A sala da embaixada destinada à entrevista com a vice-ministra dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Maryana Betsa, está decorada com quadros do designer gráfico Mykola Kovalenko, que publica todos os dias, desde o início da guerra em grande escala, um trabalho alusivo à luta dos ucranianos. Um deles têm um sol brilhante e amarelo que parece estar a desaparecer atrás de uma linha azul, o mar, e os raios que ainda restam foram desenhados como mísseis apontados ao mar. Por baixo lê-se “A Rússia é um Estado terrorista”.

Outro mostra drones, apenas as suas silhuetas negras, a voar em formação, como um bando de pássaros. Os espaços em branco que aparecem no meio dos drones têm a forma de casas, mas não se nota imediatamente, tiveram de nos explicar. Um terceiro é uma representação simples da bandeira ucraniana, uma faixa azul e outra amarela, mas na extremidade direita as cores estão esborratadas, desalinhadas. Essa porção da bandeira representa 20% do território ocupado, a leste.

Maryana Betsa é vice-ministra dos Negócios Estrangeiros há cerca de um mês. É formada em Direito com doutoramento em Direito Internacional e tirou uma licenciatura em Tradução, vertente Inglês. Em 2001 deu início à carreira diplomática, e desde então ocupou cargos junto das representações diplomáticas da Ucrânia na UE. Em 2018 foi designada embaixadora na Estónia e antes ocupara o cargo de porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros (2015-2018).

Em Portugal para uma conferência da ONU sobre a preservação de locais de culto, e para conhecer a diáspora tradicional e a mais recente, a vice-ministra traz consigo um objetivo principal: o de reforçar o apoio dos europeus à Ucrânia na guerra contra a Rússia.

A vice-ministra foi sempre assertiva na sua total oposição a qual discussão que envolva a cedência de território
A vice-ministra foi sempre assertiva na sua total oposição a qual discussão que envolva a cedência de território TIAGO MIRANDA

Tem tido encontros com representantes da UE, da ONU, vai encontrar-se em Lisboa com outros ministros e vice-ministros dos Negócios Estrangeiros e toda esta atividade acontece numa altura particularmente difícil para a Ucrânia. Já se fala de cedência de territórios para chegar à paz. Parte do seu trabalho tem sido propor argumentos que contrariem a ideia de que a entrega de territórios poderia ser solução?
Bem, antes de mais, ninguém fala em ceder territórios. A Ucrânia tem duas linhas vermelhas: nada se decide sobre a Ucrânia sem a Ucrânia e a preservação da integridade territorial dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas. E quando digo fronteiras reconhecidas internacionalmente, essa é mesmo uma linha vermelha para a Ucrânia. Os princípios da integridade territorial devem estar no centro da solução. Devemos reger-nos pelo direito internacional, pelas normas internacionais e pela Carta das Nações Unidas. Definitivamente, estamos a reunir-nos numa altura muito crítica em que a Rússia prossegue os seus ataques por um terceiro ano, mas já vamos entrar no 11º ano [referência à tomada da Crimeia e de parte do Donbas, em 2014]. Estamos perante uma guerra genocida contra a Ucrânia, o que se comprova por a Rússia bombardear diariamente as nossas crianças, os nossos civis. O seu objetivo não mudou, de todo: querem destruir a Ucrânia como país independente, como país europeu, eliminar a nação ucraniana, apagar a identidade ucraniana.

Tem dito que se trata de valores europeus, não apenas ucranianos. Como fazer os outros países continuar a ajudar a Ucrânia, como impedir a fadiga da guerra?
Está é uma guerra que não foi provocada. É injustificada e por isso não diz respeito apenas à Ucrânia. Trata-se da defesa dos valores da liberdade, de independência, e trata-se de defender as normas fundamentais da Carta das Nações Unidas. De uma já falámos: a integridade territorial dos países e a inviolabilidade das fronteiras, bem como a necessidade de os países se absterem do uso da força. A Rússia violou de forma flagrante e grosseira todos os princípios do direito internacional, todas as normas da Carta das Nações Unidas, e continua a ter assento no Conselho de Segurança da ONU, na OSCE [Organização para a Segurança e Cooperação na Europa]. Todo o sistema internacional precisa de uma resposta mais firme a todas estas ações russas.

