Entre a Serra de Montemuro e o rio Douro há um clube que regressou aos nacionais depois de uma ausência de cinco anos e está a fazer uma época tranquila: o Cinfães.  

O Clube Desportivo de Cinfães, além de uma boa campanha na Taça de Portugal – eliminou Resende, Barreirense e Alpendorada e foi afastado pelo Oliveira do Hospital –, já garantiu a manutenção na sempre competitiva Série B do Campeonato de Portugal a duas jornadas do fim.

A BOLA marcou presença num dos treinos da formação cinfanense e esteve à conversa com o presidente Vítor Pereira, com o treinador Paulo Mendes e não só. A turma viseense foi campeã distrital da Divisão de Honra em 2023/2024 e voltou aos nacionais na primeira temporada de Vítor Pereira na presidência.  

«Eu assumi o clube com algumas dívidas. Na primeira época desportiva, consegui subir o clube aos nacionais, mas o Cinfães não é só futebol sénior. Fui campeão e ganhei a taça do futsal feminino. Este ano, o futsal feminino também fez uma rica campanha. Infelizmente não conseguiu ser campeão e ficou em terceiro. Temos a equipa de sub-18 na fase final, a lutar pelo título campeão para subir aos nacionais. Genericamente, em termos desportivos, tem sido um bom mandato. Em termos económicos, não é bem o que eu esperava, que a minha ideia era conseguir sanar as dívidas todas do clube. Isto não vai ser possível, mas reduzi o passivo do Cinfães em mais de 80 por cento», assumiu, em conversa com A BOLA

O Cinfães tem estado quase sempre no top-5 da Série B do Campeonato de Portugal e chegou a estar colado aos primeiros dois lugares, de acesso ao play-off de subida à Liga 3. Paulo Mendes confessou que a equipa chegou a pensar noutros voos, mesmo tendo a manutenção como principal objetivo. 

«Não podemos ser hipócritas e dizer que quando estávamos encostados não pensámos nisso. Infelizmente não tivemos argumentos e capacidade para nos mantermos lá, por diversos fatores, um deles eu posso dizer, que é esta questão da logística das viagens, que criam muito desgaste no plantel. O plantel curto, as lesões. Nós só nos primeiros três dias da época é que tivemos o plantel todo disponível e fomos tendo uma ou outra vez agora no último mês, um ou outro treino fomos tendo o plantel todo disponível. Depois também o calendário, há um jogo que é crucial nesse momento, que é a interrupção do encontro com o Salgueiros, que nós, se vencêssemos, à data ficaríamos a um ponto do segundo lugar. Era diferente, o ânimo, a própria diminuição do desgaste das viagens e tudo isso, que provoca nos atletas, principalmente da parte psicológica, era muito mais atenuado, porque havia aquela ânsia e aquele desejo de estar nessa luta. A parte psicológica é que comanda tudo na vida. Como esse jogo foi interrompido, ficámos a quatro pontos. Vínhamos já de um jogo em que tínhamos perdido no último lance da partida, na altura com o União de Lamas, depois fomos à Guarda e empatámos num jogo em condições um bocado adversas. Esse foi um momento fulcral para nos arrumar dessa luta», começou por explicar, referindo que o Cinfães tem feito «um bom campeonato para uma equipa que vem da distrital». 

«Acabávamos por tapar de um lado e destapar de outro. Por exemplo, temos um plantel só com dois extremos. É a realidade, foi um plantel escolhido por mim, uma ou outra contratação que também não resultou», acrescentou. 

Paulo Mendes explicou como funciona o processo de contratação de jogadores. O Cinfães conta no plantel com alguns jogadores com experiência de Primeira Liga. São os casos de Ivo Gonçalves e Everton Kaká. Por sua vez, Cássio, que defendeu as redes de emblemas como Paços de Ferreira, Arouca e Rio Ave, é agora treinador de guarda-redes em Cinfães.

