Aqueles últimos dias de Luís Filipe Vieira no Benfica, em 2021, foram tempestuosos: detido para interrogatório no âmbito da Operação Cartão Vermelho, esteve em prisão preventiva, sob caução, a CMVM emitiu comunicados até Luís Filipe Vieira suspender as suas funções e, depois, acabar por se demitir da presidência do clube. Os atritos nasceram logo aí, quando o seu desgosto foi noticiado em relação à forma como a direção encarnada prontamente colocou Rui Costa, então vice-presidente, a assumir interinamente as funções desempenhadas pelo homem do leme desde 2003, responsável pelo retorno do antigo número 10 ao clube pela porta dos escritórios da Luz.

Da sua saída com estrondo até estes dias, uma hipotética candidatura de Vieira para regressar ao cadeirão que ocupou durante 18 anos, estadia que o fez o mais longevo líder da história do Benfica, era entretida como um rumor distante, de contornos irrisórios. Nestes quatro anos, o ex-líder foi julgado na Operação Cartão Vermelho e ainda o está a ser na Operação Saco Azul (acusado de montar um esquema financeiro par a retirar dinheiro do Benfica), mas, ao que parece, está para breve a sua reaparição no dia-a-dia encarnado.

O programa Bola Branca, da "Rádio Renascença", avançou que Luís Filipe Vieira será candidato às próximas eleições do Benfica, marcadas para 25 de outubro, numa informação secundada pelos jornais desportivos. O antigo líder encarnado terá chegado a ponderar apoiar um dos já assumidos candidatos - e são quatro, entre João Noronha Lopes, Martim Mayer, João Diogo Manteigas (o primeiro a avançar) e Cristóvão Carvalho -, mas, conhecidas que são as suas críticas ao mandato de Rui Costa, publicamente ditas, por exemplo, em setembro último, decidiu avançar sozinho.

Os zunzuns do regresso de rompante do ex-presidente encarnado que deixou de o ser envolto em suspeições e críticas surgiram no mesmo dia em que Vieira voltou a ser um feroz crítico da atual direção encarnada. Na quarta-feira, manifestou a sua "incredulidade e indignação" por o Benfica lhe ter instaurado um processo disciplinar que irá avaliar a sua eventual perda de estatuto de sócio. Tal desfecho, contudo, apenas será decidido após as eleições de outubro, pelo que a badalada candidatura de Luís Filipe Vieira não estará em causa por este via.

Com ele agarrado ao volante encarnado, entre 2003 e 2021 o clube foi sete vezes campeão nacional de futebol, conquistou três Taças de Portugal, cinco Supertaças e sete Taças da Liga. Lá fora e quando Jorge Jesus era o treinador, jogou em duas finais consecutivas da Liga Europa. Ao todo, foram duas décadas de dirigismo no Benfica, contando com o tempo em que trabalhou como diretor-desportivo ainda na presidência de Manuel Vilarinho.

O comunicado de Vieira

Luís Filipe Vieira, antigo presidente do Benfica, garantiu na quarta-feira que recusa ser um “argumento expiatório” para os insucessos do clube, mostrando “incredulidade e indignação” por lhe ter sido instaurado um processo de inquérito.

Em 22 de junho, o Benfica anunciou a abertura de um processo de inquérito sobre acontecimentos na Assembleia Geral de 27 de setembro de 2019, com Vieira, num comunicado enviado à agência Lusa, a considerar que é o visado num procedimento que pode culminar na sua expulsão de sócio.

“É neste contexto que venho manifestar, publicamente, a minha incredulidade e indignação”, refere Vieira, que se defende com “mais de 20 anos de trabalho e conquistas, incontornáveis e inesquecíveis, em prol do Sport Lisboa e Benfica”. O antigo líder do clube diz que não vai permitir que o seu nome seja “usado como argumento expiatório de sucessivos fracassos desportivos e perdas patrimoniais e de credibilidade, que são a distinção que esta Direção, em final de mandato, tem para exibir”.

“Ao contrário do que se observa no presente, posso invocar uma ‘obra’ reconhecida pelos benfiquistas; devolvi, em conjunto com uma equipa de trabalho competente e coesa, a respeitabilidade financeira, institucional e desportiva ao Sport Lisboa e Benfica. Atributos que voltam a estar em dúvida, nomeadamente com processos como este”, afirmou.

Para Vieira, “o processo de inquérito em causa é injusto e ilegal, desde logo pela longevidade dos factos, sem que nestes mais de cinco anos alguém” o “tenha questionado, interpelado, denunciado ou responsabilizado”.

“Todos compreenderão que este processo é uma autêntica ‘fuga para a frente’! Fuga às responsabilidades, ao escrutínio da má gestão e ao debate esclarecido sobre o futuro do Sport Lisboa e Benfica”, argumenta.

Vieira questiona ainda a quem serve este processo, “quem são os reais promotores”, “que envolvimento existe por parte de titulares de outros órgãos sociais”, qual a fundamentação jurídica e se estão a ser respeitados os estatutos, “quanto ao respeito pelas competências e poderes dos vários órgãos do clube e na sua separação institucional” com a SAD.

“Afirmo publicamente e garanto especificamente aos ‘ideólogos’ deste ataque cobarde e manipulador que vou zelar pela defesa do meu nome, passado e presente associativo no Sport Lisboa e Benfica e no desporto em Portugal”, assegura.

Vieira assegura ainda que vai pedir reuniões aos presidentes do Conselho Fiscal, da Direção e da Mesa da Assembleia Geral, “para obter esclarecimentos sobre o alegado processo de inquérito, sobre a sua génese, fundamentação e compatibilidade com os estatutos e a lei”.