"Enquanto que a Rússia está interessada em criar uma zona de instabilidade naquilo que considera ser o flanco sul da União Europeia e, sobretudo, o flanco sul da NATO, porque é assim que a Rússia pensa, a China está interessada na extração de recursos naturais", disse Gomes Cravinho, que desde 01 de dezembro passado é o representante especial da União Europeia para o Sahel.
Gomes Cravinho dá como exemplo do interesse chinês em África o investimento de 5 mil milhões de dólares (cerca de 4,7 mil milhões de euros) num oleoduto entre o Níger e o Benim, o maior do género em África, com quase 2 mil quilómetros de extensão.
Pequim ficou "muito preocupada" porque, na sequência do golpe de Estado de 26 de julho de 2023 no Níger, as relações deste país com o vizinho Benim deterioraram-se ao ponto de a fronteira comum ter sido encerrada.
"Ora, a China empenhou-se com muito tempo e muita energia em mediação para criar condições de, enfim, para melhorar o relacionamento entre o Benim e o Níger, para poder extrair o seu petróleo, que tinha merecido o investimento de 5 mil milhões [de dólares]. O que eles conseguiram. Tiveram sucesso, de certo modo, porque conseguiram convencer as duas partes a permitir que o oleoduto funcionasse", relatou.
As relações entre o Níger e o Benim "continuam péssimas, com as fronteiras fechadas, exceto para o oleoduto", mas, segundo Gomes Cravinho, isso é irrelevante para Pequim.
"O que eles querem é que o óleo possa ser transportado dos campos petrolíferos até à costa. Se as fronteiras estão fechadas, se não há passagem nem de pessoas nem de bens, isso já é uma coisa que interessa pouco. Portanto, a postura deles é uma postura muito oportunista, muito virada para aquilo que é o seu interesse imediato, que é a extração de recursos", vincou.
"Com os chineses, sabemos o que podemos esperar, que é uma grande, enfim, ausência de escrúpulos no que toca à natureza do regime, porque eles tinham uma ótima relação com o anterior regime do Níger, e quando o regime foi derrubado com o golpe de Estado, trataram logo de estabelecer uma ótima relação com o novo poder. Portanto, são agnósticos, digamos, em matérias de qualidade de governação", reiterou.
No caso da Rússia, e partindo da decisão anunciada, faz dia 29 deste mês um ano, pelo Mali, Níger e Burkina Faso de saírem da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), Gomes Cravinho interpreta o que se segue como sendo o "aumento de influência russa".
"Acho que todos ficam fragilizados com esta saída e os próprios países que saem também não beneficiam, embora estejam a dar sinais de alguma dinâmica própria de integração para compensar", considerou.
Para o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros português, "isto representa um aumento de influência russa. Os russos entraram no Mali há cerca de quatro anos (...) e no Burkina Faso e no Níger mais recentemente. Mas, nesse período de tempo, tornou-se claro que os russos não são capazes de corresponder àquilo que é o grande objetivo dos regimes militares, no Mali, no Burkina Faso e no Níger, que é a reconquista do território".
"Nós vemos que, no Mali, que é onde a presença russa é mais forte, os russos sofreram baixas muito significativas e a postura deles, militar, alterou-se de uma postura de tentativa de reconquista do território para uma postura de proteção do regime", acrescentou.
E, portanto, há parceiros dentro da região. Eu acho que é mau para a região e, por conseguinte, eu acho que reduz a capacidade de todos para desempenharem um papel, também para as próprias Nações Unidas, que têm lá um escritório importante para a África Ocidental.
Quanto à atuação de outros atores internacionais, Gomes Cravinho diz que, no último ano, dois anos, "tem-se visto uma internacionalização muito maior, em função de um certo vazio de poder que existe na região, com a Turquia com uma postura comercial, também relacionada com a venda de produtos militares, mas também os países do Golfo: Arábia Saudita, mas sobretudo os Emiratos Árabes Unidos e o Qatar".
"E mesmo o Irão, à procura de urânio, até agora sem sucesso. Como se sabe, o Níger é um produtor de urânio. E o Irão tem estado empenhado nisso, mas com dificuldades em estabelecer um relacionamento convincente, porque devido às sanções financeiras não consegue pagar e, portanto, não é um cliente interessante para o Níger ou para qualquer país", detalhou.
Quanto aos Estados Unidos, o representante especial da União Europeia considera que são "uma incógnita".
"Porque não sabemos ainda qual vai ser a atitude da nova administração. Mas eu acredito que a nova administração olhe para a região do Sahel como uma região problemática em termos de proliferação de alguns movimentos terroristas e, portanto, seja essa a preocupação. E, em segundo lugar, como uma preocupação que terá de ser gerida por outros, nomeadamente europeus", opinou.
"Eu creio que eles olharão para a região como uma região que os europeus têm de saber trabalhar, porque eles próprios não acreditam que se empenhem particularmente. Pelo menos essa foi a atitude da primeira administração Trump", adianta.
*** Eduardo Lobão, da agência Lusa ***
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