Cristiano Ronaldo não faria melhor. Quer dizer, já o tinha feito de véspera, quando lembrou aquelas que na sua opinião tinham sido as críticas injustas e desajustadas a Roberto Martínez.

Tratou-se de uma prolongada vénia de CR7 ao trabalho do selecionador na Liga das Nações arrebatada com drama e circunstância na Baviera. O capitão, no fundo, quis dizer que o grande vencedor da competição foi o catalão que sucedeu a Fernando Santos e que na Arena de Munique sobreviveu ao “fantasma” José Mourinho.

Kai Pfaffenbach

O presidente da Federação, que por alguns degraus não se sentou ao lado do técnico do Fenerbahçe durante a final com a Espanha, conseguiu, no entanto, ir mais longe. No discurso de apresentação do troféu aos funcionários, na Cidade do Futebol, Pedro Proença (PP) pediu licença para individualizar e pediu uma salva de palmas para o míster, sublinhando que este era o homem a quem se devia dedicar a vitória.

Após meses de silêncio cúmplice com as notícias que criaram uma onda de rumores sobre uma cirúrgica chicotada psicológica na seleção A, Proença tentou retocar milagrosamente o quadro, propondo uma improvisada homenagem à frente dos operadores de câmara e dos repórteres fotográficos.

Nem sequer faltou mais um abraço sem chama, na linha dos trocados à flor da relva na Alemanha. O esforço do presidente, reconheça-se, foi descomunal mas mais valia ter ficado quieto e ter-se poupado a uma emenda que só reforçou a suspeita de que nunca desgostou da especulação a propósito do regresso de Mourinho ou Jorge Jesus a Portugal.

TIAGO PETINGA

A não ter sido assim, é incompreensível o recato e o distanciamento assumidos cada vez que se punha em causa e se alimentava a (des)continuidade do projeto iniciado no final de 2022. Se nesses momentos o líder do edifício federativo ficou impávido e sereno perante as chamas ameaçadoras que rodeavam a cadeira do selecionador, seria inadmissível que num contexto triunfal ensaiasse uma relação à prova de fogo.

A dedicatória especial feita esta segunda-feira soou a um aproveitamento demasiado gratuito, que ainda por cima colide com a possibilidade, ínfima que seja, de efetivamente Proença acreditar sem reservas nas competências de Martínez. Isto, a ser verdade, podia representar um simples e ainda assim grave erro comunicacional (falhou nas costas do treinador quando ele mais precisava) caso tivesse escolhido o tal recato e a discrição na cerimónia de ontem em Lisboa.

Ao ser tão teatral e específico no reconhecimento aos heróis de Munique, isto é, ao seu herói de Munique, PP deu outro passo em falso, gerando esta desconfiança face à autenticidade das palavras e do gesto.

TIAGO PETINGA

Deu muita bandeira

Com a recheada experiência acumulada no futebol, primeiro como árbitro de elite e depois na qualidade de dirigente máximo da Liga, o sucessor de Fernando Gomes estava obrigado a perceber e a antecipar todo este cenário, ainda por cima concorrente de uma realidade que há muito não se testemunhava na intimidade da equipa nacional.

Conforme ficou claro nas diversas manifestações de apoio ao selecionador e sobretudo no comportamento de cada um e de todos sempre que Portugal entrava em campo, o balneário está com Roberto Martínez e faz transpirar um sentimento familiar que força a uma viagem de 20 anos para descortinar algo de similar.

Ao recuar duas décadas, ao tempo em que cada casa parecia o quartel-general onde se hasteava a bandeira de um sonho comum, recupera-se a memória de um País rendido à lógica de comando de Luiz Felipe Scolari, alicerçada num carisma mediático e sobretudo numa liderança que não dava azo a indecisos no lote habitual de convocados.

Em 2004, quando se estreou numa final de uma mega competição internacional, o grupo de trabalho, tal como sucede agora, falava a uma só voz e confiava cegamente em quem escolhia os jogadores e as tácticas. Brilhavam e choravam lado a lado craques como Ronaldo e Rui Costa, uma dupla outra vez ligada pela lição tirada da inesquecível proeza de Munique no não menos inesquecível 8 de junho.

ARMANDO FRANCA

Cristiano percebeu há largos meses que se não fosse nesta altura apenas mais um, jamais iria ser aceite na cabine e jamais voltaria a ganhar com a camisola das quinas. Ao manter o tabu a propósito da recandidatura, no fundo Rui Costa está só a confirmar a renúncia a novo sufrágio, aguardando pelo fecho da temporada e plenamente consciente que até outubro só por milagre saboreará um resultado desportivo que lhe permita virar o imenso “balneário” benfiquista.

Pode acontecer, mas está longe de ser provável o título no Mundial de clubes que dentro de quatro dias começa nos Estados Unidos. A concretizar-se, o Maestro terá de encomendar uma dedicatória nunca vista a Bruno Lage. Que nem Ronaldo e Pedro Proença fossem capazes de fazer melhor.