Como surge o Racing Power no seu percurso? Porquê o interesse em Portugal e neste clube em particular?

Creio que o Racing Power é um projeto de êxito, distinto do que há em muitos países. Um projeto de um empreendedor que decide montar um clube e que, em menos de nada, o converte no terceiro classificado da Liga portuguesa, sem ter os recursos e o apoio de uma equipa masculina, como o Benfica, o FC Porto ou o SC Braga. Então, é um projeto similar ao que criei e levei ao passo seguinte, que foi o CD Tacón, que se converteu na equipa feminina do Real Madrid.
O toque pessoal de algo que é inédito e um caso de êxito no futebol feminino mundial como é o Racing Power irá, no futuro, estudar-se nas universidades. Assim em conversa com o proprietário do clube, Ismael Duarte, acordámos unir forças para tentar fazer algo que, neste momento, ninguém fez, que é fazer um projeto internacional pela base, independente, sem qualquer apoio do futebol masculino, e convertê-lo numa referência do futebol mundial. Atualmente, o Racing Power é uma referência no futebol feminino português e inclusivamente ibérico.

Está ligado à criação da equipa feminina do Real Madrid, como um dos seus fundadores do Tacón, o clube que originalmente existia. Como se deu a sua origem e como era o futebol espanhol nessa altura?

Sim, fui um dos fundadores. Profissionalmente, sempre trabalhei em projetos relacionados com o papel do negócio e da estratégia e é essa a minha função aqui, colaborar com o Ismael Duarte no desenvolvimento da sua estratégia, expansão e consolidação. Em 2013, seguiu-se uma série de circunstâncias: conheci a Ana
Rossell, que é a outra co-fundadora do Tacón, e já tinha uma série de projetos na cabeça. Conhecemo-nos através de outros profissionais e depois as coisas começam a fazer sentido num mundo em que o futebol feminino, em Espanha, estava numa situação totalmente precária e ao abandono. Vivemos não só a transformação e o crescimento do Tacón e a concretização do Real Madrid, assim como no futebol feminino a converter-se numa referência pelos motivos que é.

Foram conversas fáceis para chegar a esse desfecho de abrir a equipa feminina do Real Madrid?

Já se passaram 11 anos desde que começámos os contactos com o Real Madrid. O nosso primeiro contacto foi numa chamada com José Ángel Sánchez (ndr: diretor geral do Real Madrid), a sua secretária, a 1 de novembro de 2013 para marcar uma reunião. Chegámos a essa reunião por algo que eu tinha escrito num guardanapo, como o contrato de Zidane, e dei-o ao responsável pela segurança de Florentino Pérez para que lhe dissesse que lhe queríamos falar sobre um projeto para futebol feminino.
Já contei esta história num artigo da minha autoria no ABC, é assim que começa a criação do Real Madrid. Começámos [ndr: o Tacón), seguimos e um dia vamos a Valdebebas, pegamos no guardanapo e dissemos-lhe: tens o melhor clube do Mundo em 2020, mas não chegas a 2021 se não tiveres feminino (risos)! Por isso, esse dia 1 de novembro de 2013, recordá-lo-emos sempre, porque coincidiu com o falecimento do pai da Ana Rossell (ndr: co-fundadora do Tacón e do Real Madrid).
Estávamos no hospital, e ligaram-nos do Real Madrid para nos receber pelo nosso projeto. Desde 1 de novembro até junho de 2019, quando se tornou oficial, foram seis anos desde o primeiro contacto, mas até ao último mês não havia nada definitivo, foi apenas no último mês, quando o Tacón subiu à primeira divisão. Nos seis anos anteriores tínhamos tido contactos, falado e tido reuniões, mas nada tinha garantido que se iria consolidar, mas foram seis anos de trabalho. Não nos rendemos à primeira.


Acha que este modelo Tacón-Real Madrid pode ser replicado em Portugal? Outros clubes de nomeada criarem a sua estrutura de futebol feminino a partir de outra já existente? Grande parte destes já abriu a sua equipa, começando a partir da última divisão.

O Tacón é um caso que tem muita notoriedade, um mérito especial porque, afinal, quer queiramos quer não, é o Real Madrid, mas não é um caso isolado no futebol feminino espanhol: o Barcelona vem de uma fusão, o Valência também, com o Colégio Hispano-Alemán, o Atlético de Madrid antes de ser Atlético era o Atlético Féminas, que era um clube independente e que acabou a fundir-se. O que acabou por ter mais repercussão acabou por ser o Tacón, porque foi o Real Madrid a posicionar-se no futebol feminino. Houve casos anteriores como o Deportivo da Corunha que o faz com o Orzán, uma equipa também da Corunha, e isso foi um ano antes.
Se outras equipas masculinas em Portugal quiserem ter presença nas competições femininas e nas divisões superiores, não terão outro remédio senão fazê-lo assim, desde que o regulamento – que desconheço – da Federação Portuguesa de Futebol o permita. No caso de Espanha no regulamento da RFEF o seu artigo 227.º permite que um clube absorva outro, em futebol feminino e no futsal. Aqui, desconheço o regulamento, mas penso que também será assim. Mas lá está, não somos um caso isolado.