«Em termos de scouting, nós não temos as melhores plataformas. A uma única plataforma que temos é uma de análise real que é concedida pela Federação no início de cada época, que só nos permite analisar os nossos adversários. Em termos de scouting para a construção de plantel é um pouco conhecimento pessoal, conhecer os jogadores, conseguir chegar ao contacto com os jogadores. Há uma ou outra oferta, sugestão que é feita, digamos, a dizer que há disponibilidade do jogador para ouvir uma proposta», apontou, falando em específico do caso de Everton Kaká: «Apesar de conhecer o Kaká enquanto jogador, não o conhecia enquanto pessoa, muito menos sabia da disponibilidade dele. Foi alguém que mo apresentou e aí chegámos a acordo para que ele pudesse vir para cá.» 

Há ainda as limitações geográficas e de logística: «O clube já faz um sacrifício para poder oferecer uma ou outra casa para podermos alojar jogadores. E só assim é que faz sentido e fica relativamente mais fácil, mais acessível contratarmos. Em termos geográficos, Cinfães está um pouco deslocado. Em termos de acessibilidades, são as que são. Isso condiciona-nos muito no recrutamento. Para nós conseguirmos convencer os jogadores a vir para cá, temos de oferecer algo. Um jogador que pertence ao grande Porto tem uma grande oferta de clubes e depois um jogador para vir para cá tem de fazer cerca de 80 quilómetros para cada lado e temos a noção que a estrada do Marco de Canaveses para cá é um pouco complicada, estreita e com bastantes curvas. E isso também vai criando desgastes ao longo da época.» 

O plantel do Cinfães é semiprofissional: «Apesar de treinarmos de manhã, temos muita gente que tem os seus part-time, personal trainers, negócios próprios, pessoal que trabalha no ramo imobiliário, que consegue fazer a sua gestão do seu próprio horário, mas temos alguma parte que sim, que só vive exclusivamente disso, mas é uma opção própria.» 

O Cinfães sofreu a primeira derrota em casa em fevereiro, na 18.ª ronda, na receção ao Machico. Em 15 jogos na condição de visitados, os comandados de Paulo Mendes perderam por três ocasiões (Machico, Leça e Salgueiros).  

«É uma casa difícil, agora não considero que seja só em casa que tenhamos sido fortes. Acho que até as melhores exibições que fizemos foram fora de casa, mas foi pena termos quebrado esse registo e, neste momento, não estamos a ter um registro muito interessante em casa, mas é o peso e o desgaste da época que já começa a se notar muito no nosso grupo de trabalho. Mas sim, fizemos ali uma primeira volta muito interessante, porque enquanto houve bastante frescura no plantel, e enquanto não foi preciso haver competitividade... Depois as segundas voltas são sempre mais difíceis e é importante haver competitividade interna, para também haver jogadores que não desarmem, porque se desarmarem sabem que o colega ao lado está pronto para entrar. Há aí uma carência no nosso plantel, que permite algum conforto a quem está a jogar, sabendo que se for alterada será sempre uma adaptação, e as adaptações são sempre deixadas para o último recurso», disse.  

Um dos treinadores mais jovens da Série B do CP

Paulo Mendes tem 33 anos e é um dos treinadores mais jovens da Série B do Campeonato de Portugal. Para o técnico, a idade é apenas um número. O jovem treinador está na segunda passagem pelo comando do Cinfães (2019-2020 e regressou em 2023). Em 2018/2019, o Cinfães competia no Campeonato de Portugal, na altura terceiro escalão. 

«A idade é um mero número, era um pouco mais irreverente, muito mais imaturo, mas já tinha os meus princípios, (só que não tinha uma gestão emocional tão forte como tenho hoje. Sou pai, tenho 33 anos, tenho dois filhos, já penso de forma diferente, já giro as emoções de forma diferente, já extravaso de forma diferente e hoje sou muito mais completo. A idade não significa nada, quer tenha 33, quer tenha 60 anos», atirou. 

