Só a programação musical, de "Spoken Word" e contadores de histórias requereram perto de 300 mil euros para a ACTL Music Box, em cachets, equipas e logística, mas também para construir palcos para os concertos ao ar livre — em alternativa aos auditórios do Centro Cultural de Belém (CCB). Outros 100 mil pagaram, via Associação Praga, a curadoria de Anabela Mota Ribeiro, a logística e os participantes nas "conversas, lições, performances e aulas" planeadas para aquele fim de semana.

O objetivo era que se montasse uma grande festa, a comemorar os 50 anos do 25 de Abril para, nas palavras de Aida Tavares — recém-chegada ao lugar acabado de criar no CCB, de diretora artística para as artes performativas — , "celebrar, questionar e incentivar o diálogo entre os países de língua oficial portuguesa e refletir sobre a violência que as línguas foram sofrendo ao longo dos tempos". O FeLiCidade (assim mesmo, com maiúsculas pelo meio, para destacar a "Língua" e a "Liberdade" e a "Cidade") daria palco a sessões de cinema, leituras encenadas, lançamentos de livros e conversas, mas também concertos "para todos os públicos", montando-se a festa em poucos dias, em "locais dentro do CCB que não costumam estar acessíveis", conforme então explicou a responsável.

A originalidade no uso de espaços que não os auditórios e salas de espetáculo que aquele equipamento cultural tem naturalmente disponíveis, bem como o facto de toda a organização ter sido planeada fora das estruturas do CCB, ajuda a justificar que a fatura da festa, que aconteceu nos dias 4 e 5 de maio, tenha ficado em perto de meio milhão de euros. Custeados, conforme contou em detalhe a Sábado, pela Estrutura de Missão para as Comemorações do Quinquagésimo Aniversário da Revolução de 25 de Abril de 1974, após o Ministério da Cultura, então liderado por Pedro Adão e Silva, transferir aquele mesmo montante para a comissão liderada por Maria Inácia Rezola (que o substituiu no cargo quando aquele saiu para o governo).

O valor desembolsado especificamente para aqueles dois dias é equivalente a cerca de um terço de todo o orçamento da Estrutura de Missão para o ano de 2025, quando receberá a última fatia (1,5 milhões de euros) do bolo previsto para as comemorações, e a um quarto dos 1,8 milhões de financiamento previsto para o ano de 2023, para aquela comissão apoiar as artes e a investigação.

Segundo fonte que acompanhou o processo, ver-se intermediária nesta situação terá criado desconforto à própria Maria Inácia Rezola. Talvez por isso, no protocolo firmado com a Fundação CCB, liderada por Francisca Carneiro Fernandes (exonerada pela nova ministra), a que o SAPO teve acesso, a Estrutura de Missão tenha inscrito uma ressalva peculiar, obrigando a que qualquer mudança nos planos para o festival fosse previamente autorizada pelo próprio ministro.

Após definir, nos dois primeiros artigos, o "apoio financeiro de 450 mil euros, destinado a suportar os custos de planeamento e produção das atividades" do festival FeLiCidade e a contrapartida de "incluir a menção 'Parceiro Institucional' e o logótipo da Estrutura de Missão" nos materiais de comunicação do evento, o contrato especifica, logo no n.º 3 que "o apoio concedido destina-se exclusivamente às atividades e despesas aprovadas". E que "qualquer alteração terá de ser aprovada antecipadamente pelo membro do governo responsável pela área da Cultura".

O generoso plafond definido para dois dias de FeLiCidade previa ainda 33 mil euros para pagar seis sessões de leituras encenadas e a respetiva curadoria de Nádia Yracema e Sara Carinhas, 18 mil euros em materiais de comunicação, 7 mil euros para outros dois curadores (Tiago Bartolomeu Costa e André Teodósio) e 2 mil euros para "catering e imprevistos".

E os "imprevistos" aconteceram. Precisamente naquele fim de semana, o "rio atmosférico" abateu-se sobre o país, obrigando a organização do festival a encontrar alternativas para acomodar toda a programação planeada para acontecer ao ar livre. Só conseguiu, porém, plano B para domingo, deslocando os concertos para o Pequeno Auditório, levando as histórias para o foyer, passando os filmes na sala Almada Negreiros e encaixando as sessões de Spoken Word no corredor  de acesso ao terraço.

Pouco feliz saiu do CCB quem contava no sábado assistir ao concerto de Luna Pena & Braima Galissá no Jardim das Oliveiras ou à atuação de Sitah Faya x Spock no Terraço, que foram cancelados "por motivos meteorológicos".

Felicidade
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