
Conduzir em estado de cansaço ou com sono será uma causa de 15% a 20% dos acidentes graves no trânsito, revela o primeiro estudo em Portugal que liga distúrbios do sono à segurança rodoviária. E as percentagens são mais altas nos acidentes com veículos pesados e nos acidentes fatais que ocorrem em autoestradas. Em cada três pessoas questionadas, uma admite ter conduzido com os olhos a fecharem-se e quase 10% dos inquiridos revela já ter mesmo adormecido ao volante.
São conclusões de um estudo sobre hábitos de condução promovido pela Prevenção Rodoviária Portuguesa e pela VitalAire, que pela primeira vez mostra como os distúrbios do sono se relacionam com a falta de segurança nas estradas. E que aponta que, no último ano, mais de metade dos que sofreram um acidente ou estiveram muito perto disso (respetivamente (29,7% e 20,9%) apontam o cansaço, a fadiga ou a sonolência como causa. A maioria desses acidentes aconteceu durante a noite ou madrugada.
"A fadiga na condução é um problema preocupante a nível nacional. Um em cada três condutores conduziram com sonolência extrema e muitos deles subestimam os riscos e sobrestimam as suas capacidades para lidar com a fadiga, utilizando estratégias ineficazes que aumentam o risco de acidente", como abrir as janelas do carro ou ligar o ar frio (40,8%), aumentar o volume do rádio (34,3%), consumir cafeína (28,9%) e conversar (25,2%). O alerta é deixado por Alain Areal, diretor-geral da Prevenção Rodoviária Portuguesa, que em parceria com a VitalAire acaba de divulgar os resultados do estudo "Fadiga, Sonolência e Distúrbios do Sono: Que Impacto na Segurança Rodoviária? Uma Análise da Realidade Portuguesa".
De acordo com o trabalho realizado, após inquirir mais de mil condutores, apesar de a esmagadora maioria saber que é errado guiar com sono, dado que isso aumenta a probabilidade de acidentes, mais de metade admite ter conduzido mais de duas horas sem parar (65%) e quando estavam demasiado fatigados (58%) ou até em estado de sonolência extrema, "comportamentos mais prevalentes nos condutores com sonolência excessiva, com risco alto de apneia do sono, com distúrbios do sono, trabalhadores-estudantes, que trabalham por turnos, que conduzem na atividade profissional e que conduzem entre as 00.00 e as 06.00".

Con efeito, os condutores profissionais, trabalhadores por turnos e jovens estão "particularmente vulneráveis à fadiga na condução, devido a horários irregulares e a estilos de vida que aumentam o risco de sonolência ao volante", revelam as conclusões do estudo, que apontam ainda que até os que admitem o risco acrescido se consideram capazes de guiar com segurança mesmo quando estão muito cansados (18,4%): "5,2% ainda consideram aceitável conduzir quando têm dificuldade em manter os olhos abertos", lê-se.
"Um em cada cinco condutores apresentam alto risco de sofrer de apneia do sono, sendo que 10,7% relataram já ter sido diagnosticados com algum distúrbio do sono, como insónia (53%) e apneia (41%)", destaca-se ainda, com o diretor-geral da VitalAire Portugal a recomendar o investimento em "campanhas de sensibilização e de prevenção sobre os perigos da fadiga e da sonolência na condução, com destaque para distúrbios do sono como insónias e apneia obstrutiva do sono". Jorge Correia compara mesmo os efeitos destas condições ao volante com a insegurança provocada por quem guia depois de ter bebido ou anda em excesso de velocidade. "A fadiga contribui para uma percentagem considerável de acidentes rodoviários. Embora com menos notoriedade, o investimento no tratamento dos distúrbios do sono é fundamental para contribuir para a prevenção da sonolência diurna e, consequentemente, reduzir o risco de acidentes ao volante."
O estudo aponta que há seis categorias de distúrbios do sono: insónias; distúrbios respiratórios do sono, como a apneia; perturbações centrais de hipersonolência, como a narcolepsia; perturbações do ritmo circadiano do sono-vigília; parassonias; e perturbações do movimento relacionadas com o sono, como a síndrome das pernas inquietas, estimando-se que cerca de 10% da população adulta sofra de insónia crónica (três vezes por semana durante pelo menos três meses) e outros 20% de insónia ocasional. A apneia obstrutiva do sono, por interrupções na respiração afetará, em Portugal, cerca de 950 mil pessoas entre os 30 e os 69 anos.

A verdade é que, conforme revela o estudo, 20% dos condutores nem sequer conhece os distúrbios do sono e a influência que têm na condução, tal como a importância do tratamento adequado. Pelo que se recomenda uma série de ações de sensibilização da sociedade, mas também instruções de ação para prevenir e reagir a situações reais e programas de formação quando se está a tirar a carta.
Para Alain Areal, é essencial "sensibilizar os condutores sobre as causas, efeitos e sintomas da fadiga, criando campanhas e programas de educação e formação, mas também melhorar infraestruturas (áreas de repouso, guias sonoras), fiscalizar e incentivar o uso de veículos com sistemas avançados de assistência ao condutor e deteção de fadiga". E para quem passa muitas horas na estrada, sobretudo profissionalmente e à noite, as recomendações dos especialistas apontam caminhos como parar para dormir uma sesta ou pedir a um passageiro para assumir a condução do veículo.
Infelizmente, o que acontece não é exclusivo de Portugal. Dados do E-Survey of Road users’ Attitudes (ESRA), de 2023, mostram que "cerca de um em cada cinco condutores de 22 países europeus, declararam ter conduzido um automóvel, no mês anterior, quando estavam tão sonolentos que tinham dificuldade em manter os olhos abertos (18,4% em Portugal)". Um comportamento mais prevalente nos condutores até aos 34 anos (aproximadamente 26%). De acordo com um relatório da Federação Europeia dos Trabalhadores dos Transportes, um terço dos condutores de pesados de mercadorias e quarto dos que levam passageiros a bordo adormeceram a guiar pelo menos uma vez nos 12 meses anteriores.