Na minha modesta opinião, Lamine Yamal é o único génio que o futebol tem neste momento. Há muitíssimos bons jogadores que se podem sentar na mesma mesa que o jovem prodígio espanhol (como Mbappé, Vinicius Júnior, Raphinha, Nico Williams, Musiala, Wirtz, Julián Álvarez, entre outros…), mas este miúdo está num patamar que é só seu.

Não incluí Messi nesse lote, porque neste momento o mágico argentino decidiu ir jogar para um futebol menos competitivo e está a chegar ao fim da sua carreira. Se mantiver a consistência e a humildade (e caso se veja privado de lesões graves, que possam comprometer o seu crescimento), estaremos na presença de um talento geracional e num dos melhores jogadores de todos os tempos.

É arriscado fazer esta afirmação quando Yamal está apenas no início de uma carreira que se prevê bastante auspiciosa e exitosa? Talvez seja.

Mas não fui contemporâneo de Pelé (que ganhou um Mundial com essa idade), por isso não posso fazer uma análise concreta do que era Pelé com 17 anos, mas como este miúdo a esta idade eu nunca vi igual.

Sou um fã incondicional do futebol de Leo Messi, mas nem Messi, nem Ronaldo Fenómeno (aquele a quem as lesões o impediram de ser The Goat) apresentavam tantas qualidades com a mesma idade que Lamine Yamal tem neste momento.

A maturidade com que Lamine joga é um caso digno de estudo. À sua irreverência e talento natural, alia já uma inteligência de jogo acima da média. Sabe quando acelerar, sabe quando contemporizar, é um extremo entusiasmante que adora encarar os seus adversários, mas é também alguém que desfruta quando dá uma assistência ao seu companheiro.

Os números de Lamine Yamal este ano são absolutamente absurdos. Até ao momento, são 14 golos e 19 assistências para um jogador que nem há 2 anos atrás, estava a disputar o Euro Sub-17 e que ainda não se tinha estreado pela equipa principal do Barcelona.

Uma ascensão meteórica desde a sua estreia pelo Barcelona a 29 de Abril de 2023 contra o Real Bétis, quando ainda tinha apenas 15 (!) anos. Naquele jogo, foram apenas sete minutos os que Xavi lhe concedeu, mas mal entrou, mostrou ao que vinha e esteve próximo de se estrear a marcar, mesmo com esse ínfimo tempo de utilização.

Na época 2023/2024, Xavi rendeu-se ao seu talento e subiu-o ao plantel principal, e Yamal demonstrou logo que não estávamos perante um talento fugaz, como Munir El Haddadi, Bojan Krkic, ou um Ansu Fati muito fustigado pelas lesões.

Na época transacta, Lamine já tinha demonstrado o seu verdadeiro potencial. Ganhou a titularidade praticamente no segundo mês de competição, e não mais a largou, impondo o seu talento e destacando-se como o melhor jogador da equipa blaugrana, num ano tão convulso e complexo em Can Barça.

Um clube que vive uma grave crise financeira, e que tem obrigatoriamente que fazer uso dos seus talentos de La Masia, para ter uma equipa que possa competir dignamente por um escudo tão representativo, como o do Barcelona.

Tanto Yamal como o jovem central Pau Cubarsí têm demonstrado estar à altura da exigência de um clube como o do Barcelona, e só isso já seriam palavras maiores para descrever o potencial de ambos.

Mas voltando a Lamine Yamal, no ano passado o desconcertante extremo espanhol já tinha conseguido marcar 10 golos e feito 14 assistências, o que já seriam números fantásticos para alguém que apenas tinha 16 anos.

No fim dessa época, foi convocado pela Espanha para o Euro 2024 e com essa tenra idade, foi indubitavelmente um dos jogadores em maior destaque nessa competição e a par de Rodri, muito provavelmente o jogador mais decisivo de uma seleção espanhola, que se sagrou campeã europeia, depois de um percurso histórico, derrotando seleções como a Itália, a Alemanha, a França e a Inglaterra para se sagrar numa das melhores seleções campeãs europeias dos últimos anos.

