
Três noites seguidas com pouco sono podem desencadear alterações moleculares no sangue associadas a doenças cardiovasculares. É o que mostra um novo estudo da Universidade de Uppsala, na Suécia, que ajuda a explicar como a privação de sono afeta o coração, mesmo em pessoas jovens e saudáveis.
Já se sabia que dormir pouco está associado a um maior risco de doenças cardíacas. Agora, investigadores da Universidade de Uppsala conseguiram mostrar de forma mais clara como causa danos a nível molecular.
No novo estudo, os investigadores analisaram proteínas inflamatórias no sangue. São moléculas que o corpo produz quando está sob stress ou a lutar contra uma doença. Quando estas proteínas se mantêm elevadas durante muito tempo, podem danificar os vasos sanguíneos e aumentar o risco de problemas como insuficiência cardíaca, doença coronária e fibrilação auricular (batimentos cardíacos irregulares).
“Infelizmente, quase metade dos suecos sofre regularmente de distúrbios do sono, e isto é especialmente comum entre trabalhadores por turnos. O nosso objetivo era identificar os mecanismos que explicam como o sono insuficiente pode aumentar o risco de doença cardiovascular e, a partir daí, encontrar formas de intervir", afirma Jonathan Cedernaes , médico e docente em Uppsala, que liderou a investigação.
Três noites mal dormidas bastam para afetar o coração
O estudo envolveu 16 homens jovens e saudáveis que permaneceram vários dias num laboratório, sob condições rigorosamente controladas: alimentação, atividade física e exposição à luz foram todas monitorizadas.
Cada participante passou por duas fases:
- Três noites de sono normal (cerca de 8 horas e meia);
- Três noites de sono restrito (4 horas e 15 minutos por noite).
Depois de cada fase, os voluntários realizaram um curto exercício de alta intensidade (ciclismo) e fizeram análises ao sangue, antes e depois do treino.
Proteínas inflamatórias alteradas com a privação de sono
Os investigadores analisaram quase 90 proteínas diferentes nas amostras de sangue. O resultado foi claro: a privação de sono aumentou os níveis de várias proteínas inflamatórias associadas a doenças cardiovasculares.
Normalmente, o exercício físico estimula a produção de substâncias benéficas para o cérebro e o coração, como a interleucina-6 e o BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro). Mas após noites mal dormidas, essas respostas foram mais fracas, revelando que o impacto do sono se sobrepõe, pelo menos parcialmente, aos benefícios do exercício.
Até o horário das análises ao sangue tem influência
Outro aspeto interessante do estudo foi a variação das proteínas ao longo do dia. Os níveis de algumas moléculas eram diferentes de manhã e à noite — e estas diferenças tornaram-se ainda mais marcadas com o sono reduzido.
Isto mostra que a privação do sono não só altera o que está no sangue, como também o momento do dia em que essas alterações são mais evidentes.
Todos corremos os mesmos riscos
Um dado que surpreendeu os autores foi a rapidez com que estas mudanças aconteceram - bastaram três noites com sono insuficiente para produzir efeitos medidos no sangue, mesmo em adultos jovens e sem problemas de saúde.
Tendo em conta que cerca de um quarto da população trabalha por turnos e que dormir mal é comum em muitas rotinas modernas, os resultados são um alerta importante.
“A vida moderna convida-nos a trocar o sono por produtividade, tempo de ecrã ou socialização. Mas o corpo regista tudo - silenciosa e quimicamente - e sem concessões”, resume Jonathan Cedernaes.