Bruno Romão, jovem treinador de 40 anos, conta já com uma experiência invejável em vários contextos competitivos e com passagem por três Continentes (Europa, Ásia e África). Trabalhou em todos os escalões de formação a nível masculino e foi também treinador de futebol feminino e treinador adjunto, percurso que potenciou ainda mais as suas competências para a transição para treinador principal. É o analista do Bola na Rede da prestação das equipas portuguesas, Sporting e Benfica, na Champions League.

Estratégias de Sporting e Benfica

O Sporting frente a Arsenal escolheu começar com Israel, St. Juste, Diomande, Inácio, Quenda, Hjulmand, Morita, Araújo, Edwards, Trincão e Gyökeres. Com bola a intenção do Sporting foi a de manter as rotinas de construção e ligação. Na fase de ligação/criação com Trincão na direita, Edwards do lado esquerdo mais interior teve liberdade para jogar mais próximo de Gyökeres e Araújo foi projetado na largura. Esta opção de 4 jogadores por dentro procurou quebrar as linhas e acelerar ritmos em progressão quando a bola chegava a Trincão e Edwards. Como alternativa, o Sporting procurou atrair o Arsenal dentro para explorar algumas variações longas, sobretudo, para criar vantagens numéricas do lado de Quenda. Defensivamente, o Sporting manteve o registo habitual 5-2-3 baixo e 3-4-3 alto.

Com bola, o Arsenal procurou atrair a pressão do Sporting para criar superioridades numéricas. A intenção foi a de atrair à esquerda para explorar o lado direito com Saka, Timber e Odegaard com o apoio de um ou dois médios. O posicionamento ofensivo com extremos abertos, com apoio dos laterais, pretendeu esticar e criar espaços na frente da linha defensiva do Sporting. Arteta procurou também que Havertz baixasse nestes espaços (com extremos projetados) para ter quatro jogadores no interior. O plano teve intenção de atrair a pressão do Sporting e baixar à vez Odegaard/Rice dando liberdade a um deles para saltar a dar opção por trás de Morita e Hjulmand.

Defensivamente, os ingleses iniciaram ambas as partes ativos a pressionar alto em 3 vs 3, com marcações individuais (4-3-3), e em 4-4-2 com bloco médio baixo, defendendo em zona pressionante, especialmente compactos próximos da área (frequentemente com as 3 linhas em 10/12 metros) para fechar os espaços de combinação e penetração que o Sporting gosta de usar.

O Benfica apresentou-se no Mónaco em 4-3-3 com Trubin, Bah, Araújo, Otamendi, Carreras, Florentino, Kokçu, Aursnes, Di Maria, Akturkoglu e Pavlidis. A equipa preparou o jogo defensivamente com um 442 alto com Aursnes e Pavlidis na frente contra os 2 centrais, a convidar o Mónaco a sair mais pelo central esquerdo. O bloco médio foi organizado em 4141 com Aursnes a ser o jogador que salta na pressão aos centrais com Pavlidis desdobrando para 4-4-2. Foi evidente a preocupação de ter um dos médios a entrar na linha defensiva com o bloco baixo formando um 5-4-1.

Com bola, a intenção do Benfica foi atrair a pressão para depois acelerar os ritmos e criar por trás dos médios adversários para expor a última linha do Mónaco ao erro. Após recuperação da bola, a equipa teve um plano claro de manter Akturkoglu e Di Maria disponíveis para explorar os desequilíbrios em contra-ataque.

O Mónaco preparou-se ofensivamente num 2-2-5-1 (às vezes 2-2-6), projetando muito os laterais na largura. A equipa francesa mostrou a intenção de quebrar as linhas de pressão do Benfica, variando rápido o jogo fora ou dentro para acelerar o ritmo e procurar a criação em situações de vantagem numérica, usando frequentemente Embolo em apoio frontal. A equipa defendeu em 4231, procurando estar altos e ativos o mais possível, mas com uma distância maior entre linha defensiva e os dois médios. Refira-se que é uma equipa jovem, com muita qualidade, intensa a decidir o jogo para a frente e que chega com muitos jogadores a zonas de finalização.

Rendimento

Importa realçar e relembrar que esta primeira parte foi muito semelhante à da jornada anterior nas oportunidades criadas pelo adversário, a diferença é que o Arsenal marcou três golos na primeira parte. Estamos a falar de um plantel que, comparativamente até ao do Manchester City, tem mais soluções. Vejam-se os jogadores que estavam no banco. Foi um resultado natural contra um Arsenal forte (uma das equipas mais sólidas da Champions), com muito mais recursos, contra um Sporting em fase de transição com ausências importantes e St. Juste e Edwards no caminho da rotina competitiva.