O estilo de jogo implementado pelo seleccionador Luis de la Fuente e a liberdade que este concede aos seus jogadores, fez com que Lamine pudesse exprimir todo o seu potencial e apesar de ser apenas um adolescente, já ficou classificado entre os 10 (!) melhores jogadores do mundo na votação para a Bola de Ouro.

Dessa competição, não posso deixar de destacar o golo sumptuoso que Lamine marcou contra a França. Na véspera do jogo, o internacional francês Adrien Rabiot resolveu falar de forma despectiva e teve a ousadia de desafiar Lamine Yamal a demonstrar o seu potencial em jogos contra adversários mais fortes.

A resposta da Lamine foi dada em campo (como é seu apanágio), e literalmente deu uma lição a Rabiot a todos aqueles que consideraram que a melhor forma de o desequilibrar, seria com estes famosos mind games.

A exibição de Lamine nesse jogo é algo para mostrar a todos os jovens que iniciam agora as suas carreiras, e ainda bailou o pobre do Rabiot com uma finta de corpo estonteante que desconcertou o médio francês, marcando em seguida um golo sublime com o seu bendito pé esquerdo, naquele que para mim devia ter ganho o Prémio Puskas.

Com apenas 16 anos (faria 17 poucos dias depois), literalmente carregou toda uma seleção às costas e fez um jogo extraordinário num momento de tamanha magnitude. Encarou os adversários, não se intimidou, driblou-os, jogou com o relógio, sofreu faltas, enlouquecendo os jogadores franceses, que não encontraram nenhum antídoto para travar aquele miúdo.

Lamine joga como se estivesse no pátio do seu bairro de Rocafonda (uma zona bem problemática nos arredores de Barcelona) e que este homenageia sempre que marca um golo assinalando 304 com os seus dedos, que representa os últimos dígitos do código postal dessa zona catalã.

Depois de se sagrar campeão europeu de seleções, muitos consideravam que poderia haver uma quebra de rendimento do jovem espanhol (o que seria natural tendo em conta a sua idade), mas Lamine é insaciável e é extremamente ambicioso.

É consciente das suas qualidades e demonstra uma maturidade impressionante para alguém que tem apenas 17 anos, que ainda vive em La Masia (com todos os seus colegas de formação) e que continua a demonstrar uma capacidade de trabalho digna de todos os elogios.

Lamine raramente é substituído, já conhece o seu corpo e sabe dosear o seu esforço, tal como admitiu o próprio Hansi Flick. Ainda tem uma enorme margem de progressão, e se continuar esta evolução, serão vários os prémios individuais que irá colecionar, e não apenas o Golden Boy (que premeia o melhor jogador jovem do mundo) que conquistou no ano passado.

Temos plena consciência de que os prémios individuais estarão sempre associados às conquistas coletivas, pelo que este ano, Lamine já poderá estar bem perto de ser eleito o melhor jogador do mundo, apesar do Barcelona não disputar a primeira edição do Campeonato do Mundo de Clubes.

Por qualidade de jogo e pela sua influência nos jogos mais decisivos do seu clube e da seleção, caso mantenha este nível exibicional nas rondas finais da Champions League e consiga ganhar o campeonato espanhol e a Taça do Rei, acredito que a Bola de Ouro já está entregue, apesar do excelente rendimento do seu colega Raphinha.

Nos últimos anos, o futebol tem-se tornado cada vez mais tático e mais aborrecido de ver. Os adeptos neutros já têm bastante dificuldade em acompanhar integralmente um jogo de futebol. Na formação, os jogadores já são formatados a jogar de uma determinada maneira, o seu talento é coarctado em função do equilíbrio da equipa.

Entendo que o futebol é um jogo colectivo, mas sempre houve génios no futebol, e o futebol será sempre decidido em última instância por aqueles que desequilibram, por aqueles que se sobressaem.

