"Passaram onze meses desde a tomada de posse do Governo, doze meses desde as eleições. E acho que hoje é um diagnóstico totalmente partilhado pelo setor: este ano foi um ano perdido para as políticas culturais", defendeu Pedro Adão e Silva, numa audição na comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto.

O ex-ministro foi ouvido no âmbito de uma série de audições a pedido de vários partidos, a diversas personalidades ligadas ao Centro Cultural de Belém (CCB) sobre a exoneração da presidente da Fundação CCB Francisca Carneiro Fernandes, no final do ano passado.

Os vários requerimentos para ouvir pessoas ligadas ao CCB foram interpostos pelos partidos no dia 11 de dezembro, após uma audição da ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, que acusou o seu antecessor, Pedro Adão e Silva, de ter feito um "assalto ao poder" no CCB, garantindo "que acabaram os compadrios naquela instituição".

Para o ex-ministro, as declarações de Dalila Rodrigues em 11 de dezembro visaram "no essencial ocultar isso", a falta de políticas culturais, mas também "fugir ao escrutínio".

"Porque enquanto estivermos aqui a ouvir 13, e agora com a minha 14 audições sobre este assunto, não se fez o escrutínio sobre o mecenato", afirmou, lembrando que os "o parlamento teve a possibilidade de discutir na especialidade e viabilizar um projeto para o mecenato [deixado pelo Governo anterior], que envolveu dezenas e dezenas de atores do setor, e perdeu oportunidade, por inércia".

Pedro Adão e Silva considerou também que "a Direção-Geral das Artes [DGArtes] e o setor das Artes Performativas está abandonado", recordando que "depois de anos sucessivos de crescimento orçamental, pela primeira vez em muitos anos abriu um concurso sem aumento das verbas face ao concurso anterior [nos apoios a projetos]".

Os seis concursos do Programa de Apoio a Projetos da DGArtes, para concretização este ano, abriram em 15 de janeiro, com uma dotação global de 13,35 milhões de euros, valor igual ao dos concursos que abriram em 2023, para concretização no ano passado.

Ainda em relação à DGArtes, o ex-ministro alertou que "não se sabe rigorosamente nada sobre a renovação automática dos [apoios sustentados] quadrienais".

O novo modelo de apoio às artes, que entrou em vigor em 2021, prevê a possibilidade de renovação do apoio quadrienal, no Programa de Apoio Sustentado, por igual período. Esta nova medida abrange as entidades apoiadas no ciclo 2023-2026.

Já em relação à área do Património, Pedro Adão e Silva abordou a temática dos museus.

"Instituiu-se na gratuitidade, [mas] a indemnização compensatória da Museus e Monumentos de Portugal aumentou zero, para compensar a gratuitidade", afirmou.

Além disso, falou em "projetos abandonados", como a expansão dos museus Nacional de Arte Antiga (MNAC) e de Arte Contemporânea -- Museu do Chiado. "Tudo abandonado. Não aconteceu nada", disse.

O Governo aprovou em fevereiro, em Conselho de Ministros, uma verba de 10,2 milhões de euros para a compra de dois imóveis e um terreno para expansão do MNAA, projeto aguardado há mais de 60 anos pelos sucessivos dirigentes do museu da capital que alberga a mais importante coleção de arte antiga do país.

No entanto, a concretização do projeto de expansão tinha sido anunciada um ano antes pelo então primeiro-ministro António Costa e pelo ministro da Cultura Pedro Adão e Silva, com uma verba de cerca de 10 milhões de euros, e mandatada a Estamo -- Participações Imobiliárias para realizar a aquisição de três imóveis até ao final de 2024.

Fonte do gabinete da ministra da Cultura indicou em fevereiro à Lusa que, "tendo sido impossível concretizar a compra no prazo previsto, o atual Governo volta agora a autorizar a despesa", aprovada em Conselho de Ministros.

Em janeiro de 2023, quando era ministro, Pedro Adão e Silva anunciou que o Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC) -- Museu do Chiado iria beneficiar de obras de ampliação, para duplicar as áreas de reservas e exposições.

Entretanto, em novembro do ano passado, já sob alçada de Dalila Rodrigues, a Museu e Monumentos e Portugal anunciou que as obras de remodelação e ampliação do museu, um projeto de oito milhões de euros, não iriam avançar por falta de financiamento.

"Eu de facto deixei uma herança pesada à senhora ministra, com muitos projetos concluídos, com muitos em andamento, com muitos desenhados para serem projetados", assumiu o anterior titular da Cultura.

Para Pedro Adão e Silva, a sua sucessora na pasta da Cultura "teve todas as condições para se diferenciar, para se afirmar, para dar continuidade ao que entendia e descontinuidade ao que não entendia seguir", mas "perdeu essa oportunidade".

"Tivemos um ano perdido para as políticas culturais", insistiu.

De acordo com o ex-ministro, "um dos poucos diplomas aprovados" no mandato de Dalila Rodrigues, entre os que deixou prontos antes de deixar o cargo, foi o do fundo de aquisições para as coleções dos museus.

No entanto, "cortou para metade o valor que estava previsto". "A única alteração que fez ao diploma que eu tinha deixado pronto foi cortar para metade o valor", lamentou.

Pedro Adão e Silva considera que a ministra da Cultura "herdou um orçamento generoso, muito generoso", que "tinha dotação de crescimento brutal para o cinema, para as artes performativas, para a arte contemporânea, uma estratégia para o património", mas não soube aproveitá-lo.