«Todas as ideias têm sucesso, umas mais, outras menos, mas todas têm sucesso. Nunca vi um treinador que defenda a manutenção de posse de bola a ganhar sempre ou a perder sempre. Também nunca vi um treinador, digamos, à moda antiga, como são apelidados, porque jogam mais direto, a não ter sucesso, a nunca ter sucesso e a ter sempre sucesso. O futebol é mesmo isto, é a forma como consegues incutir as tuas ideias nos jogadores, a tua liderança, seres coerente e teres a capacidade de convencer que este é o caminho. Isso é o que faz a diferença na gestão de grupo de trabalho e no sucesso de uma época desportiva», completou.

Da Primeira Liga ao Cinfães

Ivo Gonçalves, aos 40 anos, continua no ativo e leva 16 jogos a defender a baliza cinfanense esta temporada. O experiente guarda-redes, com experiência de I Liga – participou num encontro em 2021/2022 no Vizela, falou sobre as diferenças entre as realidades do principal escalão e do Cinfães

«Principalmente é a diferença de logística. [Na I Liga] há mais campos para treinar, há mais pessoas para ajudar, mais colaboradores, isso é notório. Mas pronto, no caso do Cinfães existe uma grande vontade das pessoas que estão disponíveis para ajudar e não nos faltar com nada. É um clube humilde, é um clube mais do interior, mas vai crescendo. Fizeram umas obrinhas, estão a melhorar tudo», referiu, revelando como surgiu a hipótese de rumar a Cinfães: «O principal responsável é o mister, o projeto que apresentou e depois foi falar com a direção, gente humilde, de trabalho, que quer crescer, isso convenceu-me claramente.» 

Sobre o futuro, Ivo Gonçalves vai esperar pelo fim da época para perceber se avança para mais uma temporada dentro dos relvados. 

«Já aconteceu de querer acabar, entretanto depois ligam-me para fazer mais uma época e tem sido assim. A nível de corpo, física e mentalmente, sinto-me bem, não sinto as minhas qualidades a baixarem e essa é a principal preocupação, porque eu sempre disse que se elas baixassem, acabava logo, porque não estou para arrastar, mas elas têm estado intactas, por isso tenho feito sempre e pronto, tenho 40, vou acabar a época com 41. Vamos ver, quando a época acabar, vou ponderar, vamos ver também o que aparece, se nada se justificar, acaba-se. Já tenho o curso da UEFA B, treinador, andará por, se calhar, ser adjunto, treino da guarda-redes, ou mesmo na parte de gestão, diretor desportivo ou diretor geral, vamos ver o que aparece», concluiu. 

«Tive outras possibilidades, mas o Cinfães foi a mais interessante»

Cássio dispensa apresentações. O ex-guarda-redes chegou a Portugal em 2008 para representar o Paços de Ferreira e cumpriu 12 temporadas em solo português, grande parte delas no primeiro escalão, ao serviço do Paços de Ferreira, Arouca e Rio Ave. O brasileiro pendurou as luvas no final da época passada e deu início à carreira de treinador de guarda-redes no Cinfães, em 2024/2025. 

«Fui convidado pelo mister. Tinha acabado a minha carreira de jogador e já estava a fazer os cursos para me tornar treinador. Tive outras possibilidades, mas essa aqui foi a mais interessante. Para primeira época, como treinador, para aprender, está a ser muito bom. O ambiente de trabalho é muito bom. As pessoas são humildes, trabalhadoras. Convivemos com as pessoas que estão a fazer a reconstrução do estádio aqui desde o início e é sempre um ambiente muito bom. Nos jogos, as pessoas vêm apoiar o clube da terra. Sentimos sempre o carinho deles. É pena não conseguirmos dar um bocado mais do que nós estamos a dar, mas pronto, isso é futebol. Sabemos que o Cinfães veio do distrital para o Campeonato de Portugal. Era importante fazer uma campanha sólida para daqui a algum tempo o Cinfães pensar em voos maiores», confessou, assumindo que «há muitas diferenças» entre um clube de Primeira Liga e o Cinfães. 

«A primeira é a própria competitividade dentro do plantel. Os plantéis da Primeira Liga são muito mais recheados. Um plantel muito mais homogéneo, com peças de reposição. Sabemos que o contexto do nosso clube aqui, até economicamente, não pode ser assim, dado a estar no Campeonato de Portugal. Dentro das nossas possibilidades, tentámos equiparar o plantel. Nem sempre é fácil fazer isso. Na Primeira Liga é mais fácil», completou. 

