Não são só as imagens destes dias, na Califórnia. É tudo o resto. O país do Sonho Americano está transformado num pesadelo auto-infligido.

Tumultos nas ruas de Los Angeles, insultos entre um milionário até há dias membro da Administração e o Presidente, humilhações púbicas a líderes estrangeiros e ofensas a aliados, ataques aos tribunais, ameaças aos escritórios de advogados que ousem defender interesses opostos à Administração, cerco violento às Universidades independentes, e força policial manifestamente excessiva para cumprir as regras sobre imigração. Ninguém de bom senso, boa vontade ou ambição sonha viver num sítio assim ou que o sítio onde vive seja um lugar assim. Mas é assim que a América agora é.

Este é o maior estrago que nem meia dúzia de meses da Administração Trump já fizeram. E isso importa-nos porque a América, para nós, não são apenas os Estados Unidos, é também e sobretudo o Ocidente. E por isso, mesmo não sendo americanos, nunca poderemos perdoar a Trump e a quem o apoia, lá e cá.

O que se está a passar em Los Angeles pode ter diferentes descrições e explicações. Os trumpistas dirão que é a resposta necessária, que é a Ordem e a Segurança a serem postas em causa por imigrantes criminosos e Democratas seus aliados que têm de ser combatidos. Quem quiser que acredite. Não é isso que importa.

Os opositores de Trump, bem como qualquer análise minimamente atenta, dirão que a Administração tem uma estratégia que passa por ter um país em quase guerra civil para ser convincente que uma metade quer destruir a outra, e consequentemente legítimo o exercício excessivo do poder pelo Presidente. A caminho das midterms, Trump quer o país dividido e os Democratas percebidos pela maioria dos eleitores como causadores do caos. É uma estratégia óbvia. E isso é um problema, mas o maior problema não é esse. Pelo menos o nosso.

O que Trump tem feito tem duas lições importantes para a Europa. Uma, sobre a decadência do Ocidente e como isso nos afecta. A outra, sobre como uma política que assenta na diabolização e no apelo aos sentimentos de ódio só pode acabar assim.

É comum achar-se que o poder americano está na sua economia e nas suas Forças Armadas. E está. Mas não só. O Sonho Americano é a maior força de atracção da América e de influência no mundo. Foi.

Esta América não só não é ideal como comparada com o que começa a surgir como alternativa, a China e as “democracias iliberais”, pode mesmo parecer pior aos olhos de muitos. Mais desordeira, insegura, imprevisível e moralmente perdida. E esse prejuízo reputacional não acaba em Washington. Se o mundo se convencer de que a decadência americana é inevitável e a sua principal causa é o modelo político e económico, a reputação das Democracias liberais e da ordem internacional do pós-Guerra e do pós-Guerra Fria não sobreviverão. E aí não é só a América que vai, somos nós, o Ocidente.

Bill Gates foi há dias à Casa branca tentar emendar alguns dos estragos da gestão de Elon Musk. “A imagem do homem mais rico do mundo a matar as crianças mais pobres do mundo não é bonita", disse Gates ao Financial Times. Nem é certamente inspiradora. Mas é a que passa. E é essa a reputação da América e do Ocidente que fica.

A outra lição é uma que a Europa já conhece. Por estes dias, o Presidente e a Administração confundem propositadamente imigrantes com criminosos, e criminosos com gangs de homicidas violentos. A estratégia é óbvia. A violência contra os imigrantes indocumentados ou irregulares, o assalto à liberdade das universidades, o abuso de poder contra escritórios de advogados, a humilhação dos líderes estrangeiros, e tudo o resto, só são possíveis se os adversários forem diabolizados. E sendo-o, todo o ataque é legítimo. Quem são e o que querem os juízes, os tribunais, os advogados, as universidades, as elites, para defender criminosos? Fora com eles, também.

É difícil sair do lamentável circo mediático que Trump montou, mas, se a Europa não mudar de assunto e não construir uma imagem alternativa e atrativa, é o Ocidente que pode chegar ao fim muito antes de a China o derrotar.