Na passada sexta-feira, os jornais Expresso e Público noticiaram que Daniel Adrião poderá ser expulso do Partido Socialista por se candidatar, como independente, à Junta de Freguesia de São Vicente, em Lisboa, integrando a lista de “Grupo de Cidadãos Independentes”. Esta possibilidade levanta uma questão de fundo que merece reflexão: tem o PS legitimidade política, ética ou moral para sancionar desta forma um dos seus militantes?

O debate que proponho não é meramente jurídico ou estatutário. É antes um apelo à coerência e à justiça interna dentro dos partidos políticos — neste caso, do PS — que se dizem defensores da democracia e da Constituição. É verdade que os estatutos do PS consideram a candidatura de um militante fora das listas oficiais do partido como uma infração grave, passível de expulsão. Contudo, a Lei Eleitoral Autárquica permite expressamente que qualquer cidadão, incluindo militantes partidários, se possa candidatar em listas de independentes. Temos, portanto, uma tensão entre a lógica disciplinar interna de um partido e o quadro legal que regula os direitos políticos dos cidadãos.

A questão torna-se ainda mais grave quando se observa que o Partido Socialista não tem sido coerente na aplicação dos seus próprios estatutos. Basta recordar o caso de Matosinhos, onde dezenas de militantes socialistas, liderados por Guilherme Pinto, concorreram como independentes contra o PS, com duras críticas à liderança partidária.

Durante os mandatos de António Costa como secretário-geral e de Manuel Pizarro na distrital do Porto, estes militantes não foram expulsos. Muitos pediram a suspensão do vínculo ao partido e foram, mais tarde, readmitidos sem sanção. Este histórico de decisões seletivas, conforme as conveniências políticas do momento, retira ao PS qualquer autoridade para, agora, querer aplicar de forma dura uma norma que sempre aplicou de forma desigual.

O princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa deve aplicar-se também dentro das organizações partidárias. Não é aceitável que militantes com comportamentos semelhantes sejam tratados de forma tão distinta. Mais grave ainda é quando o partido atua sem garantir aos visados o direito à defesa, como aconteceu noutros processos disciplinares de expulsão. Tal prática viola claramente o artigo 18.º da Constituição, que assegura os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, aplicáveis a todas as entidades, públicas e privadas — incluindo, naturalmente, os partidos políticos.

Nem o atual líder do PS, José Luís Carneiro, nem o anterior, Pedro Nuno Santos, são responsáveis pelas práticas arbitrárias do passado, mas ambos têm ao seu lado o mesmo presidente do partido, Carlos César, que foi cúmplice dessas incoerências, nomeadamente nas autárquicas de 2009 e 2013. Se quiserem marcar uma rutura com o passado, devem começar por promover uma aplicação justa, coerente e transparente dos estatutos do partido.

O cumprimento da Constituição não pode ser uma exigência apenas dirigida ao exterior. Tem de começar dentro de casa. Não está em causa a existência de regras. Está em causa a sua aplicação desigual. A coerência interna é um dos pilares da credibilidade política. E sem ela, o PS arrisca-se a ser mais uma vez cúmplice de um autoritarismo discreto, exercido em nome da disciplina partidária, mas que, na verdade, serve apenas interesses conjunturais.