
Com o mundo a redefinir equilíbrios geoestratégicos e geoeconómicos, num cenário de ameaça à globalização e à paz e com o espaço europeu consciente da necessidade de rever prioridades (defesa, reindustrialização, sustentabilidade, independência energética, crescimento...), o repto que a BRP tem lançado pela ambição para pôr Portugal a crescer faz mais sentido do que nunca. O momento atual é tenso e cheio de desafios, mas abre também oportunidades únicas de mudança, revelando-se o tempo certo para fazer Ctrl-Alt-Portugal. Reiniciar para Crescer é o tema que a BRP leva à Casa da Música, no Porto, na sua conferência anual, marcada para a tarde de dia 30 de junho, e Pedro Ginjeira do Nascimento, em entrevista ao SAPO, antecipa o que se pode esperar e aponta caminhos que o país deve seguir para posicionar-se entre os maiores do ranking europeu.
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O tema desta conferência é Ctrl-Alt-Portugal. Reiniciar para Crescer. É para desligar e fazer tudo de novo para pôr o país a crescer a sério ou há coisas a conservar?
Há coisas a conservar e a acelerar. Há coisas muito boas a acontecer em Portugal e temos de celebrá-las melhor, focar-nos mais nas boas e perder menos tempo nas menos boas. O Ctrl-Alt-Portugal é uma alusão ao que fazemos nos computadores: quando reiniciamos, o que se faz é libertar processos antigos que estão a tornar tudo mais lento, para os aligeirar e voltar a focar no que importa. Que para nós, para o país, é a criação de riqueza, a celebração e o encorajamento do sucesso das pessoas e das empresas. Daí a escolha do tema.
O que é que há de bom para conservar e quais as entropias que têm de terminar rapidamente?
Estamos cheios de pessoas que têm conseguido sucesso nas suas vidas, que têm sido capazes de transformar e fazer crescer, como temos muito bons exemplos de empresas, unicórnios e startups, mas também muitas microempresas que se tornaram médias e médias que viraram grandes, e que não celebramos devidamente. Depois, mesmo dentro da órbita do Estado há bons exemplos até da burocracia e licenciamentos. Habituámo-nos a dizer que tudo corre mal, mas não é verdade. Basta ver a transformação que teve o setor do turismo e da restauração nos últimos 15 anos, que explodiu porque se aligeirou, porque se trocou o regime pesado de autorizações prévias e regulamentação ex-ante para um sistema mais anglo-saxónico e amigo da velocidade que queremos imprimir a Portugal, que é ex-post: o Estado continua a ter todos os direitos para garantir que os outros interesses públicos são seguidos, mas permitindo que a economia cresça, se mexa e faça com muita responsabilidade para os promotores. A justiça é outro tema.
Também vê evolução na justiça?
É uma área que nos preocupa bastante e há um sentimento partilhado que a justiça é muito lenta. Mas mesmo aí há que ver que isso resulta da perceção que temos de determinadas áreas, desde logo o Administrativo e Fiscal e aqueles megaprocessos muito complexos que se arrastam. Mas se olharmos para a Justiça Cível, nós somos o quarto país, entre os concorrentes, em termos de celeridade: levamos em média 236 dias para ter uma decisão em primeira instância, o que não é tanto assim - e os números internacionais mostram que é um bom parâmetro; por outro lado, há que ver que isto não foi sempre assim: nos últimos dez anos, nós melhorámos o tempo em mais de 40% (eram mais de 400 dias), o que é uma evolução muito positiva.
Que não se vê na Administrativa e Fiscal.
Não, aí estamos a falar de 747 dias... e esses dias para uma primeira decisão são os piores deste grupo de comparação, sendo que o segundo pior leva menos 200 dias do que nós, portanto é uma diferença assinalável. Nós melhorámos um bocadinho, mas foi mesmo só um bocadinho. Portanto, nós temos de libertar processos que estão a travar-nos nesta área da burocracia e da justiça, mas para isso basta replicar o que já fizemos no Cível.
E poderia, nessa área, o Centro de Arbitragem Administrativa e Fiscal (CAAD) ser uma solução para acelerar e retirar pressão?
Às vezes as pessoas assustam-se com o termo arbitragem, poque parece que é uma privatização da Justiça, mas há muitos tipos de arbitragem e há que distinguir a ad hoc da arbitragem institucionalizada, de que o CAAD é exemplo. Enquanto a arbitragem dos grandes contratos públicos se faz ad hoc, em tribunais constituídos apenas para aquele caso específico, o CAAD é um centro que funciona junto do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que está instituído, tem regras próprias, tem uma pool de juízes que podem ser nomeados pelas partes, são avaliados, os dados são públicos... tudo é diferente. E de facto são muito mais rápidos, demoram 4 a 6 meses para tomar decisões. Não podem decidir em todos os casos, porque estão limitados em montante e em tipo de processos, mas sim, poderia ser uma forma de acelerar a redução dos tempos. Seguramente a arbitragem pode ajudar a resolver os atrasos no Administrativo e Fiscal, mas não passa só por aí, passa também por copiar o que se fez bem no Cível.
