ser apenas isso, um historial, água já corrida debaixo da ponte, coisa olvidável. Com uma bola peganheta entre seleções de Portugal e Espanha, sempre que houve sete jogadores de cada lado a medição fez-se antipática para o país com menos gente: em sete jogos oficiais, sete derrotas, todas salvo uma por pelo menos três golos e mesmo essa acontecera faz muito, em 2010. Tanto tempo que dos jogadores presentes neste Mundial, apenas Fábio Magalhães lá esteve, ainda jovem e longe de ser o mais velho que é hoje na seleção nacional.

A memória coletiva desta fornada de jogadores, com tanta canalha que não viveu as fases de temer os gigantes, tem um efeito, como terá o talento, claro. além da competência, sobretudo também da labuta. “Sim, acabou por ser categórica”, disse Paulo Jorge Pereira, calmo e ponderado, após a incrível vitória, por 35-29, contra a Espanha no segundo jogo da main round do Mundial de andebol. E portanto, por demais histórica, porque escreve uma nova história.

A primeira vez que Portugal ganhou aos vizinhos em partidas oficiais, esta sexta-feira, garantiu os quartos de final, objetivo definido pelo selecionador nacional e pelos jogadores antes da prova. “Fizemos uma segunda parte fantástica, estivemos a ganhar por oito golos à Espanha, isso é difícil de conseguir tendo em conta que até agora a Espanha não tinha perdido. Estou muito satisfeito por ter esta gente comigo”, admitiu o felizardo treinador, tão pouco depois de fazer a festa em campo com os jogadores, aos pulos e aos abraços com eles. A seleção nacional é uma das oito melhores deste Campeonato do Mundo.

A segunda fase de grupos da prova ainda não terminou, há jogo contra o Chile, no domingo (14h30, RTP2), medição de forças para a qual Paulo Jorge Pereira quer atenção. “Oxalá que agora pensemos somente no Chile para termos a possibilidade de ficarmos no 1.º lugar do grupo. Depois, um jogo de cada vez”, apelou, sem querer dar trela à vista para os binóculos não apontarem muito para a frente. “O futuro… ainda vemos ver o que podemos fazer neste Mundial. O futuro, para já, é o Chile, depois logo se vê. Uma coisinha de cada vez. Continuaremos, seguramente, a fazer alguma renovação gradual, como temos vindo a fazer desde 2016.”

Durante o jogo, no qual o guarda-redes Diogo Rêma fez 12 defesas (38% de eficácia) e o braço esquerdo de Francisco Costa disparou oito golos - vindos de uns assinaláveis 89% de acerto -, o selecionador nacional pediu, em pelo menos dois descontos de tempo, aos jogadores que não tivessem pressa a atacar os espanhóis. É difícil lembrar tanta perícia ofensiva e confiança a olhos vistos que podem levar as coisas com calma?

“Por vezes é difícil”, concedeu Paulo Jorge Pereira, mas, explica, quando analisamos os jogos percebe “que de uma forma geral as equipas que têm mais tempo de posse de bola acabam por conseguir ter melhores resultados”. O treinador quis elaborar mais: “Pode não ser estatisticamente significativo, ou uma relação direta, mas é um facto que demonstra alguma segurança podermos programar bem os ataques e prepara-nos para a recuperação defensiva. Se, em cada ataque, estivermos apenas 10 segundos, provavelmente não estaremos prontos para defender. É fundamente ligar as fases todas.” Às vezes, é preciso ter calma.