Que tipo de resposta?
Em primeiro lugar, precisamos de mais armas. A Ucrânia precisa de mais defesa aérea, mais munições, mais mísseis. Temos o direito de nos defendermos nos termos da Carta das Nações Unidas, artigo 51º, a autodefesa. Daí advém o direito de atacar as bases militares a partir das quais são lançados ataques contra nós. A Ucrânia está a defender-se e deve ser capaz de se defender. Em segundo lugar, a adesão à NATO. É o ponto número um do plano de vitória e da fórmula de paz do Presidente Volodymyr Zelensky. É claro que a NATO é a melhor garantia de segurança para a Ucrânia. Se já tivéssemos sido aceites como membros, esta guerra não teria acontecido. Precisamos de um convite para a NATO este ano. Não estamos a falar de adesão plena, isso acontecerá depois da guerra. Mas o convite, que é importante para a Ucrânia do ponto de vista político e militar, é também um impulso moral para os nossos combatentes que estão a fazer um trabalho notável na frente de batalha.

“Nada disto é fácil. Estamos a pagar com as vidas dos nossos melhores cidadãos. Gerações inteiras podem perder-se na frente de batalha, ou no estrangeiro, para onde fugiram da guerra”

A terceira questão é, naturalmente, o aumento da pressão sancionatória sobre a Rússia. As sanções são sempre demasiado pequenas, demasiado tardias e, por vezes, não são suficientes. Por exemplo, deveria haver proibição e medidas restritivas sobre a Frota Sombra da Rússia [embarcações sem donos conhecidos, registadas em países sem requisitos de transparência ou pertencentes a companhias de fachada que servem para transportar mercadoria russa e evitar sanções], sobre o transporte de petróleo, porque é assim que a sua maquinaria de guerra é financiada. Deveria também haver mais sanções contra os bancos russos, os diamantes, a energia nuclear e muitos outros domínios. Estamos gratos a todos e a cada um dos países pela ajuda, que não tem precedentes. Mas, uma vez que a agressão ainda não cessou, deveríamos fazer mais esforços em conjunto. E falta criar um Tribunal Especial para julgar o crime de agressão.

O que fará relativamente à guerra na Ucrânia, que só o cumprimento da sua promessa de acabar com ela em 24 horas a impedirá de ir para lá dos três anos? Thomas Lippman, escritor, jornalista e académico do Middle East Institute, em Washington, responde com uma pergunta: “Quem sabe o que esperar? Sabemos o que Trump disse, mas não necessariamente o que vai fazer”
O que fará relativamente à guerra na Ucrânia, que só o cumprimento da sua promessa de acabar com ela em 24 horas a impedirá de ir para lá dos três anos? Thomas Lippman, escritor, jornalista e académico do Middle East Institute, em Washington, responde com uma pergunta: “Quem sabe o que esperar? Sabemos o que Trump disse, mas não necessariamente o que vai fazer” Roman Chop/Global Images Ukraine via Getty Images

Estamos a correr os pontos do plano de paz do Presidente Zelensky…
É óbvio que a responsabilização da Rússia é fundamental, porque sem a responsabilização não haverá paz abrangente e duradoura para a Ucrânia. A agressão não deve ser compensada. E como o principal crime que a Rússia está a cometer é a agressão e não existe um tribunal internacional que trate deste assunto, é necessário criar uma instância especial. São as nossas linhas vermelhas. Nada sobre a Ucrânia sem a Ucrânia, de certeza [tradução de uma frase em inglês que é quase um ditado entre os representantes do país: “Nothing about Ukraine without Ukraine”].