Voltando à vontade de fazer as empresas crescerem. Portugal tem menos 40% de grandes empresas face àquilo que é a média europeia e há muitos incentivos contra a passagem para o nível seguinte, nomeadamente fiscais... Como é que se desata este nó e se põe as micro a quererem ser pequenas, as pequenas médias e as médias a quererem ser grandes empresas? E as startups a passarem a scaleups?
Bem, as startups são empresas como as outras, simplesmente têm um perfil mais tecnológico e mais agilidade, estando em áreas de elevado crescimento e transformação e disrupção, mas passam também por essas fases. Mas pegando numa expressão de Gato Fedorento, o problema de Portugal não é ser um país de PME, é ser um país de nano-micro-minis... Nós temos menos 41% de grandes empresas, mas o problema nem é esse número, é que temos mais 47% do que a média, no que respeita às microempresas. E micro que não vemos escalar, o que é particularmente preocupante porque a diferença de produtividade entre uma micro e uma grande empresa em Portugal é de 2,5 vezes. Levamos a vida a ouvir políticos, empresários, comentadores e afins a queixarem-se da falta de crescimento da produtividade e da economia e isso tem que ver com esta realidade. Porque produtividade significa criação de riqueza e criar riqueza é pagar melhores salários, investir mais e melhor. Não é por isso surpreendente também que tenhamos hoje mais de 20% dos trabalhadores presos no salário mínimo (SMN).
Sem aumentar a produtividade, logo a dimensão das empresas, os salários não podem evoluir.
Este não pode ser o modelo de crescimento que queremos para o país. Há sempre algumas tarefas de menor valor acrescentado que têm de ser abrangidas e protegidas pelo SMN, mas elas não deviam pesar mais do que 2% ou 3%. Quando pesam 20%, deixam de ser a exceção para ser a norma. E é por isso que aqui na celebração do sucesso das empresas e das pessoas temos uma grande preocupação em criar espaço para que as pessoas possam querer crescer — e isso passa também por taxar menos os salários.
O peso dos impostos nos salários continua a ser demasiado e chega a inviabilizar progressões...
Nós taxamos excessivamente logo desde os salários mais baixos, criamos essa prisão à volta do SMN. E sem as pessoas terem incentivo para crescer, também as empresas não têm. Por isso defendemos, além da reforma do IRS, uma reforma do IRC. O nosso IRC não é progressivo por desenho original, mas como desde a troika se foi criando um conjunto de taxas adicionais, como as derramas, criou-se essa progressividade no IRC, que é uma singularidade portuguesa e que significa que uma empresa quando chega a determinado patamar e tem de tomar uma decisão de investimento, olha para as contas e vê que não compensa; porque se investir vai ficar pior. Então investe no estrangeiro ou cria uma nova empresa em que faz tudo igual mas sem as economias de escala e sem os ganhos de produtividade que produziriam mais riqueza, melhores salários e mais impostos. Aí, estamos condenados a ser o país de baixa produtividade e baixos salários, porque não teremos capacidade para investir em inovação e subir na cadeia de valor.
O estudo que a BRP publicou há um par de meses mostrava que a diferença de investimento de Portugal para a média dos países comparáveis era de 40% do PIB. Isso impacta também nos salários, como disse. Abrandar esse garrote fiscal permitiria também fixar talento?
Claramente. Desde 2006 que passámos a investir uma percentagem menor do nosso PIB do que os pares europeus e essa diferença acumulada chega a quase 50$ do PIB. O que mostra bem a falta de investimento das famílias, das empresas e do Estado, que tem caído também. Esta falta de investimento traduz-se em baixo capital utilizado na economia e portanto baixa produtividade, falta de diferenciação, etc. Reforçamos uma vez mais o ciclo produtivo negativo que nos prende nos baixos salários. É contra o tal garrote fiscal que defendemos a reforma do IRS. Ela tem de libertar as pessoas para quererem crescer mais. Nós cobramos mais de 60% de impostos a alguém que ganha o SMN e vai ter um aumento de 150 euros brutos. Parece que estamos a dizer que essa pessoa já é rica e não vai valer o esforço. Portanto, a pessoa esforçou-se e merece; o empregador reconhece-o e quer aumentá-lo em 150 euros e no final o trabalhador recebe apenas 60 euros?! Isto é um convite à informalidade. Em vez de se esforçar no emprego, faz esses 60 euros tranquilamente em biscates ao fim de semana, sem ter de ficar mais tempo a trabalhar no duro e a sair da sua zona de conforto. Se não queremos continuar condenados a sermos pobres, temos de sair da prisão do SMN.
