Em 2004 e 2007, vários países do antigo Bloco Soviético aderiram à União Europeia. A maioria destes países tinha dado início ao seu processo democrático menos de vinte anos antes. Ao mesmo tempo, a União procurava uma maior coesão política, culminando na assinatura do Tratado de Lisboa em 2007.

A prematuridade do processo de abertura da União ao leste deve ser criticada. Para se ser membro do clube da Europa, tem de se cumprir certos critérios, nomeadamente relativos ao desenvolvimento democrático, critérios estes praticamente impossíveis de cumprir com menos de vinte anos de democracia (em 1986, Portugal e Espanha aderiram à Comunidade Económica Europeia, não à União Europeia, que se tornou muito mais coesa politicamente entretanto).

Estes requisitos são essenciais para manter o equilíbrio dentro da União, o que é por sua vez essencial para consolidar a União coesa que os seus fundadores idealizaram. Por seu lado, os estados de leste procuraram esta adesão como uma via para obter o cartão de membro no clube das democracias ocidentais.

Naturalmente, os cidadãos dos novos estados-membros passaram a estar representados no Parlamento Europeu pelos partidos nacionais. Os partidos de centro-esquerda são atualmente uma parte importante da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) no Parlamento Europeu. A coesão política entre o leste e o ocidente da Europa pouco passa, no entanto, do papel. Se, na Europa Ocidental, os partidos do S&D são claros opositores do populismo de direita, no leste, o quadro é outro.

Entre estes partidos, destacam-se o Partido Social-Democrata «Harmonia» (Letónia), o Partido Social-Democrata da Lituânia, o Partido Socialista Búlgaro, o Partido Social-Democrata (Roménia) e o Direção – Social-Democracia (Eslováquia). Estes partidos em conjunto têm uma representação de 21 eurodeputados (que incluem os cinco eslovacos não-inscritos, suspensos do S&D em 2023).

Vários destes são herdeiros, mais ou menos diretamente, dos partidos que eram a cara do totalitarismo soviético.

Apesar de o Partido Social-Democrata «Harmonia» da Letónia ter sido inicialmente formado por dissidentes da Frente Popular da Letónia (opositores do Partido Comunista da Letónia), está associado desde 1998 com o Partido Socialista da Letónia (novo nome do Partido Comunista), tendo sido eleitos vários deputados deste partido.

Por seu lado, o Partido Comunista Búlgaro alterou o seu nome para Partido Socialista Búlgaro em 1990, quando o país deixou de ser um estado satélite da União Soviética.

Em 2001, o Partido Social-Democrata da Lituânia foi fundido com o Partido Comunista da Lituânia, que tinha sido renomeado em 1990.

No caso eslovaco, o Direção - Social-Democracia foi fundado por dissidentes do Partido Comunista da Eslováquia (que se tinha transformado em Partido da Esquerda Democrática em 1992), no entanto, os dois acabaram por se fundir em 2005.

A maioria destes renovados partidos comunistas procuraram adotar uma linha socialista mais moderada durante a década de 90. Apesar disto, este impulso acabou por ser abandonado e os partidos foram dominados pela classe burocrática. Invocam, através do atual populismo, o conservadorismo e o aparelhismo soviéticos.

Sociais-democratas lituanos aliados com a direita radical

O Partido Social-Democrata da Lituânia (LSDP) foi o mais votado nas parlamentares do ano passado, mas não obteve uma maioria absoluta. Consequentemente chegou a um acordo de governo com dois outros partidos, entre eles o Amanhecer do Nenumas, de direita radical. É importante notar que o líder desta força política foi expulso do partido a que anteriormente pertencia devido a comentários antissemitas. E isto apesar do atual primeiro-ministro, Gintautas Paluckas, ter representado, enquanto líder do LSDP (2017 a 2021), um movimento que procurava aproximar o partido aos equivalentes na Europa ocidental e distanciá-lo do populismo, provocando, inclusive, a saída dos dois anteriores líderes.

Aquando deste acordo, apenas Michael Roth, deputado social-democrata alemão, afirmou que esta decisão era incompatível com os valores do Partido Socialista Europeu (PSE).

Da Lituânia passamos à Letónia. Lá, o Partido Social-Democrata «Harmonia», e o seu antecessor, têm representação no Parlamento Europeu desde 2009 (um dos eurodeputados eleitos nesse ano foi Alfrēds Rubiks, o último líder do Partido Comunista da Letónia, que apoiou o Golpe de Agosto de 1991).

