
Nediahn Santos saiu pela porta de casa e, na companhia do filho de oito anos, empunhando um cartaz que dizia ‘Mantenham as Famílias Juntas’, foi protestar contra as deportações de imigrantes em Los Angeles. Fê-lo várias vezes, algumas com resistência da polícia, outras sem. Mas Nediahn e o filho não vivem em LA. Vivem na Flórida, a milhares de quilómetros dos tumultos que, na semana passada, levaram à intervenção da Guarda Nacional, numa ordem de Donald Trump à revelia do governador da Califórnia. Os protestos de mãe e filho porto-riquenhos ocorreram inteiramente num mundo virtual chamado Roblox.
O videojogo, que funciona online e é populado por uma demografia sobretudo pré-adolescente, permite aos utilizadores criar personagens e entrar em vários mundos virtuais, com diferentes objetivos. No mundo ‘Brookhaven’, os utilizadores entram dentro de uma sociedade virtual, podendo ter empregos, comprar roupas, casas, etc. Foi neste mundo paralelo que começaram a surgir os protestos virtuais, organizados por diferentes utilizadores. Surgiram pouco depois dos protestos reais contra as rusgas de imigração em Los Angeles e contra os Serviços de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE).
Os vídeos que circulam nas redes sociais mostram dezenas (nalguns casos centenas) de ‘avatares’ em protesto contra as polícias. Erguem cartazes, fazem investidas contra barricadas montadas pelas autoridades (que também são utilizadores do jogo) e escrevem, no chat, mensagens contra a ICE.
Na rede social TikTok, a utilizadora ‘ARIA’ publicou um vídeo a convocar outros jogadores para uma manifestação, sob o lema “No one is illegal on stolen land” (“Ninguém é ilegal em terra roubada”), um dos motes dos protestos no mundo real.
“Soube dos protestos contra o ICE através do meu filho de oito anos. Ele tinha visto vídeos no YouTube e queria participar. Por isso, criei uma conta Roblox para poder protestar com ele”, explica Nediahn, que admite que não quer, por enquanto, levar o filho a um protesto real, pelos perigos que estes colocam. Ao Expresso, diz que visitou várias ‘manifestações’, e que em algumas até havia jogadores a desempenhar o papel de agentes da autoridade, tentando reprimir os protestantes.
Já houve movimentos sociais noutros videojogos
Não é a primeira vez que um videojogo se torna num palco para movimentos sociais. Em 2020, um artigo do jornal The Guardian dava conta de jogadores a protestar no videojogo "Animal Crossing" a favor do movimento ‘Black Lives Matter’, na sequência do homicídio de George Floyd por um polícia norte-americano.
O pedopsiquiatra Augusto Carreira ajuda a explicar este fenómeno, e as consequências que pode ter. “O mundo virtual pode servir, e serve muitas vezes, como espaço e forma de os jovens se evadirem do peso da realidade”, diz.
Podem estes movimentos ser vistos como uma forma de consciencialização política para os mais novos? Augusto Carreira acredita que não, pelo menos se não houver nenhuma ação correspondente no mundo real. “Se isto for um movimento que cria uma comunidade alargada, e essa comunidade alargada tomar conhecimento de uma realidade que desconhecia, e depois transpuser essa consciência para a realidade, pode ser algo positivo. Mas se não houver esse passo, não vejo como pode contribuir de forma positiva”.
“A oportunidade de criar crianças que compreendem a empatia e o poder da sua voz”
Para Nediahn, a participação no protesto com o filho não foi algo lúdico. “Quando ele quis protestar, não vi apenas curiosidade, vi empatia”, diz ao Expresso. “Era a sua forma de dar sentido à injustiça e de querer fazer alguma coisa. Por isso, encontrei-me com ele onde ele se sentia forte: num mundo virtual. Esse momento não se tratou apenas de um jogo. Como pais, temos a oportunidade de criar crianças que compreendem a empatia e o poder da sua voz, e estas crianças já o estão a demonstrar”.
Em relação à possibilidade de ir a protestos no mundo real, Nediahn tem esse objetivo. “Como porto-riquenhos, compreendemos o privilégio de sermos cidadãos dos EUA. E usar a nossa voz é o mínimo que podemos fazer por aqueles que são igualmente vitais para a nossa comunidade”, diz a (por enquanto) manifestante virtual.
Com o abrandamento dos protestos em Los Angeles, também a cidade virtual de Brookhaven recuou nas manifestações. Tendo visitado vários servidores do jogo, o Expresso não encontrou menções à atual situação política, e o último protesto anunciado nas redes sociais data de 17 de junho. Na última semana, as atenções de Trump viraram-se para a “Guerra dos doze dias” entre Irão e Israel, mas o terreno virtual continua fértil para movimentos reivindicativos — por agora, à espera de uma correspondência no mundo real.