Mas aquilo de que se fala sempre é precisamente do SMN.
Essa é uma das prisões: é que só discutimos o SMN, quando devíamos estar a discutir o médio. Por isso, no manifesto que publicámos antes das legislativas, fizemos uma proposta mais arrojada de acabar com os cinco primeiros escalões do IRS, para permitir que 61% dos agregados, todos aqueles que ganham menos do que 1,5 vezes o salário médio, possam não pagar IRS. Continuariam a contribuir para a Segurança Social e a pagar impostos indiretos, mas não o IRS. Isto permitira que 61%, uma parte significativa dos nossos trabalhadores, tivessem aqui um incentivo grande para se esforçarem, para poderem crescer e ser recompensados por isso. Se 61% das pessoas estiverem a remar para o mesmo lado, o barco vai certamente andar mais depressa e no sentido certo.
A simplificação fiscal é uma prioridade. Como é que se acaba com essa complexidade?
É preciso resolver a complexidade fiscal, sem dúvida, e o IRS é um dos três pecados capitais do nossos sistema: penaliza o sucesso, é muito caro e é muito complexo. Essa complexidade é um dos exemplos daquilo a que temos de fazer Ctrl-Alt-Portugal, porque estamos a trabalhar para aquecer. Entre os privados, quer sejam as pessoas quer sejam as empresas, que têm de cumprir com todos esses requisitos que não acrescentam nada; e depois do lado do Estado também, porque com toda esta complexidade precisa de montar uma máquina para ir atrás dos infratores e cria também o problema nos tribunais, porque regras muito complexas dão origem a contestação e interpretações. Isso é o que temos de deixar para trás. E também reduzir o número de escalões: nós temos 11 escalões. Oficialmente são 9, mas depois há dois extra introduzidos no tempo da troika, o que faz de nós o segundo país com mais escalões numa União Europeia onde 15 países têm três escalões ou menos. E muitos destes são no Norte da Europa, conhecidos por terem grande progressividade. Porque muitos escalões e progressividade são coisas distintas. Isto só cria complexidade e confusão e a sensação nas pessoas de que, cada vez que são promovidas, até ficam pior porque vão pagar mais impostos. Há que simplificar.
Qual é a vossa proposta?
Passar primeiro de 11 para seis e, até ao fim da legislatura, para três. Apresentámos isto ao país para que fosse um contributo para a campanha e para as discussões, para que as pessoas também lutem por isso. O governo apresentou agora algumas medidas que não vão tão longe como gostaríamos, ficam muito aquém, mas vão no sentido certo. Vamos continuar a bater nessa tecla.
O facto de se ter criado neste governo um Ministério para a Reforma do Estado é um bom sinal no sentido dessa simplificação e agilização administrativa e fiscal?
Não é a primeira vez que temos ministérios da modernização ou da reforma do Estado, ou secretarias de Estado até dependentes diretamente do primeiro-ministro. Este título Ministério da Reforma do Estado, parece mais abrangente e por isso mais inspirador. O que nos preocupa é que procuramos sempre trabalhar com os governos no sentido de lhes incutir que não basta fazer uma lei para tudo se transformar magicamente, é preciso andar em cima, fazer a gestão da mudança. Porque nem tudo sai bem à primeira e é preciso ir ajustando mas também porque a inércia dos serviços muitas vezes faz que as pessoas continuem a trabalhar da forma que estão habituadas, apesar de a lei ter mudado. Por isso é preciso monitorizar o que está a acontecer, monitorizar os resultados para aprender. Faz-se isso nas empresas, mas no Estado normalmente não... quando algo não acontece, faz-se uma lei nova. Esse é um aspeto que tem de mudar.
Na conferência há um foco no contexto internacional e nos desafios do novo contexto geopolítico e geoeconómico. Há muita instabilidade e incerteza, há uma transformação a acontecer que pode até abrir oportunidades a Portugal, assim estejam identificadas. É isso que justifica as intervenções, na Conferência BRP, de pessoas com ampla experiência internacional, económica e empresarial, como Durão Barroso, Nuno Palma, o Nobel da Economia James Robinson, Cristina Fonseca e Chitra Stern?
