"Acho inaceitável passar um atestado de corrupção aos autarcas de Portugal. Isto é absolutamente criminoso", considerou Manuel Castro Almeida, ministro Adjunto e da Coesão Territorial, em Ovar (distrito de Aveiro), falando no 5.º Encontro Nacional de Autarcas Social-Democratas. Em causa estão as alterações à lei dos solos aprovadas pelo Governo que permitem a construção em solos rústicos, algo que está a ser criticado pelos partidos à esquerda e ecologistas (BE, PCP, Livre e PAN).
Para Castro Almeida, "é inaceitável achar que aumenta o risco de corrupção quando uma deliberação é tomada numa assembleia municipal", agindo "sob proposta da câmara, que por sua vez agiu sob proposta fundamentada de um técnico, ou uma proposta técnica fundamentada, e consideram alguns que isto implica ou permite um aumento de corrupção".
De acordo com o ministro, também antigo presidente da autarquia de São João da Madeira (distrito de Aveiro), em causa estão "os representantes do povo, os eleitos do povo, aqueles que o povo considerou os melhores, aqueles em que o povo mais confia, aqueles a quem o povo deu o voto porque achou que tinham provas dadas".
"Não lancem um anátema sobre os eleitos locais. Isto, evidentemente, faz com que muita gente de bem, que até poderia pensar em trabalhar para a sua terra vá dizer 'eu vou-me submeter a uma eleição e vou ser tratado como se fosse corrupto?'", observou no discurso deste sábado, dia 11. Para Castro Almeida, "isto é um atentado à democracia local" e à "representatividade dos nossos melhores".
No debate na Assembleia da República, na passada terça-feira, Mariana Mortágua considerou que estas alterações introduzidas pelo Governo são um "convite à corrupção" já que “em 15 minutos uma reunião de Câmara tem o poder de criar fortunas milionárias”. "[Esta alterção] dá o contexto e o pretexto para todos os favorecimentos, jeitinhos e favores que já vimos no passado", disse a bloquista. Também Inês Sousa Real já tinha dito ao Expresso que esta flexibilização vinha "potenciar aquilo que possam ser os interesses imobiliários ou projetos como a exploração do lítio ou centrais fotovoltaicas, onde já existem investigações por causa dos riscos de corrupção". Esta é uma das razões para os partidos terem pedido a apreciação parlamentar da lei no Parlamento, de forma a tentar travar a sua implementação.
Além dos partidos, também vários especialistas em ordenamento do território e em conservação da natureza têm pedido que a medida não avance. Mais recentemente, mais de 600 especialistas e antigos responsáveis políticos criticaram, numa carta aberta, a medida do Governo que facilita a construção em solos rústicos, por considerarem que não resolverá a crise de habitação e prejudicará o ambiente. Os partidos já pediram a apreciação parlamentar da alteração à lei para a tentar travar no Parlamento.
Ainda assim, Castro Almeida lembrou a "realidade indesmentível" das "casas muito caras", e defendeu que as alterações do Governo mantêm, ainda assim, "um conjunto enorme de limitações". "Primeiro, o que está dito na lei é que não se pode ir agora construir em terrenos rústicos novos polos urbanos. É só para consolidar polos existentes", garantiu o ministro, preenchendo "aqui e acolá um vazio urbano", mantendo a "coerência urbana".
Castro Almeida diz que a legislação exige também decisões da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal "mediante um parecer técnico obrigatório, ou de técnicos da Câmara, ou de técnicos contratados fora se não houver técnicos competentes dentro da Câmara". "Em terceiro lugar, há um conjunto de restrições onde é impossível construir: em zonas classificadas — rede Natura por exemplo, onde é totalmente impossível construir — em solos de classe A e B da Reserva Agrícola [Nacional, RAN]", vincou, bem como em leitos de cheia ou em zonas inundáveis.
O ministro disse ainda que em certos solos da Reserva Agrícola Nacional "há terrenos que a própria Reserva Agrícola considera como aptidão marginal para agricultura" ou "solos inaptos" para a agricultura, rejeitando tratá-los como "um santuário onde não se pode construir uma casa para gente remediada".
O diploma foi publicado no "Diário da República" em 30 de dezembro, após promulgação pelo Presidente da República, apesar de considerar que a lei constitui "um entorse significativo [sic] em matéria de regime genérico de ordenamento e planeamento do território, a nível nacional e local".