O ex-árbitro internacional Duarte Gomes escreve sobre o que diz serem os novos tempos da arbitragem e os passos que a estutura está a dar para demonstrar a seriedade das suas intenções, contribuindo para um discurso menos tóxico
“Para quê? Já sabemos todos como vai ser: 11 contra 12 e ainda vai expulsar-nos dois ou três. É limpinho, vais ver!”
A resposta foi esta. A pergunta? “ Então, pá, confiante para o jogo de logo?”
O Luís respondeu aquilo que sentia e pareceu sincero. A verdade é que, tal como ele, muitos adeptos têm essa perceção dos árbitros. A maioria até. Estão convencidos que são quase todos incompetentes e alguns até desonestos.
A pergunta é... porquê?
Porque é que têm essa opinião? Porque é que pensam assim? De onde nasceu essa desconfiança, esse estigma?
A resposta é mais complexa do que parece, por ter demasiados fatores a considerar. Há questões de natureza técnica - para tantos, os árbitros são apenas fracos - e questões de ordem ideológica, social e cultural, que não podem ser negligenciadas.
Independentemente disso, o que me parece claro é o seguinte: a arbitragem é também responsável por este estado das coisas.
É muito fácil apontar o dedo à nossa latinidade ou à falta de educação desportiva de uns quantos para justificar a visão, mas o mais importante é ter a humildade de olhar para dentro e perceber o que se fez de errado.
E a verdade é que, durante décadas, a arbitragem foi refém do seu próprio silêncio, cavando a duas mãos o fosso onde agora tantos a enterram.
Não é preciso ser inteligente para perceber que a comunicação é cada vez mais importante na forma como são moldadas opiniões. Na forma como se diluem suspeitas tantas vezes infundadas. Além dela, também o estreitar de relações via aproximação, a transparência de processos e o esclarecimento simples e honesto. Todos são fundamentais para encurtar distâncias, diluindo a confusão entre realidade e a sua perceção.
A estratégia do “não falo, não comento” que a estrutura abraçou durante décadas redundou apenas no reforço da suspeita, alimentando especulações tantas vezes desnecessárias. O silêncio só é prudente quando o seu oposto não se impõe.
A boa notícia é que isso vai mudar, porque estes são outros tempos.
As pessoas poderão continuar a detestar árbitros, a desconfiar das nomeações, a achar que há processos perversos em tudo o que diz respeito à arbitragem. O que nunca mais vão poder dizer é que não há diálogo ativo, não há explicações sinceras, não há clareza de procedimentos.
Esse passo será seguramente o primeiro de muitos que a estrutura dará para demonstrar a seriedade das suas intenções, contribuindo para um discurso menos tóxico.
Os outros, de foro mais interno, são também óbvios: a melhorias gradual das condições de trabalho e a firmeza na defesa e proteção dos seus agentes, que legitimará o aumento de exigência sobre cada árbitro, árbitro assistente ou vídeo árbitro.
Há muito para melhorar em matéria de treino, de preparação e de foco na tarefa. Há espaço para crescer em termos de exigência, rigor e responsabilidade. E será o casamento perfeito de todas estas variáveis, alimentado de forma sustentada e ponderada, que nascerá a certeza de que a arbitragem portuguesa entregará mais e melhor.
Continuará a haver penáltis mal avaliados e lances mal analisados. A conversa de café não perderá espaço e o jogo continuará a ser apaixonante e discutido em todo o lado. O que não se poderá voltar a dizer é que o mundo da arbitragem é um universo fechado, sobre o qual pouco ou nada se sabe. Chega disso.
Um passo de cada vez, mas todos na direção certa.
PS - Defendo que devíamos ter comentadores estrangeiros na semana de grandes jogos. Acho importante termos pessoas equidistantes na análise, que não tenham vícios de comentários passados ou familiaridades pessoais conhecidas. A imagem e credibilidade do jogo também se joga de fora para dentro.
Infelizmente não é possível.