Ao primeiro passo que se dá em Wembley, a sola das chuteiras deve enviar uma notificação para que todo o corpo fique ciente da grandeza do santuário. Para a seleção inglesa, aquele não é apenas um dos locais onde estão as reservas mundiais de aura. Debaixo da obra de jardinagem, as próprias jogadoras têm a sua história cultivada.

Três anos depois de se sagrarem campeãs da Europa, as Lionesses receberam Portugal naquela que se tornou a mansão habitual dos seus jogos. Unicamente familiarizada com os palcos mais discretos em que costuma acolher as visitas das delegações estrangeiras independentemente do gabarito das mesmas, a equipa de Francisco Neto sentiu a imensidão de 90.000 cadeiras a constrangerem o seu futebol e de lá saiu goleada (6-0).

Por muitos passos que tenha dado em frente, por vezes, a seleção nacional ainda tem normais colapsos contra adversários do nível da Inglaterra. Com novo desaire e após dois jogos frente à Espanha dos quais saiu igualmente com zero pontos, Portugal ainda tem trabalho a fazer na última jornada do grupo 3.

Diante da Bélgica, as Navegadoras só não podem perder para garantirem o terceiro lugar, o único ao qual podem aspirar e que permite participar num playoff de manutenção na Divisão A da Liga das Nações. As contas não seriam tão apertadas se Portugal tivesse pontuado em Wembley. Sabendo-se o que se sabe sobre como o jogo decorreu, pode parecer uma utopia. No entanto, porque a grandiosidade do feito não nos deixa esquecê-lo, o primeiro duelo entre as equipas deu em empate.

Nesta visita à moradia das inglesas, Portugal bateu logo com o dedo mindinho na perna de um móvel e aos cinco minutos já perdia por 2-0. Dentro da periclitante entrada, as jogadoras de Sarina Wiegman impuseram temor, mordendo as adversárias com os pitons afiados. Para não ser ferrada pela pressão de Jess Park, Andreia Norton cedeu à chantagem e entregou a bola ao bandido. O local da perda, propício à finalização, levou Aggie Beever-Jones a não perder tempo a fazer o primeiro remate de sucesso dos vários que viria a conseguir.

Catherine Ivill - AMA

Se a Inglaterra tinha energia que nunca mais acabava, então Lauren Hemp era a bateria. Aquele rígido rosto, sério desde o 0-0 até ao resultado final, assombrou Ana Borges e quem tentou dobrar a lateral. Com um posicionamento aberto, propício ao cruzamento, dirigiu a bola até à área onde a manta esburacada de Portugal não impediu que Lucy Bronze aumentasse a contagem. Não houve reação até porque as Navegadoras raramente conseguiram passar do meio-campo. Ao dispor, Portugal teve apenas um lance ocasional, em que Andreia Norton cabeceou ao poste, controlado por Hannah Hampton, a substituir a reformada surpreendente, Mary Earps.

Aggie Beever-Jones dava seguimento à exibição de capacidades várias. Marcou pelo chão, serviu de referência no apoio frontal, finalizou de cabeça e até no ataque à profundidade - numa das poucas vezes que Portugal subiu o bloco, já depois da meia hora - concluiu jogadas. Aos 33 minutos, a avançada do Chelsea tinha já rubricado um hat-trick. À agilidade das centrocampistas interiores, Grace Clinton e Jess Park, juntava-se a disciplina das defesas cujo posicionamento era guiado pela linha do meio-campo. Beth Mead também marcaria numa primeira parte (5-0) tenebrosa para Portugal.

A Inglaterra deixou de se vangloriar com o ritmo do seu desempenho e, aconchegando a bola, tornou o jogo mais tépido. Francisco Neto trouxe Jéssica Silva, recuperada de um problema no olho, para a segunda parte. O técnico estreou também Carolina Correia num destroçado contexto.

Catherine Ivill - AMA

Na ressaca dos festejos da Liga dos Campeões conquistada pelo Arsenal, Chloe Kelly mostrou-se completamente recuperada. Foi uma das jogadoras lançadas por Sarina Wiegman, que também alinhou no corrupio de substituições, e voltou a marcar no sítio onde foi autora do golo que deu o Euro 2022 às Lionesses. Melhor engenho lhe faltou quando caiu na sua cabeça o ressalto de um livre à barra de Alex Greenwood.

Ainda que a superioridade da Inglaterra tenha sido imensa, o manifesto de Portugal para este jogo foi escrito com hieróglifos que ninguém foi capaz de interpretar. Francisco Neto quis associar a Liga das Nações à preparação para o Euro 2025. Assim sendo, não havia pior momento para viver um mau momento, pois a seleção parece não estar em condições de, em julho, competir num grupo com Espanha, Itália e Bélgica. É preciso elevar o nível. Alguém tem por aí um trampolim?