A CDU quer fazer com que a Câmara de Loures volte atrás nas mudanças ao regulamento de habitação do município. Os deputados comunistas da Assembleia Municipal de Loures acusam o PS de estar “refém do Chega” e alegam que pôr a autarquia a determinar penas é uma violação grosseira da lei.
Numa recomendação a que a SIC Notícias teve acesso, e que será apresentada, esta quinta-feira, na Assembleia Municipal de Loures, os deputados municipais da CDU apelam a que a autarquia não submeta a proposta de alteração ao regulamento aprovada no órgão executivo - uma ideia do Chega, viabilizada pelo PS e pelo PSD, para permitir que sejam despejadas das habitações municipais pessoas que tenham sido condenadas por crimes.
A CDU alega que a determinação de penas por crimes “é competência exclusiva dos tribunais” e que, por isso, fixá-la no regulamento administrativo municipal “viola grosseiramente a lei e a Constituição”.
Os comunistas recordam que, de acordo com a Constituição da República Portuguesa, “a responsabilidade penal é insusceptível de transmissão” - portanto, deve ser mantida no poder judicial - e que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis” - neste caso, o direito à habitação.
“Senda de perseguição aos bairros sociais”
Em declarações à SIC Notícias, Fátima Amaral, deputada municipal da CDU, acusa a Câmara de Loures de pretender “criminalizar ainda mais” as pessoas e fala numa “senda de perseguição aos bairros sociais”.
Para a deputada da CDU, o PS mostra estar “refém do Chega” e tem levado a cabo, na autarquia de Loures, “objetivos politicamente condenáveis”.
Apontando que a posição agora assumida por Ricardo Leão não é um caso isolado - recorda, por exemplo, que o autarca defendeu que as crianças deixassem de poder comer refeições nas escolas do município, se os pais não as pagassem -, Fátima Amaral diz que é já prática do executivo municipal procurar “pisar os fracos”.
“Esta câmara PS só tem como política social reprimir os habitantes”, condena.
PS “entalado” após declarações de dirigentes
A CDU admite que não fez quaisquer acordos prévios com outras forças políticas, tendo em vista a aprovação da proposta na assembleia municipal, mas acredita que a recomendação pode passar - basta, para isso, que o PS se abstenha.
E depois das tomadas de posição públicas de condenação, por parte de vários dirigentes do PS, em relação a este caso - que incluíram, ao mais alto nível, o ex-secretário geral e antigo primeiro-ministro António Costa -, a CDU diz “não ver como pode o PS em Loures fazer outra coisa” a não ser viabilizar a proposta dos comunistas e recuar nas mudanças ao regulamento da habitação.
Se é certo que a câmara municipal não tem de acatar a recomendação da assembleia, Fátima Amaral defende que, de qualquer modo, fica “entalada politicamente” - até porque, se as alterações aos regulamentos forem submetidas, o documento terá ainda de ir à Assembleia Municipal para ser aprovado.
Questionada sobre se a CDU tenciona tomar ação junto da Justiça, caso a câmara mantenha os regulamentos alegadamente ilegais, a deputada municipal não avança para já com essa hipótese, mas também não a exclui. “Veremos”, afirmou.
Polémica saltou do plano local para o nacional
Loures aprovou, na última semana, uma proposta do Chega para permitir que sejam despejadas das habitações municipais pessoas que tenham sido condenadas por crimes - com a intenção de penalizar quem participou nos tumultos que atingiram a Grande Lisboa, após a morte de um homem baleado pela polícia, no bairro da Cova da Moura.
A proposta foi viabilizada graças aos votos a favor do PSD e do PS, com o autarca de Loures, Ricardo Leão - que era também, até esta quarta-feira, líder da Federação da Área Urbana de Lisboa (FAUL) do PS - , a defender que quem cometeu crimes deve ser despejado “sem dó nem piedade”.
A posição do presidente da Câmara de Loures gerou contestação interna no PS, com vários nomes destacados do partido a censurarem a medida. Ricardo Leão foi, apesar de tudo, defendido pelo líder do partido, Pedro Nuno Santos, que classificou a situação como apenas um “momento menos bom” do autarca de Loures.
A defesa feita por Pedro Nuno Santos levou a uma reação sem precedentes do antigo líder do partido (e ex-primeiro-ministro) António Costa, que, num artigo de opinião publicado no jornal Público, afirmou que as declarações do autarca de Loures "ofendem gravemente os valores do partido" e que "não há calculismo taticista que o possa desvalorizar".
Horas depois da publicação do artigo assinado por Costa, era tornada pública a demissão de Ricardo Leão da presidência da Federação de Lisboa do PS.