
A vida política está num tal estado que o que é normal é partir do princípio que todo o governante é um fora da lei.
Está claro que muitos dos últimos acontecimentos não abonam nada em favor de uma boa ideia sobre o pessoal político, mas importa saber separar as coisas e ter juízo.
Luis Montenegro esteve afastado da vida política durante anos. Nesse tempo teve todo o direito de se dedicar à advocacia, realizar negócios e fazer consultadoria em vários universos.
Este exercício é normal em pessoas que têm atividade liberal, é prática dos empreendedores que não se limitam a ver passar os comboios.
Para além de uma sociedade de advogados, onde fez contratos com várias autarquias e empresas, criou uma sociedade com a sua esposa e os seus filhos que se dedica, ainda hoje, a várias negócios.
Não é um caso especial, no norte do país as pessoas que se dedicam a promover empreendimentos criam, amiudadas vezes, sociedades de “banda larga” que lhes permitem corresponder a várias solicitações.
Esta práxis pode parecer estranha em Lisboa, onde habitam trabalhadores por conta de outrem, mesmo os gestores de topo são assalariados. Mas o norte sempre foi outra coisa.
Depois de ter sido eleito presidente do Partido Social Democrata, Montenegro deixou de ter participação na sociedade, distribuindo a sua quota pelos filhos, e a sua família limitou os negócios a um universo reduzido e concorrencial.
Nada existia de mal se não fosse o facto de ter havido um membro do seu governo a constituir sociedades dedicadas ao imobiliário já depois de ter iniciado funções.
Há, porém, diferenças muito significativas entre Luis Montenegro e Hernâni Dias. O primeiro desfez-se da sua participação na sociedade, o segundo constituiu duas sociedades; o primeiro praticamente não se dedicou à atividade imobiliária, mesmo que tivesse muito por onde dado o seu património que é conhecido dos portugueses, o segundo tinha o imobiliário no centro do objeto social das empresas.
Tanto para Hernâni Dias como para Luis Montenegro, o que muita gente tem vindo a insinuar é que o grande objetivo seria o aproveitamento das alterações à lei dos solos. Se quanto ao Secretário de Estado não me parece ser impossível tal desiderato, relativamente a Montenegro já me parece mais difícil, até porque se há coisa em que o chefe do Governo é sabido é nos temas que levam ao descrédito da política.
O debate que está a ser feito sobre as alterações à Lei dos Solos é insano. A maior parte dos que falam sobre a matéria nunca governaram um município, não sabem nada de gestão do território e limitam-se a um pecado muito presente nas pseudoelites lisboetas – os autarcas são um bando de corruptos. Rejeito estas considerações, a maior parte dos que lideram os municípios são pessoas probas, competentes e voluntariosas.
Nunca uma lei esteve sob efeito de tanto escrutínio. Nunca, como hoje, há tanta possibilidade de se combaterem as ilegalidades que são cometidas. Nunca, como hoje, se disponibilizaram tantos meios para a investigação dos crimes.
O partido neossalazarista anunciou que iria apresentar uma Moção de Censura se Montenegro não esclarecesse os negócios da empresa de sua mulher e filhos. Estamos mesmo a ver que o que interessa não é o caso em concreto, antes a construção de um biombo para abafar os factos graves que assentaram arraiais naquela agremiação. Espero que o parlamento se una na votação dessa tal moção. Mas unir não é os partidos absterem-se, é mesmo votarem contra e ruidosamente.
Quanto à lei dos solos, que se consiga melhorar o texto seguindo as propostas do PS que, não se afastando do objetivo central, dão mais clareza aos propósitos que se querem atingir.
E se Montenegro for avisado, que saiba tratar este assunto não cedendo à demagogia. Se estivesse no lugar dele, escreveria ao Procurador Geral da República pedindo para investigar a atividade da empresa no sentido de deixar clara a lisura dos procedimentos seguidos.