Foi um jogo difícil para o Sporting com algumas dificuldades de encaixar a pressão média/alta de forma eficaz, com os avançados a saltar à vez, os médios arrastados altos (frequentemente lado a lado) e a última linha a sentir dúvidas a apertar o espaço entrelinhas, o que tornou difícil de controlar os espaços por trás dos médios, permitindo a saída da pressão do Arsenal com muitas opções de ligação por dentro e por fora. Esta capacidade de ligação do adversário expôs algumas fragilidades da linha defensiva leonina, sobretudo do lado esquerdo.

Alguma precipitação dos médios a saltar, a pressionar lado a lado e sem ler que a pressão estava batida, empurrou a equipa para trás. Este comportamento deixou a nu problemas nas coberturas ao lado esquerdo com bloco baixo. A ausência de rotinas de Edwards não ajuda à coordenação entre Inácio e Araújo, com muitos movimentos de rutura a partir de trás e com reação tardia a fechar as costas da linha defensiva.

A linha defensiva, sobretudo à esquerda, revelou algumas dificuldades a identificar os momentos de baixar e fechar o espaço nas costas, bem como nas coberturas quando alguém salta a pressionar entrelinhas (primeiro e segundo golos) ou nos espaços exteriores. Com uma vantagem de dois golos, o Arsenal pôs em prática o plano de gestão dos ritmos, esperou mais o erro (desperdício de tempo permitido em demasia muito cedo no jogo) e, percebendo o momento do Sporting, procurou criar alguma ansiedade.

No primeiro golo do Arsenal, a equipa posicionou-se um pouco tarde e defendeu o lançamento lateral com 4 vs 5 adversários que a este nível conseguem sair bem da pressão (Inácio a não apertar o espaço exterior). Depois, a linha de quatro alinhada com Araújo, que fazia a marcação à bola no momento do cruzamento, abriu espaço para que a bola nem precisasse de ser rápida a criar dúvida entre Israel/Diomande/St. Juste Quenda. A linha de quatro manteve o comportamento de compactação quando a decisão poderia ser estar posicionada dois metros mais baixa que Araújo para controlar este espaço. A jogada do penálti também é um bom exemplo de alguma atração que depois resulta em espaços abertos, expondo o interior.

O Sporting não conseguiu retirar ofensivamente de Edwards o que pretendia, muito por mérito adversário, que em momentos de pressão batida ou transição defensiva soube marcar perto ou fechar rapidamente o interior, empurrando o jogo para fora. Defender em 3-4-3/5-2-3 exige dos extremos, sobretudo a jogar contra este tipo de adversários, uma melhor participação defensiva, aspeto que Edwards tem de melhorar.

A equipa teve alguma chegada na primeira parte (veja-se o cruzamento perigoso de Araújo), mas faltou gente e movimentos agressivos de ataque à área/baliza. Neste ponto, a marcação dos contra-ataques foi irregular e deu algumas transições perigosas. Na segunda parte, Sporting chegou e criou perigo com Raya a ser muito solicitado, dentro e fora da área.

Aos 45 minutos, o jogo ficou bem encaminhado de bola parada, um dos pontos fortes do Arsenal. Interessante a ideia dos londrinos em ter quatro jogadores a bloquear (Israel, St. Juste, Diomande e Morita) libertando Gabriel a partir de trás (Araújo deveria criar contacto na marcação) e Havertz ao 2.º poste aberto para vir de zona cega de frente para o cruzamento. Dois possíveis ajustes a este tipo de cantos poderá ser a abertura do corpo dos defesas na primeira linha e a colocação desta mais próxima da aglomeração (com uma marcação apertada das referências que vêm a partir de trás).

A segunda parte trouxe um Sporting mais ativo que quis reagir com personalidade. Foi neste período que criou a melhor jogada com remate de Morita e golo de Inácio de seguida após canto. Interessante relacionar com os expected goals (xG), sem os penalties, com 1,32 do Sporting contra 2,58 do Arsenal. Até ao momento do penálti (64 minutos) a equipa competiu, jogou melhor e criou, chegando com várias opções à área. A coordenação da linha defensiva a fechar espaços mais urgentes com a pressão batida acabou por sentenciar o jogo na situação que origina o penálti, tornando muito difícil a reação a partir daí.

O Benfica venceu de forma justa. Reagiu bem à adversidade durante o jogo e procurou o golo das mais variadas formas (18 remates e 3,3 xG contra 11 e 1,39 xG do Mónaco). A intenção de pressionar, estar e reagir alto criou dificuldades ao Mónaco, forçando erros (ocasião de Di Maria e o golo de Pavlidis). Curiosamente, o golo sofrido resulta duma decisão de Tomás Araújo apertar a marcação em vez de proteger espaço após a pressão alta ser batida. Percebeu-se ao longo de todo o jogo que este tipo de ações de ligação é algo que os franceses fazem muito bem e que me parece que, na globalidade, o Benfica controlou em organização defensiva.