O problema no que descreve é estar muito distante da realidade. Essa visão é de um mundo ideal, onde todos os agressores são punidos, onde o peso moral das sanções se sobrepõe aos acordos económicos preexistentes entre nações.
Sabe? Não concordo. Nos primeiros dias da guerra ninguém acreditava que a Ucrânia fosse permanecer tanto tempo nesta luta. Todos diziam que íamos durar três dias ou uma semana ou algo do género. Provámos que o impossível é possível. Sei que posso parecer idealista, mas a Ucrânia tem provado que consegue o impossível. E com a Rússia estamos continuamente a prová-lo, há séculos, porque há séculos que Rússia quer conquistar a Ucrânia. Nada disto é fácil. Estamos a pagar com as vidas dos nossos melhores cidadãos. Gerações inteiras podem perder-se na frente de batalha, ou no estrangeiro, para onde fugiram da guerra. Temos cerca de sete milhões de cidadãos a viver fora do país, mas, sem responsabilizarmos a Rússia, abriremos uma caixa de Pandora para outras ditaduras. E também não seria justo para todos os que já morreram.

Maais uma vez, a realidade poderá revelar-se diferente. Quando menciono a cedência de territórios, não é um rumor, tem estado em artigos de jornais; oficiais da NATO e da UE, conselheiros, ex-secretários-gerais adjuntos têm falado dessa possibilidade. Se, por algum motivo, incluindo Trump, a NATO e/ou a UE deixarem de oferecer garantias à Ucrânia a menos que a Ucrânia ceda num acordo territorial, em que ficamos?
Não se está a discutir a concessão de territórios. É mesmo uma linha vermelha. Não há discussão nenhuma. A Crimeia é parte integrante da Ucrânia e lutaremos por ela. Só temos um país pelo qual lutar, sabe, é o nosso país, a nossa casa.

Portanto, não estão preparados para discutir de todo esse caminho?
Não, não é para discutir, de todo. Nunca ouvi falar de conversações oficiais sobre forçar a Ucrânia à paz. De facto, precisamos de fazer o contrário. Devemos obrigar a Rússia a parar com a agressão, a respeitar o direito internacional. E esta deve ser a tarefa da comunidade internacional. Não devemos jogar com as regras da Rússia. Eles é que devem jogar com as regras da comunidade internacional.

Correto, só que não é o caso.
Temos de os obrigar. Se os sancionarmos mais, se forem responsabilizados pelos seus crimes no Tribunal Penal Internacional, se tiverem de pagar pelos crimes no Tribunal Internacional de Justiça ou se congelarmos os bens russos, se os confiscarmos e os entregarmos à Ucrânia, estaremos a fazer algo mais nesse sentido.

Mesmo que 100% dos aliados atuais da Ucrânia concordem com o que propõe, a Rússia simplesmente não parece disposta a parar. Na Europa crescem movimentos de extrema-direita que já não têm problema em mostrar o seu lado pró-russo. Não sente que existe uma fadiga da guerra que pode estar a levar a uma espécie de rejeição da guerra através do voto nestes movimentos?
Não tenho sentido isso. Acho os ucranianos não sentem isso, porque sabemos que os europeus compreendem que a vitória da Ucrânia é a vitória da Europa e de todo o mundo democrático. E para muitos países, incluindo Portugal, é muito claro que se a Rússia for mais longe, as consequências não serão só para a segurança europeia, mas para todo o mundo, porque estamos a falar de uma erosão total do direito internacional, da arquitetura de segurança, da eficiência de todas as organizações internacionais. E é por isso que a Rússia deve ser isolada de todos os fóruns internacionais. Deveria haver um mecanismo para excluir países agressores de diferentes fóruns internacionais, como fazemos com os desportos ou outros domínios em que a sua participação é proibida ou vedada. Devemos procurar outros mecanismos para que a Rússia se sinta muito mais isolada do ponto de vista financeiro, económico, político e militar. Agora, com a intrusão de tropas norte-coreanas, é a internacionalização total do conflito. A Ucrânia está a lutar contra dois Estados agressivos. E a resposta deveria ser muito, muito mais dura.

“O que devemos fazer? Ficar parados? O nosso princípio é muito claro. A Ucrânia luta pelo seu próprio país, pela sua liberdade, pela liberdade europeia e pela segurança europeia. E esta é a única forma. Nós temos o direito de nos defendermos, segundo a lei internacional.”

