A França está mergulhada num escândalo. O Estado francês está a ser acusado de encobrir o tratamento de água com técnicas proibidas pela União Europeia. O governo francês quer levar o caso a Bruxelas.

O executivo francês anunciou que quer a Comissão Europeia decida se a diretiva das águas minerais pode ser revista. Isto depois de uma comissão de inquérito o ter acusado de encobrir os crimes da Nestlé Waters.

A empresa, que é responsável pela água das marcas Perrier, Hepar e Contrex, tratou ilicitamente a água mineral que vendia em França. Utilizava técnicas que são proibidas pela União Europeianomeadamente radiação ultravioleta e carvão ativado.

A direção da Nestlé Waters diz que descobriu, em 2021, que até meados de 2020 foram feitos tratamentos de água proibidos pela União Europeia nas suas instalações. Foi, entretanto, aprovado pelas autoridades públicas um plano de transformação das estações de tratamento. As técnicas de radiação ultravioleta e carvão ativado proibidas pela UE foram substituídas por microfiltração fina – que, aponta a AFP, também é controversa porque pode privar a água mineral das suas características, algo que a legislação europeia não autoriza.

Uma “batota” que durou anos

O Senado francês levou a cabo uma comissão de inquérito ao caso, que envolveu mais de 70 audições, feitas ao longo de seis meses. O relatório final, divulgado esta semana, aponta que a água estava a ser tratada ilegalmente e que houve uma “estratégia deliberada” do Estado para esconder o que se passava.

Qualquer filtragem abaixo de um limiar de 0,8 mícrones pode correr o risco de alterar o estado natural da água. E é apontado que a Nestlé Waters fez pressão junto do governo francês para permitir uma microfiltragem a 0,2 mícrones.

As autoridades terão chegado mesmo a modificar um relatório sobre a qualidade da água, a pedido da Nestlé, para retirar a lista de bactérias e herbicidas encontrados.

“Para além da falta de transparência por parte da Nestlé Waters , há também uma falta de transparência por parte do g overno francês, tanto em relação às autoridades locais e europeias como em relação ao povo francês” , é apontado no relatório, citado pela AFP.

A comissão de inquérito alega que também a Presidência da República “sabia, pelo menos desde 2022, que a Nestlé estava a fazer batota há anos”. O ex-secretário-geral do Palácio do Eliseu terá até recebido executivos da Nestlé. Contudo, o presidente Emmanuel Macron negou, em fevereiro, ter tido conhecimento do que se passava.

Os números da fraude

A Nestlé Waters pagou uma coima de 2 milhões de euros para evitar uma ação judicial relativa à utilização de fontes de água e de filtragem ilegais.

O montante total da fraude da empresa foi estimado, pela agência francesa responsável pelo controlo de fraude, em mais de 3 mil milhões de euros (isto porque a água mineral natural é vendida a um preço muito superior ao da água da torneira). A empresa está por isso a ser acusada de ter enganado os consumidores.

A França é um dos líderes mundiais na produção de água mineral natural. Um mercado que, segundo o jornal The Guardian, tem um valor de 2,7 mil milhões de euros e, com mais de 40 mil postos de trabalho envolvidos.