
O fim da Guerra Fria gerou a ilusão de que o mundo entraria numa era de estabilidade, onde o direito internacional e a cooperação substituiriam o conflito como principais mecanismos reguladores da ordem global. No entanto, as guerras na ex-Jugoslávia, no Iraque e no Afeganistão dissiparam esse otimismo. Mais recentemente, a invasão russa da Ucrânia evidenciou que a paz depende da capacidade de dissuasão, prontidão e intervenção militar de cada país.
Após a dissolução da URSS em 1991, os EUA emergiram como a única superpotência global e impuseram uma ordem internacional unipolar. Contudo, essa hegemonia está a ser desafiada pela competição estratégica entre as grandes potências. A anexação da Crimeia e o apoio aos separatistas do Donbass, em marco de 2014, foram sinais claros da agressividade da Rússia. Poucos meses depois, a NATO estabeleceu que os países aliados deveriam aumentar as despesas de defesa para 2% do PIB até 2024. Apesar deste compromisso, a sua concretização tem sido desigual.
A invasão russa da Ucrânia, em 2022, tornou ainda mais evidente a urgência do fortalecimento da NATO, porque não foram os compromissos políticos assumidos no Memorando de Budapeste de 1994, onde aquele país renunciou ao seu arsenal nuclear em troca de garantias de segurança dadas pela Rússia, Reino Unido e EUA, nem os intensos apelos internacionais à paz, que impediram a queda de Kiev. Foi, antes, a forte resistência militar ucraniana, sustentada pelo apoio logístico e estratégico das democracias ocidentais. Por isso, a lição é evidente: a paz não se mantém apenas com compromissos políticos e discursos pacifistas, requer capacidade militar efetiva e os estados que a negligenciam tornam-se presas fáceis para os mais fortes.
Após a Guerra Fria, os países europeus da NATO reduziram drasticamente as suas forças armadas e confiaram a defesa à proteção dos EUA e às políticas de apaziguamento. Este erro estratégico foi alimentado por cientistas políticos, economistas e filósofos como Francis Fukuyama que, no seu livro “O Fim da História e o Último Homem” (1992), considera a implosão da URSS e a ascensão do liberalismo ocidental como os marcos que assinalam o fim dos grandes conflitos internacionais. Este otimismo pacifista provocou uma vulnerabilidade alarmante na UE, que agora não tem capacidades militares suficientes para dissuadir uma grande potência como a Rússia, nem para dela se defender sem o apoio dos EUA.
O princípio básico da dissuasão estabelece que a paz se mantém pelo equilíbrio de forças. A sua validade é comprovada pelos quase 80 anos em que a NATO garantiu a segurança dos seus membros. No último mês, a UE, ciente desta realidade e confrontada com o carácter transacional e imprevisível da nova política externa dos EUA, efetuou uma rápida revisão da sua política de defesa, tendo em vista aumentar os orçamentos militares para, até 2030, reforçar a prontidão, reduzir a dependência estratégica, colmatar lacunas nas capacidades críticas e fortalecer a base tecnológica e industrial de defesa.
Portugal, como membro da NATO, da UE e da ONU, tem responsabilidades na defesa coletiva e na estabilidade internacional, o que exige Forças Armadas modernas, preparadas e capacitadas para operar em teatros militares de elevada complexidade e variável intensidade, desde o reforço da segurança no flanco leste da Europa, até à participação em missões de paz em África.
Para isso, perante as profundas mudanças estratégicas ocorridas desde 2022, é fundamental rever o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, o Conceito Estratégico Militar, o Sistema de Forças e o Dispositivo de Forças, documentos com mais de uma década e desajustados à realidade atual, o que compromete a edificação e sustentação das capacidades de resposta militar nacional às ameaças emergentes.
Também é indispensável elaborar uma nova Lei de Programação Militar (LPM), dotando-a de recursos financeiros que permitam reforçar os meios de comando e controlo, incrementar a interoperabilidade entre a Marinha, o Exército e a Força Aérea, e desenvolver as capacidades de projeção e de sustentação de forças em operações de média e alta intensidade, onde as lacunas são muito preocupantes.
O investimento necessário para modernizar e reforçar as capacidades essenciais do Sistema de Forças Nacional aprovado é de cerca de 12 mil milhões de euros. Como apenas metade desse montante foi disponibilizado na LPM para o período de 2022 a 2034, se nada for alterado com brevidade persistirão as lacunas críticas nas capacidades das Forças Armadas portuguesas.
Complementarmente, entre outras ações importa completar as lotações de pessoal das unidades dos três ramos, aumentando os efetivos para 30 mil militares, o que implica valorizar a condição militar e adequar os regimes de prestação de serviço às exigências das missões e aos compromissos internacionais de Portugal. Também será indispensável financiar a Lei de Infraestruturas Militares (LIM) com montantes suficientes para requalificar as unidades militares, onde as condições de habitabilidade e as áreas de treino deverão ser prioritárias.
Tudo isto demorará, pelo menos, uma década a realizar, mas reforçará os meios materiais e humanos das nossas Forças Armadas e aumentará o seu desempenho operacional. Contudo, o investimento militar global não será compaginável no montante de 2% do PIB, porque rondará os 20 mil milhões de euros. A este propósito importa referir que a UE prevê o aumento das despesas de defesa em mais 1,5% do PIB em cada Estado membro, maioritariamente à custa dos orçamentos nacionais. Por isso, o teto de referência poderá subir para cerca de 3,5% do PIB. Será, seguramente, um dos temas centrais da reunião de Ministros da Defesa da UE (2-3 de abril) e da cimeira da NATO em Haia (24-26 junho).
A realidade geopolítica demonstra que a guerra não é uma memória do passado, mas uma constante na política internacional. Por isso, Portugal precisa de encarar esta realidade com pragmatismo, tendo em conta que o reforço da sua defesa militar não pode ser visto como um custo ou um ato belicista. É, antes, um investimento sustentado na paz, porque reforça a dissuasão, a prontidão e a capacidade de intervenção das nossas Forças Armadas.