Uma entre muitas razões para o desespero hoje em dia, na era dos genocídios transmitidos em direto e da redistribuição acelerada da riqueza a favor dos bilionários, é o facto de o fim de uma ordem mundial vir na sequência de uma sensação fin-de-siècle devido a alterações climáticas catastróficas.

Em 2025, o desmoronamento da arquitetura política internacional marcado pela erosão das instituições multilaterais, pelo recuo das normas de cooperação e pela ascensão de soberanias populistas coincidiu com outro desmoronamento mais material: o da base ecológica da vida. Estas duas tendências não são paralelas; reforçam-se mutuamente. O colapso das estruturas políticas globais desencadeou uma corrida ao armamento pela segurança, poder e vantagem tecnológica que está a aprofundar ativamente a crise climática e a acelerar a perda do mundo no seu sentido mais literal.

Vale a pena recordar que o conceito de mundo é tudo menos inócuo. Está marcado pelas suas origens teológicas como o espaço mundano, separado do sagrado e, por isso, entregue ao domínio e à exploração por seres humanos. Também politicamente, tem sido associado a períodos de expansão imperial, como na Alemanha de finais do século XIX, onde a Weltpolitik (“política mundial”) imperial suplantou o projeto de Realpolitik de Bismark.

Dito isto, é demasiado cedo (ou demasiado tarde, dependendo de como se vê) para desistir do mundo como um projeto aberto, um espaço-tempo de sentido partilhado e negociado através das diferenças, simultaneamente como uma condição e um resultado dinâmico da coexistência.

Cada vez mais, a resposta ideológica implícita à afirmação revolucionária “Um outro mundo é possível” é “O mundo como tal é impossível”. Não vivemos apenas o processo de uma nova ordem mundial estar a substituir a antiga, forjada precisamente no rescaldo da Segunda Guerra Mundial. Pelo contrário, o atual desmantelamento é devastador e não meramente destrutivo: bloqueia a própria possibilidade de um futuro. Na ausência de um mundo – como conceito e realidade significativos – não haverá outra guerra mundial, mas uma guerra global que tornará o planeta cada vez mais carente de mundo.

O sinal mais claro da iminente evanescência de mundo é a nova corrida ao armamento, que inclui, para além das armas tradicionais, a inteligência artificial, a vigilância espacial e a guerra cibernética. Este não é apenas um problema geopolítico, mas sim um problema planetário. A própria Terra, já em perigo ecológico, está a ser sacrificada no altar do ressurgimento militar. O Green New Deal, com a sua excessiva financeirização dos problemas ecológicos e das potenciais soluções, é substituído por negócios de armamento que, apesar de não serem novos, terão consequências ambientais sem precedentes na era do colapso do clima e dos ecossistemas.

De Washington a Pequim, de Moscovo a Deli, os governos estão a investir recursos sem precedentes nos orçamentos de defesa. A aliança da NATO, sob crescente pressão americana, aumentou a sua referência de despesa de 2% do PIB para os 5%, o que é efetivamente um novo limiar de lealdade. A única exceção de Espanha se deve a inquietude com a normalização da lógica militar na vida civil.

Nos últimos meses, os protestos nas principais cidades – de Barcelona a Bilbau e Cádis – tornaram claro que os cidadãos não equacionam a segurança com a militarização. Uma nova geração de activistas e dirigentes municipais defende que as verdadeiras ameaças à vida são, mais do que agressores externos, degradações internas: secas, insegurança alimentar, desigualdade e indústria extractiva.

A militarização afeta também aquilo que é chamado inteligência. Estamos a entrar numa era em que a inteligência é simultaneamente artificial e irresponsável, em que o julgamento é externalizado enquanto a responsabilidade se evapora. O fracassado Acordo de Genebra, no início deste ano, destinado a regular a utilização da IA na guerra, deixou um vazio que está a ser rapidamente preenchido com agressão. Em Washington, Pequim, Moscovo e, cada vez mais, em Nova Deli e Ancara, os governos nacionais investem agora maciçamente em sistemas de aprendizagem automática concebidos para prever, antecipar e punir – essencialmente, para governar através da violência antecipada.

Longe de serem ferramentas neutras, as tecnologias de IA são os agentes da devastação do mundo e não há consenso sobre como – ou se – devem ser controladas. Não precisam de um mundo como pressuposto lógico, mesmo que precisem de enormes quantidades de recursos para o seu funcionamento. Estas tecnologias estão no mundo, mas não são dele: ironicamente, tal como Carl Schmitt pensava na Igreja ou no soberano como estando no mundo, mas não sendo dele.

O novo armamento de 2025, mediado por IA, ultrapassa a própria lógica da destruição; desestabiliza ecologias inteiras, combinando genocídios com ecocídios. Os servidores que suportam esta corrida consomem grandes quantidades de eletricidade, água e minerais de terras raras. A extração de lítio já devastou regiões da Bolívia, do Chile e da República Democrática do Congo, onde a exploração mineira desfigura a terra e envenena os lençóis freáticos em nome de uma guerra tecnológica “limpa”.