O Mónaco mostrou-se como uma equipa ofensiva, de ritmos altos, mas desequilibrada, o que acabou por influenciar o jogo permitindo boas ocasiões ao Benfica em organização e transição ofensivas. O Benfica conseguiu ter chegada à área de diferentes formas durante a primeira e a segunda parte. Faltou alguma definição a esta criação porque a equipa quebrou a pressão, usando os espaços que o Mónaco foi dando. A equipa conseguiu expor as fragilidades de organização da linha defensiva adversária e foi resiliente a procurar espaços de vantagem numérica ou espacial através de cruzamentos com muita qualidade. Neste aspeto particular, Di Maria foi importante, mas também os movimentos a dar opção dentro da área.

Defensivamente, os apoios frontais de Embolo foram difíceis de controlar porque a opção de ter Florentino mais como o “6” abriu algum espaço para que o avançado aparecesse à sua volta para receber e combinar. Florentino e os centrais precisam de apoio de mais um médio para controlar estes espaços (veja-se o golo anulado aos 49 minutos). Em momentos de finalização (que depois potencialmente originam contra-ataques) o Benfica vigiou longe as marcações com o Mónaco a conseguir ter opções livres em transição ofensiva. Este aspeto melhorou ao longo do jogo, sobretudo, na segunda parte.

Com o bloco baixo, foi notória a preocupação de um dos médios (Florentino ou Aursnes) de entrar na linha defensiva na defesa da área quando a bola entrava nos corredores laterais. A boa capacidade de decisão destes jogadores permite-lhes ler se têm que entrar entre lateral/central ou entre os centrais.

O Benfica entrou bem na segunda parte, ativo, a forçar o erro e a jogar com qualidade dando justiça ao resultado com o empate. O golo anulado a Bah foi um bom exemplo da qualidade demonstrada nesse período do jogo. Aos 62 minutos, o segundo amarelo a Singo mudou o jogo. Tendo em conta a incapacidade dos monegascos a defender baixo, era importante manter os ritmos e criar, mas controlando bem as segundas bolas e os contra-ataques de preferência com jogadores sem cartão amarelo porque o Mónaco é uma equipa intensa com bom registo nas segundas partes (perfil dos jogadores dos monegascos é interessante com muitos bons jogadores de dupla função). As substituições aos 65 minutos foram, nesse sentido, com Amdouni a ficar a jogar perto de Cabral, com Aursnes e Kökçü lado a lado. Foi importante, após este momento, que o Benfica se mantivesse com 11 até final.

O 2-1 aos 67 minutos apareceu contra a corrente do jogo e veio de alguma descoordenação dos dois médios mais Amdouni na cobertura da cabeça da área. Este momento foi chave para manter a confiança do Mónaco e retirou o controlo ao Benfica, que estava na sua posse desde o início da segunda parte, muito pela dificuldade de controlo dos espaços centrais com algum afastamento das linhas.

Após os 75/80 minutos o Benfica começa a recuperar o controlo e chega aos golos de forma merecida. Neste período foi importante a agressividade ofensiva de Arthur Cabral e Amdouni a forçar e a dar opções dentro da área.

Destaques

O jogo expôs necessidades de acerto na coordenação da linha defensiva do Sporting para entender quando apertar o espaço ou encaminhar para fora, protegendo as zonas vitais de criação do adversário quando a pressão foi batida. Este aspeto tornou o trabalho de organização defensiva mais difícil (os xG on target são 2,1 do Sporting contra 3,73 do Arsenal). A reação na segunda parte foi positiva e personalizada contra uma das equipas mais sólidas da Europa.

Sou treinador, percebo e concordo com a gestão de ritmos de jogo, todas as equipas o fazem. No entanto, permitir desde tão cedo no jogo o desperdício de tempo do Arsenal não é bom para a competição.

O Benfica teve uma boa prestação ofensiva e foi sólido sem bola contra um adversário forte e vertical que, constantemente, procurou a baliza. Individualmente, destaco Di Maria pela qualidade individual (de decisão/execução) e Pavlidis pelo trabalho que fez pela equipa (golo merecido). Arthur Cabral e Amdouni foram fundamentais pela chegada à área e os golos quando o Benfica mais precisou. Por fim, a liderança de Otamendi teve uma influência a partir de trás a gerir os momentos difíceis e a empurrar a equipa para reagir.

Um detalhe interessante em ambos os jogos foi a quantidade de segundas bolas e ações incompletas proporcionadas pelos guarda-redes em ambos os jogos.