«Vivo mesmo o Cinfães» 

Assis chegou ao Cinfães no início da época. Além de ser jogador, o lateral-esquerdo é um dos treinadores dos escalões de formação do clube. Assis, que integra o lote de capitães de equipa, é um de cinco brasileiros que fazem parte do plantel cinfanense.  

Tomazi, Everton Kaká, Yan Victor e Gabriel Fraga são os restantes. O contingente de brasileiros em terras de Serpa Pinto chegou a contar com Rafa Fontes e João Victor, que rumaram ao Brasil no decorrer da atual temporada. 

«A adaptação foi muito boa, fui muito bem recebido, tanto no clube como aqui na vila. Tive essa surpresa no início da época e me sinto honrado e orgulhoso por ter sido distinguido como um dos capitães da equipa. Também como sou um dos treinadores da formação, tento dar tudo em prol do clube, porque eu vivo isso aqui todos os dias, eu vivo mesmo o Cinfães. Acredito que ao longo dessa época e de todos os jogos eu deixei tudo dentro de campo e tentei dar o meu melhor em todos os jogos. Eu vivo o clube um bocadinho mais do que os outros. Eu estou ali de manhã, mas também estou ali no fim da tarde junto com eles, junto com os outros treinadores das camadas jovens, junto com as outras equipas, passo ali a conhecer muita gente que vive mesmo o clube há muitos anos e que de certeza vai viver até o fim da sua vida», afirmou Assis, que vive no centro da vila de Cinfães com a esposa.  

O lateral está há oito anos em Portugal e «normalmente» tem ido ao Brasil todos os anos nas férias. Em conversa com o nosso jornal, o futebolista, de 29 anos, lembrou a chegada ao futebol luso. 

«Foi na altura que a equipa que eu tinha contrato no Brasil, que é o Real Brasília, teve a oportunidade de fazer um protocolo com o Pevidém e acabou por começar com dois jogadores, na altura eu era um deles, acabamos por subir o Pevidém da distrital. O protocolo não avançou, mas eu continuei cá em Portugal e já são oito anos aqui a jogar, a viver e agora também a minha esposa já está aqui comigo há dois anos e gosto muito de estar cá. Também já sou um cidadão legalmente português, tenho a dupla nacionalidade, consegui adquirir isso e sinto-me orgulhoso. É um país que me acolheu muito bem, é um país com o qual eu me identifico, com os valores, com o que são as pessoas e estou muito feliz de estar cá», disse. 

Nos 28 jogos, Assis fez as redes abanar por duas ocasiões. A estreia a marcar aconteceu em setembro, num encontro da segunda eliminatória da Taça de Portugal. A jogar em casa, o Cinfães perdia por 0-2 com o Barreirense aos 18’, mas conseguiu uma reviravolta épica. Assis deu início à remontada com um golo de livre. Mboulou Júnior apontou os outros dois tentos. 

«Tenho esse momento presente. Foi um jogo que marcou ao longo da época. É uma daquelas reviravoltas épicas que tivemos ao longo da época. E essa eu lembro-me perfeitamente de chegar ao balneário muito frustrado, muito aziado. Eu acreditava que estávamos a ser melhores na partida, mas estávamos a ficar de fora da eliminatória com o placard de 0-2. E acredito que aquele golo foi fundamental para a nossa reviravolta logo no início da segunda parte. E foi uma emoção incrível. Foi a primeira vez que eu marquei com a minha esposa no estádio. Fiquei muito feliz por poder dedicar-lhe esse golo», atirou Assis.  

«Oportunidade no Cinfães foi um casamento perfeito»

David Martins é um dos três defesas-centrais de raiz que compõem o plantel do Cinfães e o mais novo. A cumprir a primeira época de azul e branco, o jogador de 24 anos assumiu que foi «bem recebido» e destacou o facto de já conhecer alguns colegas.  

