O programa letivo do curso de treinadores deve conter um momento em que se explica que os 60 minutos são a hora H de qualquer jogo. Transposto esse marco, Roberto Martínez e Julian Nagelsmann tinham já descaracterizado o figurino que o Alemanha-Portugal começou por ter. Cada um fez três substituições. Em tempos não assim tão longínquos, era o suficiente para, a partir do banco, um técnico não mais ter como alterar o elenco a atuar dentro do campo.

Vive-se outra era, um período histórico em que o toma lá, da cá de jogadores pode chegar até aos cinco câmbios. Assim sendo, aquilo que se dá por garantido rapidamente deixa de estar num toca e foge tático que subentende uma revisão da estratégia. E foi assim, flutuante e evolutivo, o desempenho da seleção nacional.

A cadência decalcou o ritmo de um concerto: Portugal começou bem, abrandou e terminou em beleza. O momento áureo da Alemanha situou-se entre os 16 e os 30 minutos quando, de acordo com a plataforma Driblab, o perigo expectável tocou nos 0,68 - xG, ou expected goals, métrica que calcula a probabilidade dos remates, ataques ou oportunidades darem golo. De resto, mesmo quando Florian Wirtz inaugurou o marcador, era Portugal quem estava por cima do encontro, tal como aconteceu durante praticamente toda a segunda parte.

A meia-final esclareceu quem duvidava da existência de cabeças pensantes em Portugal. Os jogadores portugueses alojaram-se na zona de perigo, tocando 35 vezes na bola dentro da área e permitindo apenas 19 toques aos alemães nas redondezas de Diogo Costa. Parece que a criatividade finalmente veio à tona para furar espaços de acesso mais complicado e que noutros contextos se revelaram mesmo impenetráveis. Inevitavelmente, o nível de ameaça cresceu tanto que o ponteiro dos golos esperados de Portugal bateu nos 2,29.

Contrariando desempenhos menos inspirados do passado recente, desta vez, a compilação dos melhores jogadores portugueses afincou-se a não permitir que Ter Stegen tivesse momentos de sonolência, endossando 115 passes para o último terço. A sobrecarga de trabalho não permitiu que o guarda-redes da Alemanha descansasse. Portugal rematou 18 vezes e na conta de Cristiano Ronaldo foram creditados seis tiros, mas a percentagem de perigo expectável do capitão não passou dos 4%. Além disso, o jogador do Al-Nassr completou apenas 15 passes (80%), menos que o guarda-redes Diogo Costa (16, 68.8%).

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O sufoco atacante não significa que existam opções que continuem a ter que ser revistas. Pedro Neto e Bruno Fernandes evidenciaram-se na proatividade demonstrada para fazerem cruzamentos. Em conjunto, acumularam 13, acentuando uma tendência de jogo ofensivo que não é nova e que continua a ser pouco eficiente, pois foram concretizados apenas 23,8% do total de cruzamentos da equipa (21).

Tal como em tudo, é necessário equilíbrio. Afinal, as melhores exibições pertenceram a jogadores de corredor. A tendência de passe mais utilizada foi a de Gonçalo Inácio para Nuno Mendes O lateral do Paris Saint-Germain, além da assistência para o golo da vitória, recolheu 28% do perigo expectável da equipa, superando os 21% de Francisco Conceição. Um defesa a destacar-se no ataque e um criativo a destacar-se na defesa: Bernardo Silva foi o jogador com mais recuperações de bola (seis, o mesmo número de Gonçalo Inácio) e interceções (duas, as mesmas de Rúben Neves).

Reunidos todos os dados, Portugal conseguiu ganhar à Alemanha pela primeira vez desde 2000. “Importante foi a personalidade, porque nós sabemos que temos muita qualidade, mas jogar fora de casa, contra a Alemanha, jogar contra a história de não ganhar há 25 anos, isso faz parte do aspeto psicológico. Fico orgulhoso”, congratulou Roberto Martínez.

Com a vitória contra a Alemanha, Portugal garantiu a presença na quarta final da história. Em 2019, na única vez em que, no passado, chegou tão longe na prova, a seleção venceu a primeira edição da Liga das Nações. Não tão pleno é o rácio de finais de Europeus com uma perdida (2004) e outra superada com sucesso (2016).