Em 007 - Só Se Vive Duas Vezes, o espião mais famoso do cinema, encarnado pelo icónico Sean Connery, tem de resolver o mistério em torno do roubo de duas naves espaciais tripuladas, uma dos Estados Unidos e outra da União Soviética, em pleno espaço. Entre as típicas cenas de ação e sedução, o herói ao serviço de Sua Majestade acaba por descobrir que o crime foi cometido por uma organização secreta que quer despoletar a guerra entre as duas superpotências, as quais, em pleno clima de tensão, culpam-se mutuamente pelo roubo dos seus veículos espaciais. Mais uma vez, James Bond salva o mundo. Estávamos em 1967 quando o filme estreou, em plena Guerra Fria. Desconhecemos se quem escreveu o argumento, baseado numa história (que não envolvia naves espaciais) do autor Ian Fleming, alguma vez soube do rapto temporário, por agentes ligados à CIA, de um veículo espacial soviético que estava em exibição na cidade do México, cerca de oito anos antes.
Voltemos, por alguns momentos, aos dias de hoje. Se tudo correr bem, a 31 de outubro deste ano, no território da Guiana Francesa, um foguete espacial da classe Ariane-5 (um veículo de lançamento descartável) levará para o espaço um aparelho que sofreu vários reveses até ficar pronto – inicialmente, estava previsto ser lançado em 2007 – e que custou cerca de 8,5 mil milhões de euros.
Falamos do telescópio espacial James Webb, construído pela agência espacial norte-americana (NASA), em colaboração com as suas congéneres canadiana e europeia, e que será o sucessor do famoso telescópio Hubble. Com a ajuda do seu enorme espelho principal, de 6,5 metros de diâmetro, o James Webb conseguirá ver mais longe que o Hubble e detetar a fraca luz emitida por algumas das estrelas e galáxias mais distantes, das primeiras a serem formadas, 300 milhões de anos logo após o Big Bang, fenómeno ocorrido, diz a teoria, há 13,8 mil milhões de anos. Além do mais, tem capacidade para encontrar, na atmosfera de planetas distantes, moléculas precursoras de vida, pelo menos tal como a conhecemos.
O novo telescópio, segundo a NASA e explicando de forma rudimentar, “é cem vezes mais poderoso que o Hubble”, sendo que ficará a 1,5 milhões de quilómetros da Terra e viajará em redor do Sol. A título de comparação, o Hubble apenas orbita o nosso planeta e está a uns ‘meros’ 560 quilómetros da Terra. Faz toda a diferença, portanto. O problema é que, e devido à enorme distância, se houver algum problema técnico que a incapacite ou limite a sua capacidade de observar o espaço, nenhum astronauta poderá lá ir e arranjar a máquina, tal como aconteceu, ao longo dos anos, com o Hubble.
Se os piratas do mar não se interessarem pela valiosa carga que viajará de barco, dos EUA até à América do Sul, este verão, o espelho do James Webb, que está dividido em 18 segmentos hexagonais mais pequenos, desabrochará como uma flor no espaço: no momento em que for lançado para o espaço, o espelho está compactado como se fosse um origami, de modo a ocupar o menor espaço possível no foguete espacial.
Qual o motivo para se falar em piratas? Porque a NASA leva mesmo a sério essa ameaça, revela a publicação The Atlantic. Devido ao tamanho do telescópio, este não pode ser transportado de avião, daí a necessidade de um navio. Apenas se sabe que o barco içará a âncora em julho ou agosto, e nenhuma resposta foi dada sobre que medidas de segurança serão aplicadas ou se algum navio militar o escoltará. Está tudo no segredo dos deuses.
Christopher Conselice, um astrofísico da Universidade de Manchester, no Reino Unido, que esteve numa das reuniões de trabalho relacionadas com o telescópio James Webb e onde o tópico foi abordado, de início ficou espantado que se falasse em medidas de proteção contra piratas, mas depressa percebeu o que estava em causa, relembra ao The Atlantic:
“Porque haveríamos de anunciar que vamos enviar por navio, a um determinado dia, algo que custa mais de dez mil milhões de dólares? É algo que pode facilmente ser colocado num [outro] barco”, em caso de roubo em alto-mar, avisa.