Recentemente foi confirmada a utilização de um míssil balístico particularmente destrutivo, que a Rússia lançou perto da cidade de Dnipro. Segundo Putin, foi uma resposta aos ataques ucranianos com ATACMS americanos, mísseis de longo alcance que Biden permitiu que fossem usados para atingir alvos militares russos. Vale a pena continuar a atacar os russos se a resposta de Moscovo se revelar tão violenta como a que já vimos e, como diz, destinada a atingir civis?
Não estamos a atacar, mas a defender. As palavras devem ser claras.

Não teme a resposta?
Não podemos ter isso em consideração, porque, primeiro, não estamos a atacar civis, não estamos a invadir um país. O que devemos fazer? Ficar parados? O nosso princípio é muito claro. A Ucrânia luta pelo seu próprio país, pela sua liberdade, pela liberdade europeia e pela segurança europeia. E esta é a única forma. Temos o direito de nos defendermos, segundo a lei internacional. Devemos exercê-lo. Não devemos permitir que a Rússia cometa genocídio à escala industrial todos os dias contra o povo ucraniano. Caso não lutemos pelos valores sobre os quais a democracia, a UE, a NATO foram construídas, a agressão compensa. Compreendemos perfeitamente quais podem vir a ser as repercussões, mas vale a pena travar esta luta, porque é uma luta pelo nosso país. Não queremos ser escravos. Não queremos viver num país que está sob ocupação. Sabemos o que é viver sob ocupação.

Quando fala com diplomatas europeus, sobretudo deste lado mais ocidental, sente que compreendem a sua urgência ou, para países como Portugal, muito distantes da Rússia, há dificuldade em antecipar um futuro de ameaça russa aos nossos próprios territórios? Se a ameaça não for sentida como real, é mais difícil levar um povo, em eleições por exemplo, a votar num partido que queira investir mais na Defesa, ou em mais na ajuda à Ucrânia…
Os países que fazem fronteira com a Rússia sabem muito bem o que é a ameaça russa. Já fui embaixadora da Ucrânia na Estónia e posso dizer que os países bálticos compreendem muito bem a ameaça existencial que a Rússia representa.

Mas torna-se mais difícil de explicar à medida que avançamos para aqui?
Não diria tanto na Europa, embora, claro, possa haver cenários diferentes, mas diria que em regiões diferentes, no Sul Global, sim, porque, geograficamente, estamos muito mais longe. Temos dado prioridade às nossas relações com esse conjunto de países porque, durante muitas décadas, prestámos mais atenção à integração euro-atlântica.

Busca por sobreviventes após um bombardeamento russo a um edifício residencial em Zaporíjia
Busca por sobreviventes após um bombardeamento russo a um edifício residencial em Zaporíjia NurPhoto / Getty Images

E como é que a Ucrânia pode promover o seu lado desta história nesses países?
Em primeiro lugar, através da diplomacia pública e cultural. Temos uma enorme diáspora no Brasil e noutros países da América Latina, bastante ativa. Mas claro, para chegar aos governos, precisamos de chegar às pessoas. Devemos bater-lhes à porta. É esta área da diplomacia pública e cultural que estamos a desenvolver. Trouxemos recentemente jornalistas latino-americanos e africanos à Ucrânia, em 2022, 2023 e 2024. Estas visitas são úteis para reformular a forma como as pessoas pensam nessas regiões, porque estão longe e têm mentalidades um pouco diferentes.

E têm laços mais antigos com a Rússia, desde antes desta guerra, até antes de 2014. E há sempre o factor económico e o factor propaganda.
A propaganda russa sempre foi muito poderosa e continua a sê-lo, mas, mesmo antes de 2014, a Rússia já exportava corrupção e intrometeu-se em eleições em vários países. A Rússia recorreu à guerra híbrida, à desinformação, às ameaças cibernéticas, e isso resultou em diferentes ingerências em todo o mundo. Os russos não começaram na Ucrânia. Lembrem-se da Moldávia, da Geórgia. Não vão parar. A abordagem neo-imperialista e chauvinista em relação aos países pós-soviéticos está para durar. Este regime russo não permite que um país democrático, europeu, viva ao seu lado, porque a liberdade é infecciosa.

Mas há alguns russos que lutam por isso, ou têm lutado.
Está a falar de...

