"A LeYa recebeu, da parte de pessoas que tiveram conhecimento do teor do livro por este lhe ter sido enviado pelo autor, ameaças de processo judicial por se sentirem invadidas e agredidas pela forma como nele são tratadas", esclarece a editora, numa mensagem de correio eletrónico enviada à agência Lusa, em resposta a questões colocadas quanto ao cancelamento da publicação, tornado publico pelo próprio autor, no Jornal de Letras, Artes e Ideias (JL).

O grupo editorial, que detém a chancela Caminho, que há mais de 30 anos publica a obra do autor em Portugal, afirma ter consultado os advogados, que "confirmaram que o livro podia ser objeto de ação judicial por parte dos autores dessas ameaças".

"Em face disso, e após ponderação, a administração da LeYa decidiu suspender a edição deste livro", acrescenta o departamento de comunicação do grupo, acrescentando não ter conhecimento de outros desenvolvimentos.

O lançamento do mais recente romance de Germano Almeida, Prémio Camões em 2018, estava previsto para a edição deste ano do Correntes d'Escritas, um encontro anual de escritores de expressão ibérica, que decorre na Póvoa de Varzim, do qual o escritor cabo-verdiano é frequentador assíduo.

O livro, com o título 'Crime nas Correntes d'Escritas', conta uma história ficcionada, em que as personagens são participantes reais desse evento, com os seus próprios nomes, sobre o desaparecimento, alegadamente por roubo, de um manuscrito original de Mário Zambujal.

A narrativa centra-se numa investigação levada a cabo pelo próprio romancista e pelo poeta poveiro Aurelino Costa, participante de sempre nas Correntes, para descobrirem o presumível ladrão.

Segundo o escritor, o romance, que já estaria pronto na Caminho, acabou por não sair, por razões que o próprio revelou, numa espécie de esclarecimento publicado na edição de 19 de fevereiro do JL, a acompanhar a pré-publicação do primeiro capítulo do livro.

Nessa nota intitulada 'Porque não saiu agora o livro', Germano Almeida começa por esclarecer que a ideia de publicar o livro durante a edição deste ano do encontro era homenagear "esse evento que ganhou já o direito de ser considerado uma instituição".

Pretendia ser também "uma brincadeira de amizade aos colegas" que foi conhecendo e com quem foi privando ao longo dos anos.

Germano Almeida conta que quando o livro ficou pronto para impressão, enviou o 'pdf' que tinha recebido da editora "a dois dos escritores que nele têm maior exposição", tendo um deles acusado a receção, "dizendo ter-se deliciado com o livro".

"Quando já esperava ter na mão o primeiro exemplar, eis que recebo do meu editor a informação de que a administração da Leya tinha mandado impedir a publicação do livro. A razão invocada foi que alguém, que pedia para continuar no anonimato, ameaçava recorrer aos tribunais para impedir a distribuição do livro", escreveu, nesse número do JL.

O autor adianta ainda desconhecer o autor da ameaça, uma vez que, questionado o editor, este lhe terá respondido "que não lhe fora dito o nome do denunciante".

"Discordei dessa postura, que continuo considerando inaceitável: um anónimo impedir a publicação de um livro, como se fosse possível recorrer aos tribunais sob anonimato", acrescentou ao JL, garantindo que fará "o livro ser editado na íntegra".

No excerto publicado no JL, percebe-se o humor e a sátira característicos da sua escrita, quando, durante o apuramento dos principais suspeitos, descarta logo um leque de autores com obra mais do que feita e de ego tão elevado que não se sujeitariam à vergonha de se apossarem e publicarem obra que consideram inferior à própria.

Pôs de parte também poetas e escritores de teatro, porque o manuscrito era de uma história em prosa, bem como os autores de língua castelhana, que não fazem um "mínimo esforço" para falar "portunhol", e mesmo os que estão nas Correntes desde a primeira edição, continuam a não dizer uma frase em português, sem sequer "bom dia".

Germano Almeida continua, dizendo que entre os sobrantes, encontram-se "os escritores que vieram dos 'palpos'", e que a sua ideia é encontrar no meio "dessa meia dúzia de africanos", que andam por ali "na boa vida", o "espertalhão" que se apossou do manuscrito de Zambujal.

O protagonista adianta ainda, em relação a esta última hipótese, que procede como aprendeu com a polícia: "Ninguém vai estranhar, nem mesmo esses pretos, eles (...) já estão treinados para serem acusados de qualquer coisa má que aconteça em qualquer lugar e receberem a acusação sem refilar".

Abandonando depois esta ideia e lamentando não haver "nenhum escritor cigano nestas jornadas literárias" que pudesse servir de suspeito, o autor protagonista, sempre leal ao seu tom satírico, voltou à ideia de entrevistar toda a gente e verificou que o parceiro de investigação, Aurelino, se congratulou com essa decisão afirmando: "Estou a gostar de ter-te como meu ajudante, até que sabes pensar".

"Sorri para ele com candura: muitos brancos acabam por ficar surpreendidos ao verem que os pretos também pensam", lê-se no final do excerto do capítulo publicado no JL.

A Lusa contactou o autor, que remeteu esclarecimentos para um "momento oportuno".

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