
Os veículos aéreos não tripulados, ou UAV, continuam a manter presença constante nas zonas fronteiriças do sul do Líbano, desde que, a 7 de outubro de 2023, o Hamas atacou Israel e os guerrilheiros do braço armado do Hezbollah começaram a lançar ‘rockets’ através da fronteira entre Israel e o Líbano, em solidariedade com Gaza. Recolhem informação das áreas-alvo, intercetam comunicações digitais e dados de radar, incluindo chamadas telefónicas e mensagens, e interrompem os GPS.
No outono passado, atingiu-se o auge das hostilidades, quando Israel decidiu invadir o Líbano. Mais de quatro mil pessoas morreram e mais de um milhão ficaram deslocadas e viram a guerra destruir as suas casas e os seus bairros. O cessar-fogo surgiria a 27 de novembro, mas nem por isso os drones deixaram de sobrevoar a capital, Beirute, e nem os bombardeamentos cessaram. Dezenas de pessoas morreram nos ataques pós-trégua, que, de acordo com as autoridades israelitas, servem para enfrentar as ameaças e comprometer as capacidades do grupo libanês, cúmplice do Irão e do Hamas, por todo o território.
A população, ou as várias populações do Líbano, vive(m) hoje numa atmosfera de crescente ansiedade, que reanima medos antigos. De acordo com o “Financial Times”, a omnipresença de drones e a imprevisibilidade dos ataques israelitas estão a ter um impacto psicológico nocivo, a que se acrescentam as crises constantes de fundo. A “cacofonia” da crise vai desde os geradores a diesel barulhentos, a passagem dos camiões-cisterna barulhentos, carros a buzinar, construções irregulares, e disparos e bombardeamentos.
Com que horizonte pode sonhar um povo que atravessou décadas de guerra? Por que paz se luta e que paz ainda subsiste? Sobre este tema, muito tem a dizer Safaa Dib, antiga editora de livros e autora luso-libanesa, assessora da vereação do Livre na Câmara Municipal de Lisboa, que foi também candidata às legislativas. Nas vésperas que antecedem a chegada às bancas da sua obra, “Líbano: uma biografia - Da terra dos cedros à imigração para Portugal, a história de uma família e de um país”, Safaa Dib percorre os dilemas e as encruzilhadas do seu país de origem. O livro parte do momento em que um casal de libaneses (os seus pais) foge da guerra civil que então consumia o país, em 1985, trazendo para Portugal os três filhos. Safaa Dib explica por que a guerra nunca acabou.
Nesta conversa, a escritora luso-libanesa lembra que “o Líbano é afetado há muitas décadas pela guerra israelo-árabe”, e partilha também a sua história de vida. “Tive uma educação libanesa e portuguesa, mas, com a idade, senti a necessidade de conhecer melhor as minhas origens.” Esse regresso às origens leva-a a recordar a avó, que teve três nacionalidades (otomana, francesa e libanesa) sem nunca ter saído do Monte Líbano, que morreu aos 107 anos: “Não foi por causas naturais, e essa é uma das histórias mais duras.”
Safaa Dib caracteriza o Líbano como um país “tão diferente e que partilhava tantas semelhanças com Portugal”. E conta também como é ser descendente de árabes drusos.
Mas muitos dos seus alertas são sobre a guerra no Médio Oriente, que voltou a alastrar-se ao território libanês. “A importância geopolítica do Líbano leva muitas vezes ao seu próprio infortúnio, traz um sem fim de estratégias”, lamenta, considerando, no entanto, ainda mais difícil a situação vivida em Gaza. “Não é possível para o Estado de Israel inflingir os horrores que está a inflingir aos palestinianos, libaneses e sírios e achar que o seu futuro está assegurado e que poderá viver em paz e segurança. Nós sabemos que violência traz apenas mais violência.”
Este episódio foi conduzido pela jornalista Catarina Maldonado Vasconcelos e contou com a edição técnica de João Luís Amorim e apoio à gravação de Salomé Rita. O Mundo a Seus Pés é o podcast semanal da editoria Internacional do Expresso. A condução do debate é rotativa entre os jornalistas Ana França, Hélder Gomes, Mara Tribuna e Pedro Cordeiro. Subscreva e ouça mais episódios.