De russos que lutam de dentro da Rússia, e têm sofrido.
Muito poucos. Não tenho visto grandes manifestações. Perderam tanta gente, tantos maridos, filhos e não vejo marchas de mães, marchas de esposas a protestar contra o facto de, a nível nacional, terem perdido muitas pessoas…

É difícil protestar quando se sabe o que acontece.
É possível que, por se tratar de um país grande, as pessoas sejam silenciadas, tenham medo, sejam intimidadas, mas muitos apoiam totalmente a política russa, e vão para a guerra porque estão a ser pagos para isso. É uma escolha deles. Escolhem se lutam contra o mal, contra a agressão, ou se ficam em silêncio e é por isso que o apoiam.

Isso é toda uma outra entrevista, sobre o peso da propaganda, sobre anos e anos de ditaduras que descuraram totalmente o povo, sobre pobreza, sobre acesso à educação…
Têm medo. Habituaram-se a isto. É a política chauvinista e expansionista que a Rússia adotou, além da propaganda e de muitas outras questões que são utilizadas pelo regime contra o seu próprio povo. Muitas pessoas na Rússia não sabem o que é viver numa sociedade livre, porque foram sempre silenciadas.

O anterior ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Dmitry Kuleba, disse que a Rússia devia ser convidada para a próxima cimeira da paz, no seguimento da que se realizou na Suíça. Concorda?
Sim, estamos a estudar essa possibilidade, se a Rússia mostrar vontade. Preparámos nove conferências temáticas sobre cada um dos pontos do documento…

Fala dos pontos da fórmula da paz, o regressos dos cidadãos deportados, reconstrução, segurança nuclear, etc?
Sim, a última foi agora no Canadá, sobre o regresso de crianças deportadas, prisioneiros de guerra e reféns. Com o que saiu destas cimeiras, preparámos as linhas mestras de uma nova cimeira, documento que está agora quase finalizado

Não põem de lado a participação da Rússia?
Não, não os excluímos nesta fase.

Mas há condições para que possam participar? Terão de aceitar, previamente, os pontos para a paz de Zelensky? Ou seja, não podem ir se não abdicarem publicamente das suas pretensões territoriais, por exemplo?
Sim, têm de aceitar os pressupostos, porque esses pontos são a continuação de todos os nossos esforços de paz.

Donald Trump ter dito que queria acabar com a guerra em 24h provavelmente não augura nada de bom para quem quer fazer conferências e discutir os assuntos em múltiplos encontros temáticos. Não teme que o Presidente eleito possa entregar tudo à Rússia sem pensar muito no assunto?
Estamos muito gratos aos Estados Unidos por todo o seu apoio, ao Presidente Biden e ao Presidente eleito Trump, com quem também colaborámos durante o seu primeiro mandato. Estamos gratos pelo apoio bipartidário, tanto dos democratas como dos republicanos, e estou mais do que confiante de que é do interesse não só da Ucrânia, mas também dos Estados Unidos e de toda a comunidade transatlântica, que o vencedor da guerra seja a Ucrânia.

Então não teme uma mudança radical em Washington?
Estou mais do que certa de que o rumo não vai mudar.

Tenho uma pergunta sobre uma notícia recente. Os serviços secretos ucranianos disseram este fim de semana que a Rússia tem um plano para dividir a Ucrânia em três partes, e uma delas, a oeste, seria depois dividida noutras três, uma para a Polónia, outra para a Hungria e outra para a Roménia…
Não comentamos esses rumores.

Foram os vossos serviços secretos que alertaram, está na Interfax.
Sim, vi nas notícias, mas não comento. Há muitos rumores na imprensa.

Um candidato pró-russo de extrema-direita parece bem posicionado para vencer a segunda volta das presidenciais na Roménia, a 8 de dezembro. Receia o surgimento de uma espécie de onda pró-russa que comece a ser mais sonora no Parlamento Europeu, nos media, a conquistar mesmo presidências ou governos da UE?
O mundo inteiro deveria estar muito mais vigilante e ser muito mais robusto na reação aos acontecimentos. Não estou a comentar nenhum processo eleitoral em particular de nenhum país, apenas a dizer que é uma tradição russa de longa data interferir em eleições e exportar a sua ideologia para outros países. Já falámos de desinformação e propaganda russa. Devemos combater ambas a um nível mais sustentável e sistemático.

