Vladimir Putin nunca menciona em público o nome de Alexei Navalny. O presidente russo evita a todo o custo nomear quem declaradamente se converteu no seu principal rival político. No pensamento do líder soviético, isso seria promovê-lo.
Popular, pragmático e com um talento mediático, Navalny é um antigo advogado russo de 45 anos que se tornou num dos críticos mais obstinados e vociferantes ao regime de Putin, que comanda os destinos da Rússia desde 2000 tendo alternado funções nos cargos de primeiro-ministro e Presidente do país. Na última década, Alexei Navalny fez muito pouco para além de denunciar os esquemas de corrupção das elites próximas de Putin.
Em entrevista ao SAPO, Pavel Elizarov, exilado em Lisboa e amigo de Navalny com quem chegou a estar preso em 2011, descreve o opositor russo como "uma das pessoas mais corajosas" que conhece. "Ele era apenas um funcionário do partido Yabloko quando criou a sua própria fundação para lutar contra a corrupção, o que é algo bastante perigoso de se fazer na Rússia, que é um país bastante corrupto", acrescentou.
Passar do anonimato para uma vida em risco
A determinação de Alexei Navalny valeu-lhe, este ano, o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento que é entregue esta quarta-feira, em Estrasburgo, pelo Parlamento Europeu, aos representantes do opositor russo.
"Combateu sem trégua a corrupção do regime de Vladimir Putin. Isso custou-lhe a liberdade e quase a vida", escreveu no Twitter o presidente da instituição, David Sassoli no dia do anúncio da atribuição.
Foi nas redes sociais, sobretudo na blogosfera, que Alexei Navalny alcançou notoriedade pública com os seus vídeos investigativos que criticam a extensão da corrupção na Rússia.
Durante muitos anos, o Kremlin e sua órbita agiram como se o seu principal oponente fosse invisível. Mais tarde, quando o seu ativismo contra a corrupção e ascensão mediática se tornaram impossíveis de ignorar, Navalny passou a ser mencionado com displicência: era "aquela pessoa" ou simplesmente o "blogger”. Em apenas uma década, o ex-advogado russo tornou-se o único adversário político de Vladimir Putin capaz de mobilizar multidões em toda a Rússia.
A sua luta contra o "partido de ladrões e vigaristas", como descreveu Navalny em referência à formação política do chefe de Estado russo, o “Rússia Unida”, sofreu um duro solavanco com a sentença de dois anos e meio de prisão que lhe foi atribuída em fevereiro de 2021, como resultado de um caso obscuro de fraude que remontava a 2014 e pelo qual já tinha sido julgado.
Desde então, as autoridades apertaram o cerco contra órgãos de informação independentes, bem como a todos os críticos do Kremlin, distanciando ainda mais o objetivo da democratização da Rússia.
Mas é preciso recuar a agosto de 2020 para perceber que, de facto, Putin tinha outros planos para Navalny. O dissidente russo trabalhava na sua campanha política na Sibéria – embora o partido que representa, “Um Futuro para a Rússia”, nunca tenha sido legalmente reconhecido no país – quando sofreu uma paragem cardiorrespiratória minutos depois da descolagem de um voo com destino a Moscovo. Internado em Tomsk, fontes hospitalares, incluindo médicos, rapidamente se apressaram a desmentir as suspeitas de uma intoxicação intencional.
Após dois dias de pressão internacional, Alexei Navalny acabou transferido para um hospital em Berlim, onde recebeu tratamento durante vários meses. Um laboratório independente e especializado de Munique, mais tarde, confirmou o que já parecia óbvio para a comunidade internacional: o principal opositor de Putin tinha sido envenenado com um agente neurotóxico semelhante ao Novichok, um químico militar produzido na antiga União Soviética e que tinha originado recentemente uma contenda diplomática com o Reino Unido depois de ser utilizado para envenenar o ex-oficial da inteligência russa Sergei Skripal, em Salisbury, Inglaterra, em 2018.