«Tinha estado com o Chiquinho duas semanas no Beira-Mar. Já conhecia o Assis e o Rafa [já deixou o clube] do Pedras Salgadas. E conhecia também o Ivo do Vizela e do Lank Vilaverdense.  

«Tive duas épocas muito complicadas e a oportunidade que surgiu aqui no Cinfães sem dúvida que foi um casamento perfeito, porque, primeiro, o mister tem um estilo de jogo que é muito semelhante ao meu. Gosto de ter bola, gosto de jogar e, portanto, acho que correu tudo muito bem. Felizmente tive a minha oportunidade. Acho que também correspondi quando foi preciso e acho que a época tem corrido bem a nível individual e coletivo também», afirmou, elogiando Tomazi e Willian, companheiros de posição. 

«Apesar de ser o mais novo, também já estou numa idade em que já levei muita dura. Já estive também em patamares lá em cima e, portanto, já passei por muito no futebol, apesar de ser ainda novo e acho que o Tomazi e o Willian conseguiram-me ajudar imenso, mesmo em termos de posicionamento e experiência. Deram-me muita confiança, mas acho que também consegui passar alguma coisa para eles e, portanto, acho que temos sido uma grande ajuda uns para os outros», atirou. 

David Martins, mesmo sendo defesa-central, é um dos segundos melhores marcadores do Cinfães com três golos, os mesmos que Miguel Lima e Chiquinho. Mboulou Júnior é, com grande vantagem, o goleador, com 14 tentos.  

Desafiado a escolher se prefere um corte em cima da linha ou um golo no último minuto, David Martins assumiu: «Depende aqui de muitas variáveis, o que é que significa o golo, o que é que significa o corte. Como central, gosto sempre de ter a baliza a zeros, mas vou ser muito sincero. É o primeiro ano da minha vida como sénior em que estou a marcar golos e a sensação de marcar um golo, ainda para mais contra o Marco e contra o Régua foram os golos da vitória, é indescritível.» 

Críticas ao atual modelo do Campeonato de Portugal

Vítor Pereira e Paulo Mendes unem-se nas críticas ao atual modelo competitivo do Campeonato de Portugal, defendendo o regresso a uma prova com três séries: Norte, Centro e Sul. 

«O atual modelo competitivo do Campeonato Nacional, vai desculpar-me o termo, mas é uma vergonha. É impensável. Há 14 equipas. Dessas 14, descem cinco, duas vão lutar para subir de divisão e as outras sete ficam aqui a olhar para o balão até agosto. O Campeonato de Portugal deveria voltar ao modelo antigo, que era Série Norte, Centro e Sul. E ponto final parágrafo. Será o mais correto? Será o melhor? Não sei. Mas melhor que este era de certeza», comentou o presidente cinfanense. 

«O modelo competitivo tem de ser revisto, não só pela paragem, também pelo quadro competitivo, porque ao longo da época há muitas paragens. Nós, felizmente, não fomos usufruindo dessas paragens, porque fomos tendo a Taça de Portugal. Fizemos uma caminhada interessante na Taça de Portugal e acabamos, se não estou em erro, por só usufruir da paragem do Natal, e pouco, e pouco, porque tivemos na altura a Supertaça da Associação de Futebol de Viseu, mas é um modelo competitivo que tem de ser revisto. Estamos a falar de 14 equipas, em que desce 40 por cento das equipas», defendeu Paulo Mendes, acrescentando que os treinadores deveriam ser chamados para debater a questão. 

«Não faz sentido absolutamente nenhum, acho que esta nova direção da Federação Portuguesa de Futebol deveria pensar, repensar, se calhar, chamar as pessoas, e quando digo isto, acho que até quem deviam mesmo chamar eram os treinadores, porque somos nós que pagamos a fatura disto, porque é sempre o elo mais fraco. Deviam reunir os treinadores e tentar recolher uma opinião de qual seria o quadro competitivo mais adequado para esta realidade. Acho que toda a gente defende o mesmo, que seriam as três séries: Norte, Centro e Sul a 18 ou 20 equipas, em que o primeiro classificado subia direto, por exemplo, e os segundos de cada série iam disputar um play-off de subida. Desciam três ou quatro equipas. Se fosse necessário que descessem cinco equipas, estamos a falar em 20, já não fazia tanta moça», atirou. 