Para melhor entendermos o que está em causa, vamos ter em conta os dados de 2019 do Banco Mundial, os quais indicam que o Produto Interno Bruto de Moçambique, uma nação com mais de 30 milhões de habitantes, era apenas 50% superior ao custo do telescópio norte-americano. Olhando pelo outro lado do prisma, o orçamento total deste projeto científico é quase igual aos nove mil milhões de dólares que desapareceram, sem deixar rasto nos livros de contabilidade, quando a Reserva Federal do EUA transferiu 12 mil milhões de dólares para Bagdade, em plena Guerra do Iraque, entre 2003 e 2004 (valores à época), dinheiro que era destinado a ajudar a população iraquiana.
Camionistas que adormecem e ‘perdem’ um telescópio e capitães do mar sem escrúpulos
Cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém, diz o adágio popular, e a NASA tem motivos para isso. Em 2012, um camião que levava a bordo um telescópio (acoplado a um balão estratosférico) da NASA desapareceu quando estava a ser deslocado do estado do Minnesota para o do Texas. Caiu o Carmo e a Trindade na sede da agência espacial. Após uma busca, conseguiram encontrar o camião e o seu condutor… a dormir lá dentro. Mas nem sinal do atrelado que continha a tão importante carga. O homem do volante alegou que tinha sido roubado. Felizmente, acabaram por encontrar o atrelado, abandonado, num posto de lavagem de carros, perto da cidade texana de Dallas. O telescópio não tinha um único arranhão. Um mistério.
Igualmente rocambolesco foi o incidente que aconteceu em 1984, quando a imponente estrutura em aço do radiotelescópio terrestre James Clerk Maxwell, destinada a suportar um disco parabólico refletor (que funciona como uma antena) com 15 metros de diâmetro – o que faz dele um dos mais importantes radiotelescópios ainda hoje em atividade –, precisou de ser transportada de Inglaterra, onde foi construída, para o Havai, no oceano Pacífico, onde depois seria montada a mais de quatro quilómetros de altura. Devido a uma avaria no navio que inicialmente a carregaria, a tarefa foi dada ao capitão de um pequeno navio, o qual se revelaria uma personagem de carácter muito dúbio.
Para começar, em vez de traçar logo rota para o Havai, como tinha sido combinado, decidiu fazer uma paragem nos Países Baixos, para ir buscar um carregamento de explosivos. A NASA desconhecia, por completo, esta mudança de plano, tampouco o tipo de material que viajaria ao lado da estrutura do telescópio.
Feita a viagem pelo oceano Atlântico, e mal chegou ao Canal do Panamá, a via de acesso mais rápida para chegar ao Pacífico, o barco teve de ficar à espera de uma autorização especial devido aos explosivos que trazia. Só depois poderia atravessar o canal e chegar ao Equador, para descarregar a perigosa carga. Tudo somado, só ao fim de dez semanas é que a embarcação chegou ao Havai, isto sem que tivesse existido algum tipo de comunicação entre o capitão e a NASA. Os responsáveis da agência espacial, para descortinar o paradeiro do barco e a sua verdadeira rota, tiveram de andar a ligar para as todas as alfândegas portuárias que se lembraram.
Devido ao enorme atraso na entrega (injustificável, ainda por cima), e feitas as contas, o valor da penalização que o capitão teria de pagar era quase igual ao que a NASA teria de despender pelo transporte da armação em aço. Inconformado e implacável, o capitão do navio, que ainda estava em águas internacionais, fez um ultimato: se não lhe pagassem tudo, sem penalizações, a estrutura do telescópio seria atirada borda fora, para o fundo do mar.
