
Analisando com uma mão-cheia de meses de distância, a apresentação de Martín Anselmi como treinador do FC Porto foi uma sucessão de enganos, um conjunto de ilusões. Foi a 27 de janeiro, mas a quantidade de ideias ali expressas que já foram desmentidas faz parecer que a cerimónia é bem mais antiga.
Comecemos pela fotografia. Anselmi e Villas-Boas, posando lado a lado, com uma camisola com "2027" nas costas, referência à duração do contrato. Pois bem, o sucessor de Vítor Bruno chegou em 2025 e partirá em 2025, saindo à falta de iniciar as duas temporadas completas que estavam no acordo laboral.
Mas não foi engano único. O ex-Cruz Azul pediu ao "presidente para construir mais uma vitrina" no museu do clube para a ir "enchendo de troféus". A passagem termina sem ter estado, sequer, perto de qualquer título.
"Para ver o trabalho a ter efeito é preciso tempo", pediu o argentino. O tempo esgotou-se passados 21 jogos, no terceiro técnico mais efémero do clube neste século, só durando mais encontros do que José Couceiro (17 partidas) e Luís Castro (16).
O "futebol ofensivo" foi, garantiu Villas-Boas, um critério na escolha de Martín, que chegou com promessas de jogo de ataque, criativo. Ora, Anselmi não só encheu, regularmente, a sua equipa com gente mais virada para trás, como fez da substituição dos mais talentosos durante as segundas partes um padrão: Fábio Vieira só completou seis partidas, Rodrigo Mora apenas teve utilização completa em cinco ocasiões.
Anselmi prometeu golos, mas, na I Liga, o seu FC Porto teve uma média de 1,53 marcados por jogo. É uma quebra face aos 2,21 golos, em média, da era Vítor Bruno, seguindo a regra geral que mostra que os dragões de Anselmi pioraram, em praticamente tudo, face aos registos do antecessor.
Não só os golos marcados caíram, como houve mais sofridos. Em 19 rondas com Vítor Bruno, a média foi de 0,78 encaixados por desafio, a qual subiu para um golo concedido por jornada com o argentino. A média de pontos por jornada era de 2,15, baixando para dois pontos, em média, com Martín.
Quando Anselmi chegou, depois da ronda 19 da I Liga, o FC Porto era terceiro classificado, com os mesmos pontos do segundo, o Benfica, e a seis do líder, o Sporting. Passadas 15 rondas com o homem que agora sairá, os azuis e brancos terminaram a nove pontos do segundo lugar e a 11 do primeiro. Rapidamente o grande objetivo da era Anselmi se tornou não o título, mas evitar uma ausência do pódio que há décadas não se via no clube. A três rondas do fim, os dragões eram quartos, mas a quebra final do SC Braga — só dois pontos obtidos nos últimos nove possíveis — permitiu obter o mal menor.
Perder o verbo
O que mais rapidamente se esfumou do dia da apresentação face aos meses seguintes foi o gosto em comunicar. Anselmi chegou palavroso, orador, sorridente. “Acho que há uma pureza que ficou evidente na forma como o Martín acabou por discutir o jogo. Espero que não tenha dado muitos segredos”, brincou Villas-Boas a encerrar a cerimónia.
Mas com os insucessos chegou a perda do verbo. O argentino foi passando a comunicar com menor fluidez, falando menos, detalhando menos temas do jogo, lançando meras frases feitas e até abandonando entrevistas pós-jogo a meio. O conforto diante dos microfones deu até lugar a momentos mais crispados, a conferências em que Anselmi tanto dizia que as estatísticas não importavam como, a seguir, falava de expected goals.
A ocasião em que este perder o pio ficou mais evidente foi a histórica goleada (4-1) sofrida diante do Benfica. Desde 1943 que as águias não marcavam quatro golos em casa do adversário azul e branco e o desaire provocou um terramoto no clube, com Villas-Boas a descer ao balneário, a equipa a ir para estágio na noite seguinte ao clássico como castigo e ter as folgas canceladas.
