O número de novas infeções pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH) em 2023 foi o menor desde o final dos anos 1980, assinalou a ONU, embora alertando que o mundo está atrasado no cumprimento das metas para 2025.

Estas são algumas das constatações do novo relatório do secretário-geral da ONU, António Guterres, intitulado "A urgência do agora: a sida numa encruzilhada -- relatório de progresso sobre as metas de 2025 e direções estratégicas para o futuro", que foi apresentado esta quinta-feira na Assembleia-Geral das Nações Unidas.

No relatório, que chega num ponto crítico da resposta global ao VIH, indica-se que a revisão intercalar da "Estratégia Global contra a sida 2021-2026", feita no ano passado, mostrou que menos pessoas contraíram o VIH em 2023 do que em qualquer outro momento desde o final da década de 1980.

Globalmente, cerca de menos 39% de pessoas contraíram o VIH em 2023, em comparação com 2010, com a África Subsariana a conseguir a redução mais acentuada (56%).

"Avanços significativos foram alcançados na África Subsariana, ressaltando o poder das intervenções existentes para erradicar a sida como uma ameaça à saúde pública até 2030", diz-se no documento.

No entanto, a nível mundial, estima-se que 1,3 milhões de pessoas tenham contraído o VIH em 2023 -- mais de três vezes o limite de 370.000 novas infeções projetado para 2025.

Algumas regiões estão a apresentar números crescentes de novas infeções por VIH: Europa de Leste e Ásia Central, América Latina e Médio Oriente e Norte de África.

Globalmente, o declínio do número de novas infeções foi maior entre as mulheres do que entre os homens, tendência que se mantém nas diferentes faixas etárias.

No entanto, a taxa de incidência do VIH entre raparigas e mulheres jovens foi mais de três vezes superior à dos rapazes e homens jovens em 22 países da África subsaariana.

Menos crianças dos 0 aos 14 anos estão a contrair o VIH, uma tendência que se deve em grande parte aos sucessos na África oriental e meridional, onde o número anual de novas infeções em crianças caiu 73% entre 2010 e 2023.

No relatório estima-se que uma média de 120.000 crianças tenham contraído o VIH em 2023, elevando o número total de menores que vivem com vírus em todo o mundo para 1,4 milhões - 86% das quais na África subsaariana.

Mais de 30 milhões de pessoas estavam a receber terapia antirretroviral vital, reduzindo as mortes relacionadas à sida para o seu nível mais baixo desde o pico registado em 2004.

Na África subsaariana, por exemplo, os sucessos registados no combate à sida contribuíram para uma recuperação da esperança média de vida de 56,3 anos em 2010 para 61,1 anos em 2023, mostra-se no levantamento.

Porém, apesar dos avanços, no relatório defende-se que ações urgentes são necessárias para proteger as conquistas arduamente alcançadas, referindo-se diretamente o impacto dos cortes norte-americanos no combate global ao VIH.

Por mais de duas décadas, os Estados Unidos da América (EUA) têm sido um líder firme na resposta global ao VIH através do Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para o Alívio Sida (PEPFAR) e do Fundo Global de Combate à Sida, Tuberculose e Malária, assim como através do seu apoio ao Programa Conjunto das Nações Unidas sobre VIH/Sida (ONUSIDA), que juntos contribuíram com mais de 70% do financiamento para a resposta.

"Desde a sua criação em 2003, o Plano salvou mais de 26 milhões de vidas investindo em programas essenciais de prevenção, tratamento, assistência e apoio ao VIH em 55 países", frisa Guterres, no relatório.

Contudo, no início deste ano, após regressar à Presidência norte-americana, Donald Trump avançou com o desmantelamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, ma sigla em inglês), afetando fortemente o maior programa de tratamento de VIH do mundo.

Esses cortes "evidenciaram a fragilidade da resposta ao VIH", sendo que a "natureza abrupta" dessa suspensão "significa que os países tiveram um tempo limitado para se preparar e implementar medidas de mitigação", defende-se no documento.

Se a ajuda norte-americana for permanentemente interrompida, a ONUSIDA estima cerca de quatro milhões de mortes adicionais relacionadas com a sida, três milhões de órfãos, 600.000 novas infeções por VIH entre crianças e mais seis milhões de novas infeções em adultos até 2029, tornando impossível atingir a meta de acabar com a sida como uma ameaça à saúde pública até 2030.

Face aos desafios recentes e à fragilidade da resposta ao VIH, "o mundo está a ficar para trás no alcance das metas de combate ao VIH para 2025", observou Guterres, referindo obstáculos ao acesso ao tratamento, programas de prevenção insuficientes, falta de apoio adequado ao trabalho das comunidades, aumento das desigualdades e "falta de vontade política e apoio financeiro ameaçam a resposta".

Neste momento, está a ser desenvolvida a próxima Estratégia Global contra a Sida, para o período de 2026 a 2031, e que estará "entre as mais importantes em 40 anos de resposta à pandemia", enalteceu o líder da ONU.

Desenvolvida num contexto de instabilidade para muitos países, em particular no que diz respeito ao financiamento, a estratégia será crucial para acelerar a consecução da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e estabelecer as bases para uma resposta sustentável ao VIH pós-2030.