O problema, para este não muito astuto capitão, é que um tribunal norte-americano decretou como ilegal o sequestro de carga que estava a fazer, à luz das leis que regulam a pirataria em alto-mar, o que o obrigava a ter de render o seu barco às autoridades. A guarda costeira dos EUA avançou em direção à embarcação, apontou armas aos seus tripulantes – tratados como se piratas fossem – e prendeu o capitão. Assunto resolvido.
No entanto, e se recuarmos um quarto de século antes deste episódio, há um outro, o qual acabou por ser decisivo durante a corrida ao espaço entre a União Soviética e os EUA, em que os verdadeiros piratas, embora agindo como se estivessem num filme do James Bond, foram os norte-americanos, ou, se quisermos ser mais específicos, o governo dos EUA e o seu serviço de espionagem, a CIA.
Se não os consegues vencer, faz jogo sujo
A 7 de outubro de 1959, a ciência e a engenhosidade humana conseguiram, pela primeira vez, que um satélite artificial orbitasse o lado oculto da Lua (aquele que nunca vemos, a partir da Terra), e, apesar de ter deixado de emitir sinais durante 40 minutos, conseguiu tirar várias fotos desta parte da Lua. Um feito histórico, um dos maiores da humanidade, com o selo da União Soviética e graças ao seu satélite Luna 3, enviado para o espaço através de um potente foguete que, se usado para outros fins, também poderia transportar ogivas nucleares e ameaçar potenciais alvos norte-americanos.
A história que se segue, quase esquecida e que a revista MIT Technology Review recuperou e trouxe para os dias de hoje, parece copiada a papel químico do argumento de um filme que mistura espionagem com momentos de surrealidade.
Um mês antes do sucesso do Luna 3, em setembro de 1959, os soviéticos já tinham lançado o Luna 2, satélite que, apesar de se ter literalmente espatifado contra a Lua, foi o primeiro objeto criado por humanos a chegar a outro corpo celeste que não a Terra. Antes de se despenhar, o que já estava previsto, o Luna 2 enviou informação preciosa: não encontrou um campo magnético, na Lua, que chegasse aos calcanhares do da Terra, ao mesmo tempo que fez, pela primeira vez, a primeira medição direta do vento solar fora da magnetosfera do nosso planeta.
Mais atrás no tempo, a 4 de outubro de 1957, o Sputnik, o primeiro satélite artificial alguma vez lançado para fora da Terra, começou a emitir vários bip bip enquanto orbitava o nosso planeta, algo que conseguiu fazer durante três semanas. Cientificamente, o Sputnik também ajudou a conhecer a densidade da alta atmosfera terrestre e as camadas que aí existem.
Politicamente e militarmente, e para os norte-americanos, o Sputnik e o programa dos satélites Luna mostravam que o país estava à mercê dos avanços tecnológicos soviéticos no que respeitava a explorar e dominar o espaço. O Luna 3, a que os ocidentais deram o nome de Lunik, foi a gota que fez transbordar o copo de água, na cabeça do então presidente dos EUA, Dwight Eisenhower. Isto porque o governo dos EUA já tinha gasto mil milhões de dólares (número corrigido para valores atuais) a tentar criar um foguete espacial – o programa CORONA – equiparável ao que enviara para o espaço as sondas Luna. Até aquele momento, sete foguetes tinham falhado miseravelmente esse objetivo e acabaram dispendiosamente no lixo.
Além do mais, conseguir produzir um propulsor tão poderoso era uma vantagem militar e geoestratégica no contexto da Guerra Fria, na medida em que seria o primeiro passo para os EUA desenvolverem os seus próprios mísseis balísticos intercontinentais (conhecidos pelo acrónimo ICBM), capazes de carregar uma ogiva nuclear. O sucesso do programa Luna mostrava que os soviéticos já se tinham adiantado e possuíam os letais ICBM: os propulsores podiam servir a ciência e enviar ferramentas capazes de estudar o espaço e os seus corpos celestes, mas também podiam ser usados pelos militares para liquidar o exército ou a população de uma nação inimiga. A Corrida ao Espaço, como ficou conhecida esta rivalidade entre os EUA e a União Soviética, deveu-se mais à necessidade prática de domínio militar do que a qualquer desejo de estudar os mistérios do Universo ou fazer aterrar um ser humano na Lua, tal como frisa o astrofísico e divulgador da ciência Neil deGrasse Tyson no livro Accessory To War - The Unspoken Alliance Between Astrophysics And The Military.