Logo após o apito final, em choque, Anselmi mal conseguiu encadear frases, praticamente limitando-se a pedir "desculpa aos adeptos". As dificuldades para comunicar na adversidade também se viram, por exemplo, na derrota na Amadora ou na sequência da eliminação no Mundial de Clubes, como se os momentos mais duros deixassem o antigo técnico do Cruz Azul em choque.
Mudanças, trocas, apostas duvidosas
Foram 21 encontros, 10 vitórias, seis empates e cinco derrotas. Eis o registo da era Anselmi, um período em que houve mais encontros que o FC Porto não ganhou do que aqueles em que venceu. Só nas três derradeiras rondas do campeonato conseguiu a equipa ganhar três vezes seguidas.
Terceiro no campeonato e eliminado da Liga Europa pela AS Roma, o péssimo Mundial de Clubes terminou com o pouco crédito do argentino. Derrotado pelo Inter Miami, a igualdade diante do Al Ahly fica como derradeiro jogo desta breve relação. Com somente dois pontos somados, o FC Porto despediu-se do novo torneio da FIFA como o pior dos 12 representantes europeus.
Ao longo das semanas, a dificuldade em estabelecer bases competitivas sólidas foi, também, evidente. Num constante entra e sai, baralha e volta a dar, foi evidente a dificuldade em construir uma equipa para o futuro. No Mundial de Clubes, os dois melhores futebolistas da equipa foram, provavelmente, o guarda-redes suplente (Cláudio Ramos) e um defesa de 38 anos que esteve época e meia lesionado (Iván Marcano).
Só à 11.ª tentativa, diante do Estoril Praia, é que o onze foi repetido. Houve vários casos de jogadores que passaram de habituais utilizados para praticamente não contarem para o técnico: Otávio foi titular em oito dos nove primeiros jogos, mas desde Braga só fez 14 minutos; Nehuén Pérez foi opção inicial em 10 das 12 partidas iniciais, mas desde a goleada contra o Benfica só teve esse estatuto mais duas vezes.
A defesa foi, aliás, um setor especialmente dado a estas trocas, com os centrais a terem dificuldades para cumprirem com o pretendido pelo argentino. Zé Pedro, que só foi utilizado de princípio três vezes na primeira dúzia de compromissos, acabou a ser opção regular, tal como o já citado Marcano. A solução Eustáquio, muitas vezes colocado numa posição híbrida entre central do meio e médio, também pareceu sempre um corpo estranho no coletivo.
Num plantel que foi abanado pelo caso da festa de aniversário de Otávio, existiram várias opções difíceis de entender. Fábio Vieira foi rodando de posição, ora mais nas alas, ora mais recuado, ora mais adiantado, ora mais fora do centro da circulação. Há, ainda, o particular gosto por Gonçalo Borges, utilizado em 15 dos 21 desafios, em cinco deles como titular, mas que concluiu a fase Anselmi com quase tantos cartões amarelos vistos (dois) como assistências realizadas (três) e com mais vermelhos (um) do que golos marcados (zero).
Só a consolidação do rendimento de Rodrigo Mora, autor de oito golos com o argentino e salvador dos dragões em várias jornadas do campeonato, fica como base que se possa aproveitar por quem chegar. No ataque, deu-se ainda uma clara quebra de rendimento de Samu, que marcou 18 vezes em 25 partidas antes de Anselmi, passando para nove golos (cinco de penálti) com o efémero dono do banco.
Só em maio é que FC Porto e Cruz Azul chegaram a acordo para resolver o caso da transferência do treinador, com os dragões a pagarem 3,1 milhões de euros aos mexicanos. Menos de dois meses depois, há mais um processo de saída a envolver um treinador que nunca se conseguiu impor em Portugal, parecendo tão de passagem como passageiras foram as sensações deixadas naquela apresentação.