A recente decisão do Governo de adiar o pagamento da primeira prestação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) de 31 de maio para 30 de junho, justificada com o apagão elétrico que afetou a Península Ibérica, revela uma preocupante deriva: a tomada de decisões unilaterais que comprometem gravemente a gestão financeira das autarquias locais. Esta ordem prejudica, em última análise, os próprios cidadãos que se pretendeu agradar.

O timing desta medida não é inocente. Em véspera de eleições, o Governo optou por uma decisão aparentemente benévola para os contribuintes, mas que transfere o ónus financeiro para as câmaras municipais, ignorando completamente o impacto devastador que tal adiamento provocará na tesouraria municipal e, consequentemente, na capacidade de resposta dos municípios às necessidades das populações.

O IMI representa uma das principais fontes de receita das autarquias, sendo fundamental para assegurar a liquidez nos meses de maio e junho, sobretudo nos municípios de menor dimensão e naqueles que estão intervencionados pelo Fundo de Apoio Municipal. Este imposto financia diretamente os serviços prestados aos cidadãos: desde a recolha de resíduos urbanos à manutenção de espaços públicos, passando pelos apoios sociais e pelos investimentos em infraestruturas.

Ao adiar unilateralmente a cobrança deste imposto, o Governo compromete seriamente a capacidade das câmaras municipais cumprirem as suas obrigações mais elementares. As consequências são dramáticas e imediatas: dificuldades no pagamento atempado dos subsídios de férias aos trabalhadores das autarquias, atrasos nos vencimentos mensais, incumprimento com fornecedores e prestadores de serviços, dificuldades no serviço da dívida e nos reembolsos de empréstimos bancários.

Esta quebra abrupta de tesouraria pode conduzir os municípios a situações de incumprimento que comprometem a sua credibilidade financeira. Refira-se também que podem resultar em encargos adicionais por atrasos e penalizações contratuais.

O que mais preocupa é a total ausência de mecanismos compensatórios. O Governo toma uma decisão que afeta diretamente os orçamentos e a gestão de tesouraria de outrem – as câmaras municipais – sem prever qualquer medida para mitigar o impacto financeiro desta prorrogação.

Não houve antecipação de transferências do Orçamento do Estado, nem criação de linhas de apoio transitórias para assegurar a liquidez municipal. Esta é uma forma irresponsável de fazer política fiscal: seduzir os eleitores à custa da estabilidade financeira dos municípios.

O populismo fiscal de curto prazo acaba sempre por se voltar contra os cidadãos. Quando as câmaras municipais não conseguem pagar aos seus trabalhadores, quando os serviços públicos locais ficam comprometidos, quando os investimentos têm de ser adiados por falta de liquidez, quem sofre são precisamente os mesmos contribuintes que se quis agradar com o adiamento do IMI.

O poder local precisa de autonomia financeira e de previsibilidade para poder servir eficazmente as populações. Decisões como esta, tomadas de forma unilateral e sem consideração pelos impactos na gestão municipal, comprometem essa capacidade e põem em causa o regular funcionamento dos serviços públicos locais.

É urgente que o Governo assuma as suas responsabilidades e implemente medidas compensatórias imediatas. Mas, acima de tudo, é fundamental que se estabeleça um princípio: decisões que afetem as finanças municipais devem ser tomadas em articulação com as autarquias, respeitando a sua autonomia e garantindo que os cidadãos não sejam, no final, prejudicados por medidas aparentemente favoráveis.