O governo acaba de revogar o polémico Nutriscore, feito medida de saúde pública e aprovado pelo Executivo de António Costa a 22 de março, já após as eleições que deram a vitória à AD, e que entrou em vigor até já três dias depois de Luís Montenegro tomar posse como primeiro ministro.
"A decisão é ilegal", declarou há dias o novo ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, explicando que o estudo e comunicação da rotulagem nutricional simplificada (um semáforo que vai do verde ao vermelho escuro, com as letras A a E a acompanhar a "perda de valor" do alimento conforme os ingredientes e processos do seu fabrico) não cabe à Direção-Geral da Saúde (DGS), sendo sim competência da Direção-Geral de Agricultura e Veterinária (DGAV), que nem sequer foi consultada antes da promulgação pelo anterior governo.
O Nutricore foi publicado à 25.ª hora, surpreendendo todos e sem sequer ser submetido a consulta prévia. Polémico e contestado quer pelos diferentes Estados-membros quer pelas instituições nacionais a quem cabia pronunciar-se, o semáforo dos alimentos foi precipitado pelo governo socialista já após perder as legislativas, e colocado nas mãos do Ministério da Saúde, apesar de a matéria ser competência da Agricultura.
Este sistema simplificado de rotular o valor nutricional dos alimentos tem gerado discórdia quer porque pode ser enganador quer porque não chegou a haver debate ou comunicação sobre o mesmo. Sem consenso ou base científica sólida e consensual, o sistema acaba por pesar "a frio" a presença em quantidade de certos ingredientes, podendo por exemplo encontrar-se o rótulo verde numa lata de Coca-Cola Zero (sem açúcar) e o amarelo num pacote de sumo natural de maçã (que tem frutose).
Por outro lado, sendo genérico e tendo estado, o sistema não faz qualquer distinção entre ingredientes e produtos que são naturais na base de alimentação das diferentes regiões europeias, penalizando por exemplo o azeite (amarelo ou encarnado), os queijos (cujas receitas não podem ser mudadas e que surgem quase sempre no pior extremo) ou os enchidos (idem), devido a um modelo simplista que acaba por castigar toda a presença de sal, açúcar, gorduras e ingredientes processados.
O novo ministro, José Manuel Fernandes, já tinha indicado que poderia anunciar a decisão de revogar o "despacho ilegal" do anterior governo, que enquadrava o sistema como "medida de saúde pública e para promoção da alimentação saudável", e cumpriu a promessa com a publicação, nesta tarde, de uma portaria que reforça que a adoção pelos operadores económicos de qualquer sistema de rotulagem nutricional simplificado é "opcional e voluntária", devendo ter presente "modelos adequados aos produtos alimentares portugueses" — uma das críticas ao sistema, que chegava a ter batatas fritas de pacote no "verde", era precisamente não ponderar a realidade nacional — e que "compete à DGAV a definição desses modelos".
Lembra o ministro que é à DGAV que cabem aquelas competências de regulamentação na área alimentar e rotulagem dos géneros alimentícios, bem como de prestação de informação aos consumidores, garantindo que estas informações "não podem induzir o consumidor em erro, nem podem ser ambíguas ou confusas para o consumidor". E o Nutriscore tem despertado muitas dúvidas, vinca na portaria. "A DGAV tem manifestado reservas relativamente a opções legislativas implementadas em alguns Estados-membros por falta de consenso quanto ao enquadramento e por considerar que algumas das soluções adotadas poderão revelar-se de natureza discriminatória. É o caso do sistema do semáforo nutricional, baseado em algoritmos, já utilizado parcialmente em Portugal, que conduz a classificações confusas e sem considerar o modelo dos produtos alimentares portugueses", lê-se no documento hoje publicado em Diário da República.