Por acaso Ronaldinho Gaúcho defendia? Não. Ronaldo Fenómeno? Também não. Cristiano Ronaldo e Messi? Muito menos. Zidane no início da sua carreira? Não. Maradona? Não. Pelé? Jamais. Eusébio? Não. Cruijff? Também não.

Ou seja, com isto quero dizer que a generalidade dos maiores craques mundiais de todos os tempos, destacavam-se pela sua genialidade naquilo que eram mais fortes: o momento ofensivo do jogo, através de golos, assistências e lances antológicos. Cada jogador tem as suas qualidades e características e essas devem ser respeitadas. Quanto mais feliz e motivado um jogador estiver, mais confortável estará e melhor se vai exibir.

Lamine já é aquele jogador que sobressai por cima do seu colectivo, não deixando com isso de ser um jogador de equipa, sendo que as suas tomadas de decisão são geralmente as mais correctas. Neste momento, adquiriu o estatuto de estrela mundial e assume-o com total naturalidade, continuando a divertir-se em campo e parecendo não acusar o peso da responsabilidade.

Chega por vezes a ser insultuosa a superioridade com que joga perante alguns jogadores muitíssimo mais velhos e experientes. E isso só está ao alcance de um dos elegidos, de um predestinado, de alguém a quem lhe foi concedido um dom e Lamine desfruta ao máximo do mesmo.

Espero honestamente que durante a sua carreira, seja essencialmente comandado por treinadores que entendam o seu futebol, como Hansi Flick e Luis de la Fuente.

Jogadores fantasistas como Lamine Yamal, são os que fazem levantar os adeptos dos seus assentos, são os que inclusive conseguem ser aplaudidos por adeptos rivais, e os que concedem uma beleza extra ao desporto que ainda é considerado o desporto rei. E digo “ainda” de uma forma plausível. Se continuarem a formatar os jogadores, se não lhes concederem a liberdade para poderem errar e exprimir todo o seu futebol, continuaremos a assistir a equipas que apresentam um futebol medíocre e quase impossível de se assistir.

E refiro-me em concreto a equipas que têm matéria-prima para poderem exibir uma qualidade de jogo muito superior e não o fazem porque os seus treinadores só se focam no “resultadismo”, como os maiores rivais do Barcelona: Real Madrid e Atlético de Madrid.

É legítima essa estratégia? Claro que é, caso esta colha frutos. No caso do Real Madrid, tem colhido nos últimos anos e contra factos não há argumentos, embora o futebol apresentado seja geralmente paupérrimo. Mas perguntem a qualquer adepto que não seja do Real Madrid, se se diverte a ver os jogos da equipa de Carlo Ancelotti. Acredito que a resposta será quase consensual.

No futebol, o que importa é ganhar? Sim, é verdade. Mas eu aprendi a amar futebol com a Dream Team do Barcelona de Cruijff em 1992. Essa equipa foi goleada pelo Milan de Arrigo Sacchi na final da Liga dos Campeões com um humilhante e indecoroso 4-0.

A seleção brasileira do Mundial de 1982 é considerada por muitos uma das melhores equipas de sempre, e não ganhou nada também. O legado que as equipas deixaram é tão ou mais importante do que os títulos conquistados, pelo menos essa é e sempre será a minha linha de pensamento, respeitando as demais obviamente.

O futebol necessita de voltar às suas origens, e os treinadores de deixarem florescer o talento dos seus jogadores. Recentemente, ouvi uma declaração que me deixou profundamente agastado. Essa foi proferida pelo nosso selecionador nacional Roberto Martínez.

Quando questionado sobre um jornalista sobre a não utilização de Geovany Quenda nos últimos dois jogos da nossa seleção no duplo confronto com a Dinamarca para a Liga dos Nações, Martínez disse o seguinte: “Quenda tem imenso potencial, tem trabalhado muito bem, fico muito feliz por ver como ele está a desfrutar destes momentos com jogadores com mais de 100 internacionalizações.”

Geovany Quenda é titularíssimo de uma das melhores equipas portuguesas, já realizou exibições fantásticas nesta edição da Liga dos Campeões e foi recentemente vendido aos ingleses do Chelsea. E vem o nosso selecionador tecer considerações destas?