Apesar de terem lançado o seu primeiro satélite artificial a 1 de fevereiro de 1958, o Explorer 1, o propulsor que o transportou estava tecnologicamente atrás dos seus congéneres da URSS.
No final da década de 1950, e face ao desespero dos EUA, Winston Scott, um americano de 49 anos nascido no Alabama, que trabalhava como espião da CIA na América Latina e que desde 1956 operava na cidade do México, viu uma oportunidade única ao descobrir que a União Soviética iria trazer um satélite do programa Luna para uma exposição que iria decorrer no Auditório Nacional da capital mexicana, em novembro de 1959. Basicamente, o que ia estar em exposição era o veículo espacial de um Luna com o seu satélite (a carga) lá dentro. Ou seja, estamos a falar da estrutura que está na ponta do foguete propulsor (quando este descola) e que se desacopla dele ao sair da atmosfera terrestre: o veículo espacial tem depois um motor, movido a combustível, que o leva até determinado ponto do espaço, libertando, por fim, o satélite.
Aquela nave espacial pronta a ser exposta ao público, a ser verdadeira e não uma réplica tosca, conteria todos os segredos que levaram ao sucesso do programa espacial soviético, incluindo informação crítica sobre o tipo de lançadores (os foguetes) que estavam a usar.
O plano? Roubar o veículo espacial na Cidade do México, desmontá-lo durante a noite, fotografar tudo o que fosse possível, ficar com algumas peças, raspar as paredes dos seus tanques de combustível para obter substâncias que indicassem o tipo de propelente usado… e voltar a montar tudo sem que os agentes do Kremlin que vigiavam a nave dessem conta do que acontecera. Tudo digno de um filme das sequelas Missão Impossível. O governo norte-americano e a CIA foram rápidos a dar a autorização, até porque Scott era já uma figura reputada nas fileiras da espionagem e da contraespionagem. O homem certo para aquele tipo de roubo, ou “empréstimo”, como lhe chamaram, cinicamente, os responsáveis da CIA.
A exposição fazia parte de uma turné mundial destinada a propagandear a ciência e a tecnologia made in União Soviética, tendo passado, inclusive, por Nova Iorque. Foi aí que os agentes norte-americanos confirmaram que a nave espacial Luna em exibição era mesmo verdadeira, mas ninguém se atreveu a cometer o golpe em território dos EUA, devido ao medo de serem descobertos e gerar um incidente de repercussões não desejáveis. O ‘jogo sujo’ deveria ser feito noutro país.
Uma festa de arromba, LSD e sexo. Valeu tudo para desviar a atenção dos guardas soviéticos do satélite
Sequestrar um veículo espacial do tamanho de uma camioneta, fortemente guardado por agentes soviéticos, e devolvê-lo sem que ninguém desse por nada, revelou-se, à posteriori, até mais fácil do que parece em teoria, pese embora alguns sustos.
Winston Scott recrutou mais três operacionais para o plano, entre eles o espião mexicano Eduardo Diaz Silveti, homem que, em 2019, durante uma entrevista a uma cadeia de televisão do México, revelou muitos dos pormenores e contornos da operação. A eles juntaram-se, mais tarde, cinco engenheiros que vieram de avião dos EUA, incumbidos de abrir, desmontar e voltar a montar o aparelho em tempo recorde. Silveti, por sua vez, foi buscar à polícia secreta mexicana os restantes elementos necessários.
