O que começou por ser um estrondoso pré-anuncio de um veto presencial da desagregação de 124 uniões de freguesias vindo da famosa fonte de belém, era afinal uma intenção extraída de uma interpretação de um testemunho escrito em 2015 pelo então Professor Universitário Marcelo Rebelo de Sousa, que acabou por ser desmentida pela própria Presidência da República que lembrou – e bem – que as desagregações que vão ser discutidas pelo Parlamento são o cumprimento da Lei n.º 39/2021, de 24 de junho, aprovada por ampla maioria e promulgada em 2021.
O único argumento dado para este eventual veto presidencial ia no sentido de se considerarem inadmissíveis “alterações ao mapa de freguesias no ano que antecede as autárquicas”. Esta pode não ser a posição do Presidente da República, mas é útil que seja refutada porque parece ter feito escola junto da Iniciativa Liberal e de Hugo Soares (mesmo que 3 em cada 10 desagregações aprovadas tenham vindo de uniões de freguesias governadas por PSD e CDS-PP - sozinhos ou em coligação -, e que surja em total dessintonia com os posicionamentos assumidos pelo PSD no Grupo de Trabalho que avaliou as propostas de desagregação de freguesias).
Este argumento baseia-se num equívoco jurídico, que ignora completamente que o artigo 15.º, n.º 4, da Lei n.º 39/2021, de 24 de junho, diploma que enquadra a desagregação de freguesias em discussão, estipula que “a eleição dos titulares dos órgãos das freguesias criadas ao abrigo da presente lei ocorre na data da realização, a nível nacional, das eleições autárquicas seguintes”. Quer isto dizer que não podem existir eleições intercalares e que a criação de novas freguesias terá sempre de ocorrer e produzir efeitos práticos em ano de eleições autárquicas. Desta forma, ao aprovar uma desagregação de freguesias em ano de eleições autárquicas o Parlamento não está a ter um “gesto de campanha eleitoral”, limita-se, sim, a cumprir as regras legais que lhe são impostas.
Além do mais não se deve esquecer que estas desagregações nascem de um processo que se iniciou formalmente nas freguesias em 2022, num momento em que estávamos nos primeiros meses do corrente mandato autárquico, e está em avaliação no Parlamento desde janeiro de 2023, avaliação que foi suspensa durante meses devido às eleições legislativas antecipadas de 2024 e que dificilmente poderia ter chegado a bom porto mais cedo.
Muitas das freguesias envolvidas foram obrigadas a contratar serviços de assessoria jurídica e contabilística, e mesmo o Parlamento teve de alocar ao processo de avaliação juristas, economistas e informáticos dos seus quadros e de requerer apoio técnico externo à Direção-Geral do Território e à Secretária-Geral do Ministério da Administração Interna. Portanto, uma inviabilização destas desagregações nesta fase mais do que o defraudar de uma luta das populações em defesa da sua terra que dura há 12 anos, significaria um incompreensível desperdício de recursos públicos e de tempo e abriria o risco de uma indesejável repetição do processo no próximo mandato autárquico.
É, pois, tempo de concluir este processo, não só porque o seu impacto orçamental estará entre o nulo e o residual, mas também porque o que está em causa é uma correção cirúrgica de erros graves da reforma territorial 2013 – que vão desde pressupostos factuais inexistentes até inconstitucionalidades.