Nós acreditamos muito na importância do benchmarking e por isso criámos o Comparar para Crescer e temos sempre esta preocupação de nos compararmos, interna ou externamente. Porque só assim conseguimos perceber se estamos a ir ao limite das nossas capacidades ou se estamos a ficar confortavelmente onde estivermos, às vezes a achar que estamos ótimos mas quando comparamos percebemos que há outros muito melhores e por isso há trabalho a fazer. O James Robinson e o Nuno Palma vêm para nos falar de um assunto que achamos muito relevante, que é a importância das instituições, do Estado de Direito, e como conseguimos ter instituições que criem um enquadramento institucional que potencie o crescimento em vez de o estagnar. O James Robinson tem a experiência internacional e o Nuno Palma muito conhecimento sobre o caso português, por isso achamos que vai ser muito interessante. Por outro lado, Durão Barroso foi primeiro-ministro, foi presidente da Comissão Europeia, tem uma visão de onde estamos e de futuro, os aspetos da alteração da dinâmica do mundo, os novos blocos e as oportunidades para a Europa, na qual Portugal e insere, e como podemos tirar partido desta mudança. Para nós, Portugal não é um país pequeno, ao contrário do que se diz.
Não é?
Estamos sempre a ver-nos coitadinhos, no cantinho da Europa, no Portugal dos Pequeninos. Mas nós somos uma economia de média dimensão inserida num dos três maiores blocos globais, portanto tomara 99% dos países ter a nossa situação. Agora, temos é de saber tirar partido disso, do nosso mercado interno, que é o europeu. Temos 450 milhões de habitantes, 17% da riqueza mundial, e devemos utilizar isso para crescer. Estas reconfigurações de blocos geopolíticos ainda trazem muita incerteza, mas já é bastante claro que as cadeias de valor, sobretudo dentro da Europa, estão a mudar. Elas estavam muito interligadas com outras partes do mundo e se houver esta reconfiguração para aquilo que se espera, no sentido do nearshoring, certamente existirão muitas oportunidades de negócio para os países que souberem posicionar-se para as apanhar. Temos é de nos organizar e ir atrás das oportunidades que acharmos que conseguimos agarrar.
E que setores ou oportunidades fariam mais sentido para Portugal?
Nós não gostamos de apontar setores, porque acreditamos na individualidade das pessoas e empresas, mas temos uma força de trabalho muito mais qualificada do que há uma década, temos uma energia elétrica muito mais barata por comparação com o resto da Europa e isso são dois fatores relevantes de produção. Por outro lado, vivemos num mundo muito mais globalizado, pelo que a nossa periferia já não é tão relevante quanto era há 20 ou 30 anos, portanto temos condições de partida muito melhores para tirar partido de uma reconfiguração do mundo. Nós não gostamos de escolher setores e a realidade é que, no trabalho que temos feito com as empresas "adolescentes e jovens adultas", empresas entre os 30 e os 150 milhões de euros de elevado potencial e que têm crescido nos últimos anos, identificámos 67 empresas nessas condições. Portanto, num país com cerca de 70 verdadeiras grandes empresas, com mais de um milhão de euros de faturação, identificámos 67 que podem vir a ser as próximas grandes. Não é pouco.
Seria quase duplicar o número.
Exato. E quando olhamos para o que fazem, em que setores estão, vemos que estão ao longo do território, num conjunto de atividades alargado (do agroindustrial e piscicultura à tecnologia avançada) — e não estão apenas no triângulo dourado Aveiro-Porto-Braga nem estão apenas no litoral; estão pelo território todo. Isso mostra a qualidade das pessoas e as oportunidades que existem.
As empresas também estão confiantes, ainda ontem foram revelados pela CIP os números do Índice de Confiança e as empresas acreditam num crescimento de 1,5% do PIB neste ano. Mas é ainda muito pouco...
É muito pouco. 1,5% não é nada — com inflação serão uns 3,5% a 4% e esses números refletem também a contração de alguns setores da economia e o crescimento de outros. Mas nós acreditamos que se libertarmos este conjunto de travões que temos na economia, a burocracia, a fiscalidade, a administração pública, e se replicarmos ao resto o que fizemos na restauração e turismo, acreditamos que em dez anos podemos estar entre os cinco países mais ricos da Europa. Mas isso não pode ser feito a crescer 1,5%. Nem a convergir. A nossa visão não pode ser o poucochinho, não pode ser "ah, que bom não estamos a contrair e estamos a crescer 1,5%". Nós queremos chegar em dez anos, dentro das nossas vidas, do tempo que podemos aproveitar, a um dos cinco países mais ricos da Europa. E isso é possível, é o que os números e a nossa história recente mostram. Temos apenas de nos libertar de algumas amarras, fazer o tal Ctrl-Alt-Portugal e focarmos no que verdadeiramente importa.