O golpe foi executado logo após o último dia da exposição, em finais de dezembro, e, para distrair muitos dos agentes do KGB e outros guardas soviéticos, organizou-se uma festa de despedida nos quartos de hotel em que estavam hospedados, usando como isco mulheres mexicanas e norte-americanas para os seduzir, tudo regado com muito álcool e LSD (a famosa droga psicadélica). A distração funcionou às mil maravilhas e deixou os elementos do KGB e da segurança fora de ação, durante toda a noite.
Entretanto, ao final da tarde, quando as portas do Auditório Nacional estavam já fechadas ao público, a nave espacial (que continha um satélite Luna) foi colocada no atrelado de um camião, para ser imediatamente transportada para uma estação de comboios, de onde seria levada, no dia seguinte, para outras paragens: a cidade de Havana, em Cuba, era o próximo destino na turné.
Quando se preparavam para partir, o condutor do camião, que fora cooptado para a operação da CIA, alegou que o veículo estava avariado: na realidade, tinha sido sabotado. Até que fosse arranjado, passou uma hora, pelo que acabou por ser o último a sair do local da exposição, por volta das 17h00 locais, apanhando o período de maior tráfego rodoviário. Atrás dele foi um outro camião, com alguns soldados soviéticos, seguido por um carro onde estavam alguns dos operacionais ao serviço da CIA.
Quando chegaram a uma passagem de nível, tiveram de parar devido a uma suposta reparação que estava a ser feita na linha de comboio – outra artimanha. Gerou-se uma fila de trânsito e os carros em espera começaram a buzinar, com alguns dos condutores a saírem dos seus veículos para se queixarem. Uma autêntica confusão. Os soldados soviéticos, sem vontade alguma de serem envolvidos neste caos, abandonaram o local, convictos de que nenhum mal poderia suceder à carga que deveriam vigiar. Entretanto, o condutor do camião que transportava o Luna foi substituído por um agente dos serviços secretos mexicanos, enquanto os seguranças soviéticos que estavam na estação de comboios foram ludibriados e debandaram para o hotel onde estava a ter lugar a festa com álcool e mulheres, julgando que todos os veículos vindos da exposição já tinham chegado.
Por esta altura, o satélite tinha acabado de ser sonegado das mãos dos soviéticos. Desviaram o camião para uma serração, do qual era dono o genro de Silveti, e, pelas 19h30, os engenheiros chegaram, prontos a esventrar a nave que estava no atrelado. Tinham apenas onze horas e meia para o abrir, entrar no seu ventre, desmontar o que lá estava, fotografar, ficar com peças pelas quais ninguém daria pela falta (no imediato), procurar restos de líquidos nos tanques de combustível, montar tudo e voltar a aparafusar a fuselagem exterior. Às sete da manhã do dia seguinte, o atrelado, com o Luna a bordo, já teria de estar na estação de comboios, como se nada tivesse acontecido e antes que os agentes do KGB e os seguranças, provavelmente ressacados, aí chegassem e dessem pela sua falta.
Os engenheiros subiram descalços para o atrelado, para não deixar marcas, estudaram a nave espacial e meteram-se ao trabalho. Assim que entraram no aparelho, e já a sentirem-se apertados, deram graças por um estranho conselho que lhes foi dado no dia anterior: nada de comida pesada, apenas aveia, para evitar a flatulência. Efetivamente, aquele não era o local ou o momento ideal para que gases ou problemas intestinais os fizessem atrasar.
Nada fora deixado ao acaso e tudo correu como planeado, com várias fotografias a serem obtidas. Quando o rolo de uma das máquinas chegava ao fim, o filme fotográfico era imediatamente levado para a embaixada dos EUA e revelado, para ver se estavam nítidas. Ao todo, obtiveram 280 fotografias.
O único contratempo foi quando, ao tentarem aceder a uma das partes da maquinaria, repararam que estava selada por um plástico, estampado com uma insígnia. Se o rompessem, os soviéticos depressa poderiam descobrir que por ali andou dedo alheio. Mas até para isso a CIA tinha solução: a meio da noite, conseguiram fazer uma réplica do selo e meteram tudo como estava, levando algumas dezenas de pequenas peças consigo e restos do que poderia ser o combustível do foguete propulsor.
