Dezanove médicos do Serviço de Urgência Geral do Hospital Amadora-Sintra alertam, numa carta aberta dirigida à administração, para a perda de capacitação e o risco de rutura iminente do serviço caso o atual rumo não seja revertido.

"Perturba-nos profundamente a perda de capacitação do Serviço que integramos, o risco de regressão para tempos passados --- com menos recursos humanos, menor diferenciação técnica e pior qualidade assistencial", alertam os médicos na carta, a que a agência Lusa teve hoje acesso.

Avisam que esse cenário se tornará "inevitável caso nada seja corrigido" e lamentam que vários colegas já tenham manifestado a intenção de abandonar a Unidade Local de Saúde Amadora-Sintra (ULSASI).

"Não ignorem os sinais claros de rutura iminente no SUG [Serviço de Urgência Geral], nem a desmotivação crescente e o desgaste dos elementos que continuam, com esforço e dedicação, a sustentar um dos serviços mais fustigados e desafiantes a nível nacional", lê-se na missiva dirigida ao conselho de administração e responsáveis clínicos da ULS.

Os médicos, que integram a equipa dedicada do SUG, apelam à reversão do caminho seguido, "antes que as consequências se tornem irreversíveis".

"Se a ambição da liderança do SUG e da ULSASI é desconsiderar e desconstruir aquilo que levou anos a construir --- e que tanto tem feito pela Instituição e pela população que a procura --- então restará apenas o desânimo e a saída", alertam.

Na carta, os especialistas afirmam que esta é "a única forma de apelo" que lhes resta, após várias tentativas de diálogo formal e informal.

Defendem que o SUG é vital para a população que serve, e que a equipa médica tem procurado, "com brio e dedicação", assegurar cuidados de saúde de excelência, algo que dizem não tem sido reconhecido.

"Infelizmente, não é este o sentimento que ecoa dentro da equipa médica do SUG, possivelmente extravasando até os limites deste Serviço, envolvendo os demais colegas de outros serviços, nomeadamente de Medicina Interna, que contribuem igualmente para o objetivo do serviço de oferecer os melhores cuidados de saúde aos utentes".

9 pontos de descontentamento

Os médicos elencam nove pontos de descontentamento, entre os quais a instabilidade da equipa médica, agravada pela rotatividade excessiva, sobrecarga de horários e acumulação de funções em diferentes unidades.

"Não é possível conceber a existência de um serviço sem equipa médica própria , onde os profissionais não se conhecem, onde não há continuidade, e onde se assume uma lógica de funcionamento avulso. Consideramos este modelo não só redutor, como perverso --- abominamos o conceito de 'médicos de fim de semana', que desempenham turnos de forma isolada, sem capacidade de integração ou responsabilização", realçam.

Para os médicos, "a ausência de uma equipa estável, com horários e carga horária compatíveis, impossibilita a existência de continuidade de cuidados e de uma verdadeira cultura de equipa".

"A rotatividade excessiva, a dispersão horária e a acumulação de funções em diferentes unidades desvirtuam o conceito de Serviço e comprometem seriamente a segurança dos cuidados prestados", alertam.

Defendem também ser fundamental garantir condições para manter a capacidade formativa do SUG para alunos e médicos internos, e consideram "inadmissível amputar a capacidade" do SUG de acolher e formar jovens médicos que queiram seguir para a nova especialidade de Medicina de Urgência e Emergência.

Manifestam igualmente preocupação com a alteração recente do procedimento de triagem sem a participação da equipa médica do serviço.

Novo Hospital de Sintra provocou "mobilização forçada dos profissionais"

Realçam também que a abertura do novo Hospital de Sintra ocorreu sem o devido reforço de recursos médicos, assistindo-se "à mobilização forçada de profissionais para este novo polo, sem informação prévia, sem negociação e sem garantir a manutenção dos cuidados mínimos no hospital de origem".

A tentativa de acumulação de funções entre unidades distintas coloca em risco, não só a qualidade, como a própria viabilidade dos serviços, avisam.

Alertam ainda para a "inexistência pública" de documentos fundamentais que definam funções, protocolos e normas no novo Hospital de Sintra, considerando que essa falha compromete seriamente a prestação de cuidados de saúde de qualidade.

Ressalvam que a sua preocupação não se extingue nas questões remuneratórias ou nas deslocações forçadas para o Hospital de Sintra, que têm sido ignoradas.

"O que nos move é a busca por desenvolvimento contínuo, por condições seguras de trabalho e, sobretudo, pela melhor assistência à população que servimos, tantas vezes em condições que consideramos que devem ser corrigidas e melhoradas", concluem.