Esta declaração é do mais inexplicável que pode haver e que contribui grandemente para o estado atual da nossa seleção, que não joga nem sequer próximo do potencial dos seus jogadores. E a responsabilidade é apenas e só de um treinador pouco corajoso e com um défice gigante de liderança. E eu dou por mim a pensar daquilo que os adeptos do futebol estariam privados se Xavi e Flick tivessem pensado da mesma forma em relação a Lamine Yamal.

Claro que os jogadores devem ser protegidos (muito mais quando são tão jovens) e a sua evolução deve ser acompanhada, mas já se apresentam uma qualidade igual ou até superior aos demais, qual é a razão objetiva para não fazer uso desses talentos? Não há nenhuma resposta plausível e minimamente aceitável para esta pergunta.

O problema é que Martínez representa o pensamento generalizado das melhores equipas e seleções a nível mundial, e enquanto assim for, continuaremos a ter espetáculos penosos de assistir, jogos soporíferos, e jogadores cujo talento é severamente desperdiçado. Quem fica prejudicado com tudo isso é o próprio jogador em primeiro lugar, mas igualmente os adeptos que amam este desporto, como é o meu caso.

No caso de Lamine Yamal, felizmente tem sido beneficiado por quem o comanda. Os seus treinadores reconhecem o seu enorme talento e potenciam-no ao máximo. Inclusive os seus companheiros de equipa se rendem a tudo aquilo que demonstra em campo.

No final do jogo com a Holanda para a Liga das Nações (no qual Yamal voltou a marcar um golo de antologia num momento decisivo da partida), Pedri, o seu companheiro de equipa e de seleção, afirmou o seguinte sobre Lamine: “Sim, também lhe dou um puxão de orelhas quando é necessário. Mas o mais importante é que ele continue assim. A ser feliz a divertir-se em campo com uma bola nos pés.”

Como craque mundial, Lamine será igualmente sempre alvo de críticas. Implicam com o seu penteado, com as suas dancinhas, com o fato de usar os calções um pouco abaixo da cintura (o que foste dizer, caro Van der Vaart), e inclusive com o facto de sorrir para os seus adversários, pois consideram que é demonstrativo da sua falta de humildade e de já se sentir superior aos demais.

A esses detratores do jovem espanhol, é conveniente que lhes seja explicado que apesar de se comportar anormalmente como um adulto em campo (o que deveria ser enaltecido), fora do campo Lamine é apenas um adolescente de 17 anos, que faz coisas normais de pessoas da sua idade, que nasceu na era das redes sociais e que é assim que os jovens destas novas gerações se expressam.

É Lamine desrespeitoso em campo? Não é. É Lamine provocador? Não é. É Lamine individualista? Na generalidade dos casos, não é. Há jogadores bem mais experientes do que ele que têm comportamentos bem mais condenáveis dentro do campo e até fora dele do que os de Lamine (já que dentro do campo, Yamal tem um comportamento exemplar), mas o jovem prodígio tem conseguido lidar com essas críticas, respondendo da melhor forma possível: com a bola nos pés.

Lamine tem imensa personalidade, e jamais deixa de aparecer nos jogos em que todo o foco está nele e que a precisa mais de que seja ele a tirar um coelho da cartola. E isso é que o diferencia dos demais. Lamine tem um nível exibicional bastante regular, mas transcende-se nos jogos onde as estrelas são chamadas a aparecer e a decidir.

Quando melhorar a sua finalização (ainda abusa demasiado do remate em rosca, depois de flectir da direita para o meio) e aumentar a sua capacidade goleadora, estaremos perante um dos maiores talentos de todos os tempos.

Trivelas, passes de ruptura, visão de jogo, drible, inteligência de movimentação, um pé esquerdo abençoado. O jogo bonito está de volta e o seu expoente máximo é Lamine Yamal, um dos poucos que rema contra a maré e tenta combater a mediocridade que se instalou no futebol.