A busca da segurança nacional torna o próprio planeta cada vez mais inseguro, tal como o desejo de controlar a natureza resultou em desregulamentação do clima global. As despesas militares com a logística dependente de combustíveis fósseis, os testes de armas com uso intensivo de energia e a expansão de frotas navais de alto mar continuam a aumentar, mesmo quando a crise climática exige uma descarbonização a uma velocidade de emergência. Os exércitos criam resiliência para a catástrofe climática – fortalecendo bases contra a subida do nível do mar, armazenando recursos para conflitos – ao mesmo tempo que fecham os olhos às causas dessa catástrofe. A Terra torna-se não um parceiro na política, mas um campo de batalha ou mesmo uma vítima.

A isto temos de acrescentar os acontecimentos planetários que resultam de uma guerra prolongada e intergeracional contra o ambiente, sem qualquer espécie de cessar-fogo. A vaga de calor que consumiu a Península Ibérica e o Mediterrâneo no inicio deste verão – batendo recordes no Alentejo, Tunes, Atenas e Córdova – é irredutível a um padrão meteorológico; é uma sentença, proferida silenciosamente pela Terra. As colheitas falharam na Argélia. Os incêndios florestais consumiram grandes porções de Creta. As cidades do norte de Itália sofreram cortes de energia generalizados devido ao aumento da procura de eletricidade para arrefecer os espaços interiores. Em Marrocos, pela primeira vez na história moderna, foram impostas rações de água. A linguagem da emergência já não descreve uma rutura com a norma; é a norma.

E, no entanto, nenhum destes desenvolvimentos – guerra, clima, IA, migração – é tratado como interrelacionados entre si. Cada um é categorizado, dissecado, gerido. A lógica da governação moderna obriga a isto: dividir a complexidade, burocratizar as crises. Ao fazê-lo, recusa-se a compreender o que é mais essencial, ou seja, que estes não são desafios paralelos, mas sintomas de uma rutura partilhada, um colapso mundial, do mundo no seu ser-mundo. O que resta não é uma nova ordem global, mas a precariedade planetária.

Entretanto, a própria capacidade de resposta partilhada sofre uma erosão. As cimeiras globais sobre o clima são cada vez mais performativas e financeirizadas. As promessas são feitas e depois revistas ou abandonadas sob pressão política interna. A linguagem do “net zero” torna-se um álibi para mais atrasos. Sem uma ordem mundial que faça a mediação entre a interdependência ecológica e a competição geopolítica, as nações voltam ao extractivismo planetário: apressam-se a garantir o lítio, o cobalto, os direitos à água e a supremacia da inteligência artificial antes que outros o façam.

As vítimas desta condição estendem-se para além das instituições à ontologia, à esfera do ser. A ideia do mundo em si está a desaparecer. E o próprio mundo está a desaparecer não apenas como ideia, mas como fundamento fenomenológico: como o campo onde os seres se encontram, onde os significados emergem e são contestados, onde os humanos habitam a Terra entre outras formas de vida, com inegáveis tensões e fricções, mas também simbioticamente. As ruínas do mundo não passam de uma série de recintos isolados: fortalezas nacionais, câmaras de eco digitais e zonas militarizadas de extração.

Se há uma saída para esta situação difícil, ela não passa pela nostalgia. A ordem mundial que está a desmoronar-se estava ela própria implicada na lógica da dominação e da exploração ecológica. A ideia original do mundo também foi ideologicamente infletida, instrumental e colonial. O que é necessário é algo mais profundo e mais difícil: a refundação do mundo – uma tarefa que não pode ser realizada de uma vez por todas – como um espaço relacional de sentido e de cuidado.

Resistir à militarização da imaginação é, da mesma forma, recusar-se a ver a Terra como um depósito de recursos ou um campo de batalha. A atenção e o apoio devem deslocar-se para as formas de vida – não apenas humanas – que continuam a fazer mundo nas ruínas: agricultores que restauram a saúde dos solos na Andaluzia; comunidades costeiras nas Filipinas que se deslocam com dignidade em vez de desespero; defensores da água na América Latina e defensores da terra no Norte de Portugal que recusam o extractivismo em nome dos que vivem atualmente e das gerações futuras.

Voltar ao mundo (no seio do mundo) não é restaurar o que foi perdido; é afirmar que, mesmo no meio do colapso, há um mínimo de sentido. Ainda existem formas de relação, atenção e ação que abrem a possibilidade de algo diferente da guerra contra outros humanos, países ou outras espécies, contra o meio ambiente e o tempo. Os meios de informação podem investir todos os recursos na apresentação da corrida aos armamentos como um tema de consenso total e de sentido comum.

Mas se ainda houver um futuro, ele pertencerá não àqueles que governam pela força, mas àqueles que ousam habitar – com cuidado, com luto e com os outros – no que resta do mundo e de uma Terra hospitaleira.