Bruno Romão, jovem treinador de 40 anos, conta já com uma experiência invejável em vários contextos competitivos e com passagem por três Continentes (Europa, Ásia e África). Trabalhou em todos os escalões de formação a nível masculino e foi também treinador de futebol feminino e treinador adjunto, percurso que potenciou ainda mais as suas competências para a transição para treinador principal. É o analista do Bola na Rede da prestação das equipas portuguesas, Sporting e Benfica, na Champions League.

Estratégias de Sporting e Benfica

O Benfica iniciou com Trubin, Araujo, Silva, Otamendi, Carreras, Florentino, Kokcu, Aursnes, Arturkoglu, Pavlidis e Schjelderup. A defender, a equipa alternou o 4-2-3-1 com o 4-4-2, em bloco médio / alto, com Aursnes a juntar-se a Pavlidis na frente como 2.º homem. Esta decisão estratégica procurou pressionar ativamente o adversário para forçar o erro e evitar o conforto com bola aproveitando a capacidade de pressão de Aursnes. Houve a intenção clara de fazer subir as linhas com a linha defensiva a empurrar o bloco a partir de trás para dar segurança a Kokçu e Florentino a saltar em dois dos interiores. Esta intencionalidade quis recuperar a posse e contra atacar potenciando um ponto forte do Benfica esta época. O bloco baixo foi organizado compacto, a 10/12 metros frequentemente em 4-4-2/ 4-5-1 e até muitas vezes em 5-4-1 com o objetivo de reduzir o espaço interior ao Barcelona.

Com bola o plano do Benfica foi explorar o lado contrário em ataques rápidos para criação aproveitando a basculação exagerada do Barcelona. Foi clara a intenção de explorar o espaço nas costas do Barcelona e a velocidade dos avançados após recuperação da bola. A equipa procurou não tanto sair direto para estes espaços mas antes atrair, quebrar linhas em jogo interior / exterior e depois explorar os espaços pela frente e atrás dos defesas do Barcelona, aspeto que os Blaugrana têm tido dificuldade a controlar.

O Barcelona apresentou-se em 4-3-3 com uma alteração na baliza em relação ao 11 que iniciou o jogo contra o Getafe. Iniciaram Szczesny, Kounde, Araújo, Cubarsi, Balde, Gabi, Casado, Pedri, Yamal, Lewandowski e Raphinha. Ofensivamente apresentou-se dentro do habitual com destaque para as dinâmicas interiores e as combinações Kounde, Lewandowski e Yamal. Defensivamente procurou estar alto e ativo com marcações individuais, muitas vezes saltando Kounde contra Carreras, uma opção de colocar os extremos e pressionar por dentro e para criar situações de golo após recuperações da posse alta. A linha defensiva procurou estar alta e densa em largura para intensificar a pressão aos corredores laterais e fechar o espaço entre as linhas.

No primeiro jogo na Liga dos Campeões a equipa técnica de Rui Borges decidiu pela estrutura de 4-4-2, que tem utilizado, e iniciar com Israel, Araújo, St Juste, Diomande, Fresneda, Quenda, Hjulmand, Debast, Catamo, Harder e Trincão.

Ofensivamente estruturou-se frequentemente em 4-2-3-1 com Trincao a ser o terceiro médio nas costas dos médios do Leipzig. O Sporting procurou atrair dentro para explorar as relações a quatro por fora (com lateral médio extremo e avançado do lado da bola). Houve a intenção de baixar ritmos de posse para convidar o Leipzig à pressão e aí abrir espaços para ligar / criar.

Defensivamente o Sporting organizou o bloco médio em 4-4-2 a desdobra alto em 4-2-4 com alas a saltar contra a construção a quatro do Red Bull, com Harder e Trincão a saltar nos centrais.

Plano do Sporting foi a gestão dos jogadores no máximo da sua disponibilidade e a isso se deveu a entrada de Morita, Bragança e Gyokeres aos 60 mins.

O Leipzig organizou-se defensivamente em 4-4-2 compacto e alto procurando ser ativo. Com bola a equipa atacou em 4-2-3-1 e por vezes 4-2-2-2 com os extremos a procurar espaços interiores, projetando os laterais, com intenção de jogar vertical sempre que possível com muita mobilidade dos avançados a explorar o espaço entre linhas e as costas dos centrais do Sporting para criar dúvidas nas ações de compactação.