Já começo a ouvir e a aperceber-me dos jogadores que dizem ‘o que é que vou fazer neste período?', porque vão receber a meio de abril e depois no final de agosto. Estamos a falar de quatro meses sem receber

O técnico do Cinfães afirmou ainda que o atual modelo do Campeonato de Portugal não permite que haja margem de erro e lembrou os jogadores e até treinadores que ficam «sem receber» durante alguns meses. 

«Bastam dois jogos sem ganhar que já estás condenado, já estás ali na luta, ganhas um jogo, parece que nada serve, e isso dificulta um pouco o trabalho dos treinadores e até mesmo a valorização dos jogadores. E depois há outro pormenor muito importante, que é quem só vive mesmo disto, neste caso jogadores, até mesmo treinadores, não é o meu caso... Eu já começo a ouvir e a aperceber-me dos jogadores que dizem ‘o que é que vou fazer neste período?', porque vão receber a meio de abril e depois no final de agosto. Estamos a falar de quatro meses sem receber. É muito tempo. Acredito que um ou outro vai arranjar alguma solução de part-time, mas são situações desconfortáveis até porque estamos a falar que alguns nem sequer o salário mínimo ganham. É uma realidade que deve ser repensada, porque desde que o futebol é o desporto rei em Portugal e desde que houvesse a situação das três séries, os jogadores tinham um mês de descanso e estamos a falar que esse mês pouco ou nada faria efeito nessa questão económica dos jogadores. Acho que é um assunto que deve ser repensado», disse. 

E se surgir oportunidade, o jogador quando chegar à pré-época não vai estar com o ritmo competitivo que os clubes já lá estão

A nível profissional há muitos jogadores a queixarem-se do excesso de jogos e do calendário sobrecarregado. Nos escalões mais abaixo acontece o contrário. 

«O Campeonato de Portugal é chamado o Campeonato das Oportunidades. E se surgir oportunidade, o jogador quando chegar à pré-época não vai estar com o ritmo competitivo que os clubes já lá estão. A sua integração, à partida, pode ser mais difícil, são pormenores, porque treinar é uma coisa, treinar fora com um PT, fazer o off-season é outra, e o jogar é que dá o ritmo do jogo, porque podes treinar todos os dias, podes não ter nenhuma lesão, podes não ser opção para o treinador, porque quando entrares num jogo, vais aguentar 60, 65 minutos e estouras, porque o ritmo do jogo é completamente diferente», completou Paulo Mendes, que elogiou a criação da Liga 3

«Acho que a Liga 3 foi muito bem criada, foi um grande projeto. Se formos a ver, a Liga 3 veio profissionalizar um bocadinho a transição para os campeonatos profissionais e esse foi um passo muito interessante. Anteriormente, quem subia do Campeonato de Portugal à Liga 2 notava-se muita falta de experiência e de profissionalização das estruturas. As equipas que acabavam por ir, acabavam quase por descer. Poucas eram as que se aguentavam. Neste momento, as equipas que estão a subir da Liga 3 para a Liga 2 estão com sustento», afirmou. 

«Cinfães é claramente de gentes de trabalho e nós temos que representar isso» 

A BOLA desafiou Paulo Mendes e David Martins a definir Cinfães e as respostas são bastante semelhantes. 

«É uma terra acolhedora, uma vila bastante acolhedora e eu defino sempre isto para os jogadores. Nós aqui podemos jogar mal, mas se corremos mais e trabalhamos mais que os outros, estamos a representar bem as gentes de Cinfães, porque são gente de trabalho, nomeadamente constituída por gentes de classe operária, gente de trabalho, gente que vem do nada, que cresceu na vida a pulso, ou seja, identificam-se com este tipo de valores. E isto também é uma coisa importante para os treinadores e para os jogadores, que é perceberem o contexto onde estão inseridos. Se estamos inseridos num contexto de pessoas que crescem na vida com muito trabalho, com muito sacrifício, nós temos de ter essa postura em campo. Se nós estamos numa zona em que é gente doutorada, nós já temos que ter outro tipo de postura e temos de ter esta capacidade de nos adaptarmos. E Cinfães é claramente de gentes de trabalho e nós temos que representar isso e trabalhar sempre muito mais que os outros dentro de campo», referiu Paulo Mendes.