Ao mesmo tempo, até 2017, o partido estava formalmente associado ao Rússia Unida de Vladimir Putin. Foi nesse mesmo ano, que silenciosamente aderiram ao PSE. Naturalmente, o discurso populista não desapareceu de forma instantânea.

Em 2021, um governo que incluía o Partido Socialista Búlgaro (BSP), liberais, conservadores e populistas de direita, deu início ao seu mandato. A decisão de colaborar com estes partidos, tomada por Korneliya Ninova, líder do BSP na altura, foi recebida com fortes críticas por parte do partido. Neste sentido, a líder foi acusada, nomeadamente pelo eurodeputado Petar Vitanov (eleito pelo BSP em 2019), de adotar uma linha política antieuropeísta e nacionalista.

Consequentemente, Vitanov e outros 13 membros do partido foram expulsos em 2023, decisão que lembra claramente os tempos da República Popular. Vitanov foi restituído como membro este ano, apenas depois da demissão de Ninova. A resposta à crítica democrática foi o afastamento total do centro de decisão partidária.

O caso do Partido Social-Democrata (PSD) romeno pouco difere dos seus equivalentes na Europa de leste. Em 2018, o partido procurou tornar o casamento entre pessoas do mesmo sexo inconstitucional, através de um referendo que acabou por não ter valor vinculativo. Em 2023, o atual presidente do partido, Marcel Ciolacu, disse que permitir estes casamentos não era uma prioridade.

O mandato do anterior presidente, Liviu Dragnea, foi verdadeiramente demonstrativo. O líder foi impedido de tomar posse como primeiro-ministro, visto que é um criminoso condenado (foi entretanto condenado por outro crime, preso em 2019, abandonando o PSD, e libertado em 2021). Entre 2017 e 2019 sucederam-se vários protestos, os maiores desde 1989, contra os governos «liderados» pelo presidente do PSD, acusando-os de autoritarismo e clientelismo. Apesar de um número de críticas de Frans Timmermans (candidato do PSE a presidente da Comissão Europeia em 2019 e vice-presidente da mesma na altura) e da sua suspensão ter sido debatida em 2019, nada aconteceu, o partido manteve-se sempre membro do S&D e do PSE, apesar do seu conservadorismo e dos enormes protestos de que foi alvo.

Fico, o visitante de Putin

Os socialistas europeus atuaram apenas face ao caso eslovaco. O partido fundado e liderado por Robert Fico desde 1999 foi suspenso do PSE e do S&D pela primeira vez em 2006, sendo readmitido em 2008. No entanto, voltou a ser suspenso em 2023.

A suspensão foi em ambos os casos devido ao partido de Fico se ter aliado ao Partido Nacional Eslovaco, populista e de direita radical. Para além de se aliar com partidos de caráter duvidoso, o atual primeiro-ministro eslovaco foi também denunciado pelos “Repórteres Sem Fronteiras”, em 2024, por ter procurado reformular a estrutura dos operadores públicos de rádio e televisão da Eslováquia, colocando em causa a sua neutralidade e independência.

O tom nacionalista e islamofóbico do discurso de Fico, que em 2016 comentou que o Islão «não tem lugar» na Eslováquia, certamente também não alinha com os valores do socialismo democrático europeu. Em 2024, depois da suspensão do seu partido do PSE, Fico encontrou-se com Putin em Moscovo (a única visita ao presidente russo para além da de Orbán) e reiterou que voltará à Rússia no Dia da Vitória em 2025.

Se, no Parlamento Europeu, a coesão política entre os partidos que compõem o S&D não está perto de ser uma realidade e demonstra claramente uma divisão entre o ocidente e o leste europeus, pouco mais podemos esperar dos níveis de coesão democrática e de cultura política entre os cidadãos da União Europeia. A adesão destes países foi um processo artificial, o que afastou o Parlamento Europeu do seu destino como centro da democracia continental, permitindo a invasão do iliberalismo. Apesar da nomenclatura, os membros de leste do PSE e do S&D representam também o iliberalismo no núcleo político da Europa, mantendo os velhos hábitos do conservadorismo soviético. Os povos de leste escolheram Bruxelas, mas ainda não se esqueceram de Moscovo.