Rendimento

Um jogo muito positivo, na globalidade, por parte do Benfica até aos 70 mins. Marcou e criou a explorar espaços que preparou estrategicamente, nomeadamente as variações de jogo para o lado contrário (presentes no 1.º e 4.º golos) e os espaços nas costas da linha defensiva (na origem do penálti sobre Arturkoglu e da indefinição entre Balde / Szczesny que Pavlidis aproveita para o 3-1). O Barcelona não fez por merecer ganhar e foi na “ilegalidade” que conseguiu os três pontos. Fica a pergunta, … quais terão sido os critérios de decisão para não assinalar penálti a Barreiro?!…

Foi a melhor primeira parte da época do Benfica, que marcou três vezes e reagiu ao empate de forma muito positiva, com energia, confiança e qualidade de jogo. O 3-1 ao intervalo foi um resultado justo e que fez antever uma segunda parte em que o Barcelona procura-a estar mais dominante ajustando o controlo das transições (foi evidente um encurtamento do bloco ofensivo dos espanhóis nos segundos 45 mins para reagir melhor às transições). As dinâmicas de ligação entre laterais, médios e avançados do Benfica expôs muitos espaços para criação. Foi menos capaz a capacidade de construção da equipa.

O bloco médio / alto do Benfica foi ativo, compacto e conseguiu empurrar o Barcelona para trás, sobretudo pelo bom trabalho de Aursnes e Pavlidis. O norueguês fez um jogo de classe mundial com e sem bola, sendo que as decisões de pressão toma aliada à cobertura de espaços, saltando a ”usar o pescoço” fazem com que feche as opções de passe que procuram aparecer nas suas costas.

Com bola o Benfica foi capaz de criar em ataques rápidos saindo bem da pressão (Expected Goals Open Play foi de 1,81 para o Benfica contra 1,53 do adversário). Após recuperar a bola a equipa conseguiu quebrar linhas e ligar para criar boas situações de finalização.

Ao longo do jogo e sobretudo na 2ª parte, o Barcelona dominou (naturalmente pelo perfil de jogo e pelo talento que tem), empurrou as linhas do Benfica para trás. Benfica reagiu maioritariamente bem, defendendo compacto e empurrando o adversário para trás em 442 sempre que possível. A rever a defesa da área por parte de Carreras que muitas vezes é apanhado atrasado por falta de controlo da ameaça mais próxima (cruzamento de Raphinha para Yamal e penálti são exemplos).

O Barcelona colocou Ferran perto de Lewandowski aos 74 mins com o Benfica a responder com Bah e Di Maria o Benfica, organizando-se num 5-4-1 a defender procurando continuar a sair para transições. O dinamarquês revelou dificuldades de entendimento da missão tática pela velocidade do jogo e falta de timings a de saltar de posição (com e sem bola), como por exemplo na jogada que origina o canto do 4-4.

A jogar contra um adversário deste nível que atrai dentro para jogar fora ou leva o adversário ao exterior para explorar o interior os períodos longos a defender vão expondo os espaços entre lateral / central também pela fadiga.

Os erros individuais penalizaram ambas as equipas. Foi evidente alguma falta de maturidade na gestão dos momentos do jogo e alguma incapacidade dos jogadores que entraram na segunda parte de se adaptarem ao ritmo do jogo, pelo que não conseguiram “refrescar a equipa” tendo sido, naturalmente, Di Maria o único que conseguiu cumprir o que se esperava. Pedia-se mais critério nos timings de saltar de posição e nas transições para não expor espaços porque seria natural sofrer naquela fase.

Interessante foi ver a influência da marcação rápida das bolas paradas por parte do Barcelona que expôs algumas dificuldades do Benfica com um golo sofrido (substituições têm influência na coordenação destes momentos).

Um jogo que revela mais uma vez a dificuldade do Sporting em apresentar o seu melhor 11. Há falta de soluções e muitas ausências por lesão (Nuno e Matheus por exemplo vão estar fora muito tempo). Será importante que a direção ajude a equipa com alguns ajustes neste mercado. Como detalhe técnico, importa destacar que as mudanças de treinador e as respetivas formas de trabalhar aumentam o risco de lesão, criando desafios tremendos na gestão dos jogadores num calendário competitivo tão denso.

O Sporting teve uma entrada interessante no jogo (primeiros 10 mins) com alguma chegada interessante, mas a faltar presença em número e com Harder posicionado muito longe da linha dos postes. O posicionamento (como opção de passe) quando a bola está a chegar a a momento de assistência tem de ser mais efectivo e curiosamente até foi Fresneda a ser o jogador com melhor timing. As decisões ofensivas de Harder, quer seja a proteger a posse para as linhas se juntarem ou a rematar muito afastado da baliza esticou demasiado a equipa.

Ofensivamente houve alguma melhoria após a entrada de Inácio que trouxe tranquilidade e melhores opções / decisões de construção ligação dando maior tempo para Trincão ser opção de passe interior. No entanto a variabilidade do jogo ofensivo precisa de consistência e nota-se que a equipa está a ganhar relações / rotinas. A criação de situações de finalização carece dos melhores jogadores disponíveis naturalmente e foi um aspeto decisivo. O sporting ameaçou pouco, com os golos esperados (Xg) a ser de 2,17 do Leipzig contra 1,09 do Sporting (Xg on target 2,16 contra 0,36).