«Cinfães em duas ou três palavras? Além da gastronomia, que se come bem (risos)... Trabalho e sacrifício. Acho que são as palavras que representam esta vila», completou. 

David Martins destacou que se identifica muito com as pessoas de Cinfães: «Em Pedras Salgadas acho que tive uma experiência muito semelhante, em Cinfães as pessoas são muito corretas, muito simpáticas, muito acolhedoras, exigentes também na bancada e com razão, porque o clube e a estrutura dão-nos tudo o que é preciso para termos sucesso. É gente muito humilde, gente de trabalho e é gente com quem eu me identifico muito.»

Dúvidas quanto ao futuro e fim de ciclo

Vítor Pereira está no final no mandato de dois anos e a recandidatura é uma incerteza. 

«A direção foi eleita por dois anos. Mal acabe o Campeonato de Portugal, vou falar com o meu presidente da Assembleia e vou solicitar que seja convocado uma Assembleia Geral com o único ponto de ordem para a eleição dos novos corpos gerentes, confessou, falando numa «concorrência desleal». 

«Na próxima época, sendo eu [presidente]... Não estou a dizer que não sou, mas se hoje fossem as eleições eu não estaria disponível. Daqui até junho muitas coisas irão mudar com toda a certeza, mas o Cinfães não ficará sem direção. Se for eu, o objetivo principal e único será, mal garanta a manutenção, a subida à Liga 3. Não faz mais sentido. Mas isto tem de ter uma conjugação de fatores. O tecido empresarial do concelho tem de estar muito mais com o clube, porque não é fácil e nós temos uma concorrência desleal. Os clubes que estão à nossa frente: o Salgueiros tem SAD, Marco e Leça também, o União de Lamas tem o apoio, segundo quanto sei, da família Amorim. Temos o Guarda que é SAD. As equipas da Madeira, enquanto nós pagamos as viagens a 300 euros por pessoa, eles têm a 70 ou 80. Portanto, é uma concorrência desleal. Depois há municípios que dão uma pipa de dinheiro para os clubes. O Cinfães hoje em dia já gasta uma pequena fortuna para fazer face a 250 atletas, que é mais ou menos isso que o clube movimenta», explicou. 

Do lado de Paulo Mendes há uma certeza: vai deixar o Cinfães no final desta temporada. 

«Esta é a minha última época. É uma decisão que já está tomada. A direção já sabe», confirmou, deixando claro que não tem qualquer projeto em vista. 

«Não tenho abordagem nenhuma, não tenho qualquer proposta. Simplesmente acho que é um fim de ciclo. Já não é bom para o Paulo, treinador, nem é bom para o Cinfães ser o Paulo o treinador. Vão-se criando sempre alguns vícios e quando se começam a criar alguns vícios não é bom para ambas as partes. Acho que é bom para a direção e para o clube ter outra pessoa com outras ideias e que pense de forma diferente. Como também é bom para o Paulo ser liderado por outras pessoas e passar por outros desafios, vivenciar outras coisas, outras dinâmicas. O meu foco é deixar o Cinfães bem para que as pessoas possam trabalhar a próxima época de uma forma ainda mais positiva do que foi esta», recordando a chegada a Cinfães, em 2019. 

«Deixo o clube até melhor de como o apanhei. Na altura apanhei isto completamente desmoronado. E, nesta altura, deixo o clube estruturado. Saio com três títulos. Tenho o amargo de boca de não ter vencido a Supertaça [da Associação de Futebol de Viseu]. Mas fui campeão, venci as duas Taças Sócios de Mérito e fizemos uma época tranquila», acrescentou.