
O plano de colocar toda a população da Faixa de Gaza numa zona fechada designada por “cidade humanitária”, no sul do enclave, “faz parte de uma limpeza étnica” e é o equivalente a colocar dois milhões de palestinianos num “campo de concentração”. A acusação foi feita pelo antigo primeiro-ministro israelita, Ehud Olmert, numa entrevista ao “The Guardian” publicada este domingo.
Em causa está o projeto apresentado pelo ministro da Defesa israelita, Israel Katz, na última segunda-feira, de construir sobre as ruínas do sul de Gaza um complexo fechado e transferir para lá, numa primeira fase, 600 mil palestinianos que vivem na zona costeira de al-Mawasi, no prazo de 60 dias após um acordo de cessar-fogo. A ideia, segundo Israel Katz, é que toda a população do enclave — cerca de 2,13 milhões de palestinianos — acabe lá alojada, após passarem por uma “triagem de segurança”. Isto é, para garantir que não pertencem ao Hamas.
“É um campo de concentração. Lamento”, afirmou Ehud Olmert, que esteve no poder entre 2006 e 2009 pelo partido centrista e liberal Kadima (Avançar). “Se eles [os palestinianos] forem deportados para a nova ‘cidade humanitária’, então pode-se dizer que tal faz parte de uma limpeza étnica”, acrescentou em entrevista ao jornal britânico, dizendo que esta é a “interpretação inevitável” do anúncio do ministro da Defesa de Israel.
“Quando eles [autoridades israelitas] constroem um campo onde planeiam ‘limpar’ mais de metade de Gaza, então a compreensão inevitável da estratégia disso é que não é para salvar os palestinianos. É deportá-los, expulsá-los e descartá-los. Não tenho outra compreensão, pelo menos”, disse ainda o advogado, que também já foi autarca de Jerusalém (1993-2003), vice-primeiro-ministro de Israel (2003-2006), primeiro-ministro interino (2006). Olmert disse ainda que Israel já estava a “cometer crimes de guerra” em Gaza e na Cisjordânia ocupada.
13 mil edifícios destruídos em 3 meses em Rafah
O projeto também já foi contestado pela Organização das Nações Unidas (ONU). “Criaria, de facto, campos de concentração em massa na fronteira com o Egito para os palestinianos, deslocados repetidamente ao longo de gerações. Privaria os palestinianos de qualquer perspetiva de um futuro melhor na sua terra natal”, advertiu Philippe Lazzarini, comissário da agência da ONU para os Refugiados Palestinianos (UNRWA), banida por Israel, que alertou ainda para o deslocamento forçado e em massa da população.
Segundo o ministro da Defesa, os trabalhos na “cidade humanitária” podem começar durante o cessar-fogo entre Israel e o Hamas, que ainda estão em negociação, com a ajuda dos Estados Unidos, Catar e Egito, para alcançar um acordo de tréguas de 60 dias. Os palestinianos não vão poder sair desta zona, que será protegida pelas Forças de Defesa de Israel e administrada por organizações internacionais, apesar de Katz não ter especificado quais. O governante disse ainda que os palestinianos devem “emigrar voluntariamente” para outros países. Todo o plano é apoiado pelo primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu.
Uma investigação da Al Jazeera revela que as forças israelitas já estão a preparar o terreno para construir a “cidade humanitária” no sul do enclave. Imagens do Centro de Satélites das Nações Unidas mostram que a destruição da província de Rafah, no sul, está a acelerar: o número de edifícios demolidos aumentou de 15.800 e de abril para cerca de 28.600 até 4 de julho (data dos dados mais recentes). Quase 13 mil edifícios foram, assim, destruídos, num espaço de três meses.
Desde o início da guerra, a 7 de outubro de 2023, morreram mais de 58 mil pessoas na Faixa de Gaza, de acordo com o balanço mais recente das autoridades de saúde locais, considerado fidedigno pela ONU. Entre palestinianos mortos, desaparecidos ou que fugiram nos últimos 20 meses, o território perdeu cerca de 7% da sua população, segundo o Gabinete Central de Estatística da Palestina. Do lado israelita, o Hamas fez 1200 vítimas mortais. O grupo ainda mantém sob a sua alçada 50 dos 250 cidadãos (30 dos quais estarão mortos) que sequestrou no ataque aos kibbutz do sul de Israel e ao festival de música Supernova.