A partir dos 10 mins o Sporting revelou alguma indefinição nos momentos de pressão média / alta com Trincao e Harder descoordenados, receosos de expor o interior (que o Leipzig preencheu com 6 jogadores por vezes) mas tomando a decisão de saltar tarde. Neste aspeto um dos factores que contribuiu foi o posicionamento muito largo de Geny e Quenda que deu maiores espaços para Hjullmand e Debast preencherem (com o belga a fazer o segundo jogo na posição). Com os alas mais dentro (e na linha dos médios que deveriam estar em ligeira diagonal) o Sporting convidaria o adversário a jogar por fora onde havia igualdade numérica que passaria a superioridade com a basculação da pressão coletiva. Até aos 60 mins foi evidente alguma incapacidade de Quenda e Geny a a juntarem-se aos médios quando a bola esteve do lado contrário.

Por consequência a linha defensiva baixou pela ameaça frequente de Openda no espaço (por vezes cedo demais) dando oportunidade a jogadores como Sesko e Xavi a ligar entre linhas para criar depois. Estas dificuldades compactar o bloco deixaram frequentemente uma situação de 4 jogadores do Leipzig contra Hjulmand e Debast.

Contra equipas deste perfil de jogo, que verticalizam sempre que há espaço, a compactacão interior dos jogadores do lado e contrário é decisiva até porque as variações do jogo não são padrão ofensivo de equipas como o Leipzig a não ser quando conseguem quebrar as linhas como de resto aconteceu no primeiro golo.

Houve alguma falta de agressividade e sentido prático com o bloco baixo ao longo de todo o jogo. As situações de perigo e os golos sofridos são exemplo disso. A equipa mostrou dificuldades de cobertura aos espaços entre lateral / central contra as superioridades numéricas por fora a partir do interior, com 1-0 a ser bom exemplo.

Bom ajuste do Sporting na segunda parte na construção / ligação a projetar os laterais e baixando um dos médios no meio dos centrais fazendo um 3+1 para dar mais opções de passe por trás dos médios do Leipzig. Neste período o posicionamento de Gyokeres mais perto de Orban (central menos móvel) foi estratégico e conseguiu criar algumas situações de perigo. Curiosamente, o 1-1 surge duma recuperação de Inácio que salta a pressionar entre linhas (aspecto menos bom nos primeiros 45 mins) entrega em Bragança que assiste Gyokeres em 1v1 com Orban, a explorar as dificuldades defensivas de cooordenacao do adversário. Neste processo um dos aspetos de melhoria é a criação constante de opções de passe em relação ao adversário direto pelo Sporting.

A entrada de Morita, Bragança e Gyokeres por Debast, Geny e Harder aos 55 mins colocou Bragança / Gyokeres na frente e Trincão passou para a direita. A melhoria foi evidente com e sem bola. Sendo que o Sporting marca quando está a controlar o jogo com chegada e sofre num momento de falta de agressividade e maturidade num duelo no ar perdido com central a jogar de frente e uma cobertura à linha defensiva ineficaz de Israel.ofensivas do Bolonha com os dois centrais, Florentino e, frequentemente, Bah. O Benfica foi capaz de criar e chegar à área ao longo de todo o jogo. A equipa foi dominante na segunda parte a procurar a vitória até ao último segundo, criando o suficiente para ganhar.

Destaques

O coletivo do Benfica deu uma boa resposta contra uma das melhores equipas do mundo em posse, marcou e em muitos momentos defendeu bem. Alguma falta de maturidade penalizou a equipa em momentos chave. Fica a sensação positiva duma equipa que se preparou estrategicamente para o embate com as “armas” disponíveis contra um Barcelona que mostrou alguma indefinição em muitos comportamentos coletivos, confiando na qualidade individual (que resolve muitos jogos até a partir do banco), mas que “com rigor de VAR acertado” não seria suficiente para ganhar ontem no Estádio da Luz.

A destacar ainda Carreras que segue o bom momento e Pavlidis pelos golos, pelas posses que segurou aliados à capacidade de se sacrificar pela equipa (recordo uma transição defensiva que recupera 40 metros e ocupa o lugar médio por exemplo). Vê-se um Schjelderup a crescer com uma boa prestação contra o adversário mais difícil da sua carreira. Tomás Araújo a confirmar o potencial mundial e alguns aspectos defensivos que tem de desenvolver. A terminar destaco Aursnes que catapulta a equipa com e sem bola para outra dimensão.

Do lado leonino, o resultado foi justo pela prestação coletiva ao longo de todo o jogo. Fica a sensação de que há a necessidade de reforçar o plantel, para dar soluções à equipa porque este Leipzig está completamente ao alcance. A falta de soluções no plantel fica mais exposta nos jogos da Liga dos Campeões e naturalmente vai criar dificuldades nas competições internas, agora que estamos a entrar na segunda metade da época.

Individualmente a destacar a necessidade de crescimento tático e de decisão de Harder. Há também que perceber o natural período de adaptação de alguns jogadores (Trincão, Geny e Quenda) às atuais funções com Debast e Harder a ganhar rotinas, sobretudo em jogos de Champions, onde a velocidade do jogo é superior à da nossa liga.