Por fim, quero perguntar-lhe sobre o projeto de cidadania global para a diáspora ucraniana.
Já temos a nossa diáspora clássica, uma espécie de diáspora antiga, muito ativa aqui em Portugal, por exemplo. Mas agora há novas vagas de imigrantes forçados. Temos sete milhões de ucranianos no estrangeiro e não podemos perdê-los. É a nossa prioridade estratégica manter os laços com eles e, a longo prazo, fazê-los regressar.

Já prepararam um pacote de medidas de apoio? Em que consiste?
Vamos preparar, claro. Primeiro estamos a aplicar uma nova política para os ucranianos que vivem em várias partes do mundo, e que se sustenta em três vetores: a primeira é o reforço da sua identidade, o apoio à criação de escolas ucranianas no estrangeiro, não necessariamente escolas dominicais e de sábado, mas também secundárias. Por exemplo, abrimos recentemente uma escola ucraniano-húngara, uma escola secundária na Hungria, em Budapeste, para crianças ucranianas. É muito bom, porque estão a aprender 70% em ucraniano e 30% em húngaro, por exemplo.

Manifestação pela Ucrânia na praça dos Restauradores, em Lisboa
Manifestação pela Ucrânia na praça dos Restauradores, em Lisboa MANUEL DE ALMEIDA

Não teme que essas crianças acabem por não se assimilar tão bem na sociedade onde vivem e na qual, talvez, até possam vir a querer fazer vida?
A assimilação é um risco, porque sabemos que se as pessoas, principalmente os mais novos, não estiverem no espaço intelectual e mental ucraniano, serão assimilados em muitos países. Enquanto Estado, temos de garantir que isso não aconteça, ou não aconteça tão rapidamente, e que os nossos cidadãos mantenham laços com a Ucrânia. A segunda é o reforço das organizações da diáspora, porque os nossos cidadãos são os nossos melhores embaixadores e promovem a causa da Ucrânia e fomentam a ajuda nos próprios países onde estão. E a terceira é criar condições para que estas pessoas participem na recuperação e reconstrução da Ucrânia.

Mas há que cumprir condições para esse regresso.
É claro que isso tem que ver, antes de mais, com a segurança, é condição prévia essencial, porque não falamos só do regresso após a vitória, mas de regresso agora, para os que o desejem, e para isso é preciso termos mais defesa aérea, mais desminagem. Se as nossas cidades, todas, não apenas algumas, forem cobertas por defesas antiaéreas e se o nosso território for desminado, pelo menos parcialmente, será muito mais fácil as pessoas regressarem às suas casas. Depois, claro, o acesso ao emprego, acesso à habitação, acesso à educação. Não podemos perder tantas pessoas.

O medo de uma mãe com filhos será, porventura, maior do que o desejo de voltar, apesar de ser conhecido e estar documentado o desejo dos ucranianos, e da maioria dos refugiados de guerra em todo o mundo, de voltar aos seus países.
Todos acreditamos na vitória mas, claro, as pessoas têm medo. É natural ter medo e nós, como diplomatas, também temos. Mas é por isso que não deve haver ambiguidade: o objetivo de todos nós deve ser a vitória da Ucrânia e a derrota da Rússia. Só isso conduzirá a uma paz justa e abrangente. Caso contrário, não será uma paz justa.

Caso o caminho para NATO não vos seja oferecido já, como vê as futuras garantias de segurança para a Ucrânia? Sem NATO, qual é o melhor plano B?
Em primeiro lugar, temos acordos de segurança com, penso eu, 27 países até à data.

Não são legalmente vinculativos.
Sim, mas não deixam de ser importantes. Cada país é um pilar da nossa defesa, e é possível convocar reuniões de emergência em caso de escalada, por exemplo. Estes acordos são extremamente importantes. Claro, a melhor garantia, e nosso plano A, e o melhor plano, é a adesão à NATO. Depois da vitória, estamos todos a pensar na adesão plena, porque isso evitará novas agressões.