Roubar ao inimigo para depois o espiar melhor, lá ao longe no espaço
O sol estava prestes a nascer e era preciso arrancar dali para fora, em direção à estação de comboio. Todavia, a falta de perícia do condutor do camião não os deixou fazer marcha-atrás, devido ao atrelado. A solução mais rápida foi partir uma das paredes da serração à marretada e seguir em frente, através do buraco criado. Apesar do tempo perdido, às cinco da manhã já estavam na estrada e depressa chegaram à estação. O condutor original voltou a entrar em cena, para ocupar o seu lugar e como se de lá nunca tivesse saído. Faltavam cinco minutos para as seis da manhã quando a operação de sequestro foi dada por terminada.
Quando os portões da estação abriram, às sete horas, os soldados soviéticos, que entretanto tinham regressado, interrogaram o condutor. Este, tal como lhe foi ordenado, usou a desculpa de que quando chegou à estação, no dia anterior, esta já estava fechada, pelo que passou a noite toda dentro do camião à espera que voltasse a abrir. Os soldados, talvez porque sabiam muito bem onde tinham estado na noite anterior e a fazer o quê, deixaram-no entrar, sem fazer qualquer tipo de vistoria ao camião.
Os soviéticos, ainda em solo mexicano, não descobriram nada. Só mais tarde deram conta do sucedido. Entretanto, a informação e os objetos obtidos da nave espacial Luna foram prontamente enviados para os Estados Unidos num avião a jato, com a ajuda do embaixador norte-americano.
Curiosamente, o agente mexicano Silveti, fortemente envolvido no golpe, durante muito tempo acreditou que tinham deitado a mão ao satélite Luna 3, o que é totalmente descabido. A sonda tinha sido concebida para não voltar à Terra, e semana e meia após ter sido lançada perdeu-se o contacto com ela. Estima-se que por volta de abril de 1960 tenha entrado na atmosfera terrestre e desintegrou-se. O que foi provavelmente roubado e analisado, diz o astrofísico Jonathan McDowell, da Universidade de Harvard, quando questionado pelo MIT Technology Review, foi uma das naves espaciais do satélite Luna 2, de um lançamento anterior que acabou por falhar – a sonda acabou por descolar, com sucesso, mas já dentro de outro veículo espacial.
Apesar deste engano grosseiro, as fotos, os materiais e a análise feita ao aparelho permitiram, posteriormente, aos cientistas norte-americanos recorrer a engenharia reversiva para descortinar detalhes importantes sobre o tipo de foguetes que transportavam, na ponta, as naves espaciais e os satélites Luna: os mesmo propulsores que compunham o arsenal de mísseis balísticos intercontinentais da União Soviética. É precisamente isto que confirma um antigo documento confidencial da CIA, tornado público em outubro de 2019.
Ainda de acordo com o astrofísico Jonathan McDowell, a informação obtida através do roubo ajudou a que, em 1960, o programa CORONA finalmente obtivesse resultados positivos, com o lançamento de um satélite espião que orbitou a Terra por 17 vezes. A sonda, lançada a 10 de agosto de 1960, foi batizada de Discoverer 13, um nome (que significa Descobridor, em português) destinado a mascarar de projeto científico o que era puramente militar. Oito dias depois, os EUA lançam o Discoverer 14, sonda equipada com uma máquina fotográfica e que, um par de dias mais tarde, enviaria para a Terra uma cápsula com um enorme e pesado rolo fotográfico no interior. A cápsula foi apanhada por um avião em pleno ar, enquanto atravessava a atmosfera terrestre num paraquedas.
Era a primeira vez que se obtinham imagens da superfície terrestre por satélite. E o que tinham fotografado os norte-americanos? Cerca de 1,6 milhões de metros quadrados de território da URSS, incluindo imagens de algumas das suas bases militares aéreas.