Valeu a pena? Friedrich Merz ficou praticamente de mãos vazias. Em troca de um ganho político insignificante, arrastou a União Democrata-Cristã (CDU) para um debate precipitado e irresponsável, num momento particularmente delicado, e esteve à beira de quebrar a cerca sanitária à Alternativa para a Alemanha (AfD, extrema-direita).
No final, não só falhou em consolidar a sua posição como líder como enfrentou a resistência feroz da ala ligada a Angela Merkel dentro do partido, que bloqueou a sua estratégia. E agora? O que tem para oferecer à Alemanha, num contexto de crescimento anémico de 0,3%, com o maior número de desempregados da última década, uma crise energética sem precedentes, uma guerra em solo europeu e um confronto tarifário crescente com os Estados Unidos?
Merz pode ter cometido o erro político que marcará para sempre a sua liderança na CDU. A decisão de votar ao lado da AfD numa moção sobre imigração, mesmo sem aliança formal, criou um terramoto político na Alemanha. Para um partido que historicamente se manteve distante da extrema-direita e sempre defendeu uma postura institucional de rejeição da AfD, este episódio foi visto como uma traição aos seus princípios. A CDU, que tem sido um dos pilares da democracia alemã do pós-guerra, abriu assim uma brecha que poderá ter consequências duradouras.
A moção em causa, que não passou de mero calculismo eleitoral, tinha como objetivo endurecer as regras de entrada de requerentes de asilo, questão sensível num país onde a imigração continua a ser um dos temas centrais do debate político. Merz viu nela uma oportunidade de fragilizar o governo de Olaf Scholz e de recuperar o eleitorado conservador que se sente cada vez mais tentado pela AfD. No entanto, ao permitir que a moção fosse aprovada com o apoio da extrema-direita, caiu numa armadilha. O resultado foi indignação generalizada. O social-democrata SPD, os Verdes e o liberal FDP acusaram-no de "normalizar" a AfD, e protestos multitudinários encheram as ruas de Berlim, Hamburgo e Munique, refletindo um país em alerta contra qualquer aproximação à extrema-direita.
Foi dentro da própria CDU que o impacto se revelou mais devastador. Angela Merkel, afastada da política ativa, continua a ser uma referência incontornável no partido e usou a sua influência nos bastidores para fragilizar a posição de Merz. Basta olhar para as reações de figuras proeminentes como Armin Laschet e Norbert Röttgen, que se distanciaram de imediato e colocaram em causa a estratégia adotada.
A CDU, que já vinha fragilizada por sucessivas derrotas eleitorais, vê-se dividida e sem linha clara de orientação. Em vez de reconhecer o erro e recuar, Merz optou por dobrar a aposta e insistiu na viabilidade da moção, tentando transformá-la num projeto de lei. O Parlamento alemão bloqueou a proposta, e o que poderia ter sido apenas um deslize tático tornou-se uma humilhação pública para o líder da oposição e, possivelmente, futuro chanceler.
O que resta de Merz depois deste episódio? A CDU enfrenta uma encruzilhada delicada. Por um lado, precisa de recuperar um eleitorado conservador que olha para a governação de Scholz com desconfiança e vê na AfD uma alternativa radical, mas atrativa. Por outro, sabe que não pode vencer eleições se for vista como partido disposto a abrir a porta à extrema-direita. Merz quis jogar nos dois tabuleiros e falhou em ambos. Se a CDU continuar neste caminho, corre o risco de tornar a AfD um ator legítimo na política alemã, enquanto perde os eleitores mais moderados, que poderão procurar refúgio noutros partidos. O resultado será uma CDU enfraquecida e uma Alemanha ainda mais polarizada. Brincou com o fogo e, como Alfred avisou Bruce Wayne em “O Cavaleiro das Trevas”, há chamas que não se apagam facilmente.
Na tentativa de estancar a crise e recuperar a iniciativa política, Merz apresentou um plano de 15 pontos que pretende recentrar o debate e reforçar a sua posição como líder da oposição. O programa aposta numa agenda económica liberal, com medidas como a redução de impostos, a desburocratização e o incentivo à produtividade. A CDU quer mostrar que não é apenas um partido de oposição, que tem uma visão para o futuro da Alemanha. Além disso, endurece o discurso sobre imigração e segurança, tentando captar eleitores que procuram políticas mais rígidas nesta área, sem cair num alinhamento total com a AfD. O problema é que este plano pode não ser suficiente para travar a crise.
As medidas económicas podem ser um trunfo para conquistar o eleitorado empresarial e de centro-direita, desiludido com a gestão intervencionista da coligação de Scholz. No entanto, a CDU continua dividida. Há uma ala que acredita que o endurecimento do discurso sobre imigração e segurança é um erro estratégico, pois pode alienar eleitores moderados e urbanos. Além disso, o plano pode ser visto como manobra reativa e não como visão estrutural para o país, o que fragiliza a sua credibilidade. O Governo do SPD aproveitará a oportunidade para atacar Merz como líder sem rumo, que num dia tenta captar eleitores da extrema-direita e no outro tenta regressar ao centro, deixando-o sem posicionamento claro.
Há um fator adicional que pode vir a ser determinante nas próximas eleições e que Merz parece ter negligenciado: os eleitores de origem migrante. Estima-se que cerca de sete milhões de cidadãos alemães sejam de primeira ou segunda geração migrante. Muitos deles, que até agora votaram em massa na CDU, no SPD e no FDP, poderão tornar-se decisivos num cenário em que a CDU tente recuperar terreno eleitoral. Depois deste episódio, é pouco provável que considerem a CDU uma alternativa credível. A votação ao lado da AfD criou um clima de desconfiança, e qualquer endurecimento das políticas migratórias poderá afastá-los ainda mais. Se a CDU perder o voto deste segmento da população, estará a entregar uma fatia considerável do eleitorado aos partidos de esquerda e a comprometer as suas hipóteses de vitória.
O futuro de Merz é incerto. O plano de 15 pontos pode evitar um colapso imediato, mas dificilmente bastará para relançá-lo como líder incontestado e futuro chefe de Governo com uma visão clara para a Alemanha. Para recuperar, precisará de mais do que medidas económicas e de segurança: necessitará de um discurso coerente e mobilizador que una o partido e recupere os eleitores moderados sem perder a base conservadora. O episódio da votação no Parlamento alemão revelou algo mais profundo do que um erro tático: mostrou que Merz ainda não definiu qual é o verdadeiro rumo da CDU no pós-Merkel.
Se pretende consolidar-se como alternativa de Governo, terá de encontrar um equilíbrio entre recuperar os conservadores sem alienar os moderados. Se continuar a oscilar entre um discurso duro e tentativas de reposicionamento ao centro, a sua liderança pode não sobreviver às próximas eleições. O que resta de Merz é uma questão em aberto, mas se não corrigir rapidamente a trajetória, o que restará da CDU poderá ser uma sombra do que foi.