
O campo praticamente não tem bancadas, parece simplesmente um pedaço de relva com balizas e linhas brancas pintadas. No horizonte, quase só copas de árvores. A realização, antes de as equipas entrarem, centra o plano, durante largos segundos, apenas numa simpática vivenda mesmo ali ao lado. Há adolescentes a quem os calções ficam a boiar. Tocam os hinos. Quando é o português, uma câmara aponta ao banco de suplentes da seleção nacional. No meio da fileira de abraços, em pé e com encaracolada cabeleira, está um rapazito de lábios quietos, a olhar repetidamente para os colegas do lado, observando o que eles fazem.
O rudimentar grafismo da transmissão não tarda a identificá-lo, arcaico no aspeto, discreto na relevância: “7 Dos Santos.” Apresentado como tal, roça a completa discrição, mas a mistela de tanta coisa trazida a reboque, há muito tempo, pelo miúdo em questão é o que envolve uma pequena vila do norte da Croácia de desproporcional relevância. Nesta solarenga terça-feira, lá na verdejante Sveti Martin Na Muri onde se congregam gaiatos de várias seleções sub-15 para um torneio do mais amigável que poderia haver, está o filho do futebolista mais famoso do planeta, sem nicos de dúvida se escala for a dos seguidores nas redes sociais.
Sem honras de ser titular, o visado de feições tímidas teve de esperar até aos 54 minutos. Quando entrou no jogo, a realização tornou visível um “Cristiano dos Santos”. Nem 60 segundos passados, um grito já rasgara a banda sonora uma dezena de vezes, audível o trato que o adolescente prefere ter. “Ó Júnior! Júnior!”, ouvia-se ser repetido no banco de Portugal, presumivelmente pela voz de João Santos, o treinador. A seleção já vencia por 3-0, os golos por inteiro de Rafael Cabral, jovem de uma equipa portuguesa, o SC Braga, igual aos restantes titulares. O filho de nós sabemos quem, com pontapés na bola dados na formação da Juventus, Manchester United e Al-Nassr, é um de três vindos de clubes estrangeiros.
Bastante alto para a idade, as meias erguidas a dois terços da canela, o filho Cristiano foi para onde o pai Cristiano, por sua vez filho de Dolores Aveiro que lá esteve a assistir, na pacata localidade da Croácia, conheceu a sua génese no futebol. Fixou-se na esquerda do ataque. Os seus dois primeiros toques na bola serviram para desarmar adversários e cortá-la para fora, em cinco minutos o Júnior jogou, defendendo, mas a sua terceira intervenção já foi atacante, dentro do meio-campo adversário e para lançar um jogador com um passe curto. A quarta culminou em perda de bola, com um passe errado, o quinto deu-o com a cabeça e adiante por este injusto trilho poderia seguir a infortunada escalpelização das intervenções de Cristianinho, outro nome pelo qual é conhecido.
Foi este o primeiro dos seus jogos por seleções nacionais, o futuro guarda se algum dia, breve ou longínquo, lhe calhará jogar em equipas portuguesas, ou europeias, para mais perto ficar do olho geral do público. Chegando esse dia, Júnior, ou Dos Santos, ou Cristianinho ou outro nome que eventualmente escolha irá lidar com o tratamento aplicado à prole de qualquer estrela do futebol, na ânsia de saciar a máquina invisível da fama: lembrá-lo que é filho de quem é através da atenção e curiosidade monstras que atrai, inevitavelmente também pelas comparações com o pai.
Nenhum projeto de pessoa de 14 anos, quase 15, com jeito para jogar à bola, pois isto ainda não é futebol, está programada para tal. Portugal ainda marcaria outro golo, o Japão conseguiria um seu, a seleção venceu 4-1 e Cristiano Ronaldo dos Santos Júnior permaneceu discreto, a correr bastante para trás, laborioso a defender, esforçado a cumprir as indicações que continuaram a ser berradas. Os sub-15 nacionais terão mais dois jogos, um na quarta-feira, outro na sexta, neste de outro modo incógnito torneio anual atrás do sol-posto na Croácia, onde, num mundo ideal, os miúdos lá estão apenas para se divertirem.
No final do encontro, publicado para os seus mais de 630 milhões de seguidores, o Cristiano Ronaldo original escrevia, no Instagram: “Parabéns pela estreia por Portugal, filho. Muito orgulho em ti!” Várias fotos do seu mais velho acompanharam a mensagem. Raro será o jornal ou canal de televisão no mundo a ignorar a sua estreia, ou a não ter dado atenção à sua estreia em convocatórias das seleções nacionais. Por enquanto, nada é culpa de Cristiano dos Santos, nem de Cristianinho, ou do Júnior. Ele já conhecia a fama, impossível que assim não fosse. Agora introduziu um pretexto futebolístico para essa fama o visitar mais vezes.