Campeão de inverno. De certeza que não é um oxímoro? Ou um título irónico? No meu bairro havia um casal muito pobre, e de aspeto condizente com a pobreza, ao qual, com a maldade típica dos pequenos meios, alguém deu o nome de “casal feliz”. Há outros casos de títulos aviltantes. O “rei do tremoço”, por exemplo. A grandeza da monarquia era apoucada pela pequenez e insignificância do tremoço. Parece-me que com o pomposo e, segundo dizem, agora oficial “campeão de inverno” acontece algo semelhante.
Antigamente, quando o “campeão de inverno” era apenas uma brincadeira, um gracejo para assinalar a equipa que dobrava o meio do campeonato em primeiro, era levado mais a sério. Agora querem que o levemos a sério, outorgando o título ao vencedor da Taça da Liga, e é por isso que nos dá vontade de rir. Porque antes não era glória nenhuma. Era até um aviso para que o líder não se deslumbrasse. O campeão de inverno era “campeão de inverno”. Hoje quase nos obrigam à genuflexão reverente perante o Campeão de Inverno!
Por outro lado, depois de ver o jogo, fiquei com a impressão de que este é o título mais adequado. Daquele jogo só poderia sair um campeão de inverno, um campeão invernal, invernoso, o campeão do desconsolo, dos dias cinzentos. Li opiniões contrárias, algumas a afirmar que este teria mesmo sido um dos melhores derbies das últimas décadas. Então talvez o problema seja meu e esteja simplesmente a projetar no relvado os meus estados de alma. Mas não creio.
E até tive a ajuda de Bruno Lage para carregar este cenário de nuvens ainda mais cinzentas. Schjelderup, um dos raros raios de sol na noite de Leiria, foi candidamente retirado do jogo ao intervalo. Como estava a ser o melhor em campo só há uma razão para ter sido substituído: é que o seu futebol solar não condizia com o espírito de uma final para decidir o campeão de inverno. Para o seu lugar entrou um macambúzio Aktürkoglu, mais desconsolado que uma árvore sem folhas, esquecida num parque e onde já nem sequer os cães vêm alçar a perna.
Só faltava a final ser decidida com uma defesa do guarda-redes do Benfica, Trubin, um homem que está para os sinais exteriores de alegria como Marcelo Rebelo de Sousa está para o silêncio. E foi o que aconteceu. Na altura de entregar a Taça acho que nem os confetti saltaram e viram-se umas labaredas frouxas e ouviram-se umas explosões tímidas e os jogadores do Benfica vestiram burocraticamente umas camisolas comemorativas e foram para o autocarro e fizeram em silêncio o triste trajeto chuvoso da A1.
Só um homem viveu a jornada de apuramento do campeão de inverno como se fosse verão, mais feliz que um pinto no lixo ou um pato numa poça: Bruno Lage. Na conferência de imprensa brincou, meteu-se com os jornalistas, esclareceu equívocos com a bonomia de quem vive num eterno agosto, até se prontificou a responder a mais perguntas, todas as que quisessem, já que por ele ficava ali na conferência até o inverno acabar. Não sei se já percebeu que os benfiquistas, ainda que moderadamente felizes por mais um troféu, estão a assimilar a perda de seis pontos nas últimas jornadas. Que, no final da primeira volta, o Benfica siga atrás deste Porto e de um Sporting atingido por um João Pereira, é motivo da maior tristeza. Uma tristeza digna de um “campeão de inverno”