O Kremlin negou sempre qualquer envolvimento no ataque contra Alexei Navalny, defendendo que o opositor sofre da "mania de perseguição". Não obstante, a oposição russa e os líderes ocidentais consideram a tentativa de eliminação de Navalny e logo depois a sua detenção um ponto de inflexão. Desde então, Putin não tolera mais críticas. O controlo que já era sufocante voltou a apertar.
"Este ano foi muito complicado. Centenas ou milhares de pessoas tiveram de sair [da Rússia]. Foram expulsas por causa das suas atividades políticas. A equipa toda de Navalny vive noutros países", afirma Pavel Elizarov.
Após cinco meses na Alemanha, Navalny retornou à Rússia em janeiro de 2021, mesmo sabendo o que lhe aconteceria: foi preso assim que pisou solo russo. Ainda teve tempo de se despedir da mulher com um beijo. As imagens gravadas na zona de desembarque do aeroporto de Sheremetyevo, em Moscovo, percorreram mundo.
Apesar de preso e sem permissão para desafiar Putin nas urnas, Navalny emergiu como o seu principal rival nas eleições de setembro de 2021. Putin decide avançar nas suas intenções de silenciar as vozes dissonantes e, mesmo antes das legislativas, mandou desmantelar a rede formada pelo seu rival - de nome "A Rússia do Futuro" - "classificada como "extremista" pelo Kremlin. Vários opositores ao regime foram obrigados a exilar-se fora de portas.
Livre, o mais tardar, em 2051
Mesmo detido em Pokrov, a cerca de 150 km de Moscovo, e com grande parte da oposição fora da Rússia, Alexei Navalny continua a ser uma pedra no sapato de Putin, mantendo o ânimo dos seus apoiantes: "Não se preocupem", escreveu Navalny, em cirílico, na sua conta do Instagram em setembro. "Estarei livre, o mais tardar, na primavera de 2051", ironizou.
Para as eleições legislativas de setembro de 2021, Navalny defendeu o "voto inteligente", uma estratégia que consiste em apoiar os candidatos mais bem colocados para derrotar os que estão no poder. Os seus aliados garantiram à agência de notícias France Presse que foi um sucesso e que as autoridades tiveram de falsificar os resultados das eleições para salvar os acólitos da máquina partidária que suporta Putin.
Desde então, Navalny pede aos russos que "não tenham medo". Atrás das grades, publicou uma investigação em que alega que os amigos ricos de Putin lhe tinham ofertado um luxuoso palácio nas margens do Mar Negro.
A publicação foi vista milhões de vezes no YouTube, obrigando o presidente Putin a fazer o que nunca tinha feito na história da política russa: foi à televisão desmentir todas as acusações.
A investigação da rede próxima de Navalny levou dezenas de milhares de pessoas a protestaram para exigir a libertação do opositor do Kremlin, mas a polícia rapidamente reprimiu o movimento.
Navalny continua a publicar mensagens nas redes sociais, através de familiares, amigos e representantes legais, onde conta, com ironia, o seu dia a dia na prisão. Fez greve de fome durante 24 dias para protestar contra as duras condições de detenção e recentemente divulgou que começou a trabalhar no centro onde está detido.
"Prisioneiro Navalny, está connosco há nove meses, por isso é hora de trabalhar", disse-lhe o funcionário, segundo escreveu o opositor nas redes sociais. Na Rússia, os presidiários são obrigados a trabalhar enquanto cumprem pena. Alexei Navalny afirmou que escolheu a oficina de costura, "para estar mais perto (do trabalho) das massas populares".
Pavel Elizarov teme pelo futuro do dissidente russo. "A ideia do Putin é que um dos dois deve morrer para Navalny ficar livre. Ou Putin morre, ou Navalny morre", relata. "Mas espero que isso não aconteça. Vamos fazer mais pressão para Putin libertar Navalny", concluiu.
Para os seus apoiantes, Navalny é um herói, mas a sua popularidade é limitada. Durante algum tempo, o opositor teve posições nacionalistas com contornos racistas, opções sobre a qual nunca se chegou a explicar.