"Decorrente dos factos, têm estado a ser instaurados processos cabíveis para devida responsabilização", lê-se num comunicado enviado à Lusa pela PGR.

"A publicação do suposto decreto, pelo mesmo cidadão, consubstancia uma flagrante violação (...) da Constituição da República, uma vez que este ato constitui uma prerrogativa reservada aos órgãos competentes do Estado e é publicado em Boletim da República", acrescenta.

Refere igualmente ter tido "conhecimento", aludindo a uma das 30 medidas publicadas por Venâncio Mondlane, "de uma suposta eleição e empossamento de secretários de bairro, chefes de localidades, dos postos administrativos e de administradores distritais em diversos pontos do país, fora das normas legalmente estabelecidas para o efeito".

"O exercício de funções das entidades supracitadas é regido por lei, sendo que qualquer ato contrário não só é ilegal, nulo e de nenhum efeito, como também subverte os princípios do Estado de Direito Democrático e configura ilícito criminal", acrescenta-se.

O ex-candidato presidencial Venâncio Mondlane quer que o povo se constitua em "tribunal autónomo" e emita "sentenças" contra os órgãos de polícia, alegando a "onda macabra" de "execuções sumárias" sem intervenção das autoridades.

A posição surge num documento, divulgado na passada terça-feira, e que intitula de "decreto", publicado no autodesignado "Jornal do Povo", com 30 medidas para os próximos 100 dias, sendo que, numa delas, Venâncio Mondlane, que o assina, afirma que "cabe ao povo, as vítimas, instituir-se como tribunal autónomo que emite sentenças para travar a onda macabra da UIR, GOE e Sernic", referindo-se a unidades da Polícia da República de Moçambique que acusa de "incessante fulgor de execuções sumárias".

"Diante da completa inércia e silêncio das autoridades da Frente de Libertação de Moçambique [Frelimo], aliás, que desrespeitaram o direito do povo de escolher quem governa ao roubarem votos. A que instituição se socorreria o povo senão a este mesmo povo na forma autoproteção", lê-se no documento, em que Mondlane cita o "direito à reação equitativa para defesa" e apela aos elementos que integram estas forças policiais "a revelarem os autores das execuções sumárias" para que "o tribunal do povo emita as suas sentenças".

Embora o documento não o diga desta forma, numa intervenção a partir da sua conta oficial na rede social Facebook no dia 17 de janeiro, Venâncio Mondlane apelou à aplicação da chamada "Lei de Talião", da bíblia.

"Cada elemento da população assassinado por um elemento da UIR [Unidade de Intervenção Rápida] automaticamente paga-se pela mesma moeda, esse elemento da UIR também é varrido da existência, vai para o inferno (...) Chamem-me agitador, chamem-me o que quiserem, o povo está sendo morto, está sendo sequestrado, é assim que vai ser", disse.

A PGR refere que "devido ao conteúdo veiculado no referido jornal", realizou "uma consulta prévia ao Gabinete de Informação (Gabinfo), órgão de coordenação e supervisão da comunicação social em Moçambique, sobre a legalidade do mesmo, tendo-se constatado que o intitulado 'Jornal do Povo' não se mostra registado", pelo que "a sua existência e circulação configura 'imprensa clandestina'".

"Nestes termos, a PGR exorta aos cidadãos em geral a contribuírem para a estabilidade política e social e manutenção da paz, devendo para tal absterem-se da prática de atos que podem degenerar em desordem e/ou violência", concluiu.

No documento divulgado na semana passada, em que apresenta outras "medidas governativas" para os próximos 100 dias a partir do que descreve como "Gabinete do Presidente Eleito", Mondlane, que não reconhece os resultados proclamados das eleições gerais de 09 de outubro, que deram a vitória a Daniel Chapo -- já empossado como quinto Presidente de Moçambique em 15 de janeiro -, exige a "cessação imediata da violência" da UIR "para com a população e o genocídio silencioso levado a cabo" pelas forças policiais.

De acordo com organizações no terreno, como a plataforma eleitoral Decide, em três meses de manifestações pós-eleitorais, desde 21 de outubro, já morreram pelo menos 315 pessoas e cerca de 750 foram baleadas, havendo registo de mais de 4.100 detidos.

"Libertação incondicional de todos os detidos no âmbito das manifestações" ou a "compensação aos familiares" das vítimas mortais das manifestações com uma indemnização de 200 mil meticais (3.000 euros) são outras das medidas apontadas por Mondlane.

A "extensão do não pagamento de todas as portagens", o acesso "gratuito" à água, redução em 50% do preço do gás doméstico e da energia elétrica e a fixação do preço de 300 meticais (4,50 euros) pelo saco de 50 quilogramas de cimento -- alegando que o mesmo produto é vendido mais caro em Moçambique do que nos países vizinhos -- integram a lista.

PVJ // VM

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