Não, cada campeonato mais divertido não se qualifica logo como ponto de comparação para a melhor Primeira Liga de sempre, ou pelo menos a mais equilibrada de que há memória. Foi irrepetível, e a emoção da coisa começa por se explicar sobretudo pela tacanhez dos crónicos candidatos e o aproveitamento da gama média nacional, cheia de nomes fortes e figuras marcantes do nosso contexto. Um Porto que perdera Mourinho e Deco, Ricardo Carvalho ou Paulo Ferreira tratou de esbanjar o dinheiro em craques ainda tenros e esqueceu-se que a liderança era o principal ponto do desiquilibrio anterior (e por isso passaram pelo banco do Dragão três treinadores, Del Neri nem a pré-época aguentou);

O Benfica perdera o perspicaz Camacho e Tiago, que acompanhou Mourinho para Londres, mas manteve a espinha dorsal para facilitar o trabalho ao treinador mais titulado daquela Europa, Trapattoni; o Sporting, apostando no melhor colega de curso de Mourinho e antigo adjunto de Carlos Queiroz no Bernabéu, tinha plantel e capacidade para chegar onde chegou, ainda que nunca tenha verdadeiramente encontrado a estabilidade tática e emocional que lhe permitisse sucesso consistente. Os três perderam pontos como nunca, atravessaram terríveis fases do ponto de vista exibicional, acumularam altos e baixos de levar as mãos à cabeça de exasperação.

Ao fim de 19 jornadas em 2025, o líder Sporting ainda só perdeu pontos em quatro jogos, apesar de ter tirado um mês de férias. Conta 47 pontos, mais seis que o segundo e terceiro classificado. Há 20 anos, quem seguia líder na mesma altura era o surpreendente Sporting de Braga de Jesualdo Ferreira, com… 36 pontos (já empatara seis e perdera três). A solidez da sua estrutura e a organização da linha defensiva eram as grandes qualidades – o sucesso montava-se à boleia do melhor registo de golos sofridos, 14. Foi, aliás, a tendência dessa Liga, o futebol de contenção e o pragmatismo – foi o campeonato com menor média de golos (2,32) da década anterior, só encontrando paralelo em 1992-93 (2,31). Aos dias de hoje, o Sporting leonino conta com a mesma atenção ao detalhe defensivo – porque só sofreu também 14 – mas marcou mais 24 golos no mesmo período, diferença sintomática (53 contra 29 desse Braga).

Talvez as equipas tenham sido obrigadas a isso, a uma abordagem mais cuidadosa aos ímpetos adversários pelo nível das surpresas, que as havia a cada jornada. Só líderes foram seis. O Vitória sadino, apoiando-se na qualidade superlativa de Meyong no último toque ou Jorginho como organizador, começou imperial e por isso à oitava jornada era primeiro lugar – condição que valeu a José Couceiro o lugar no Porto, umas semanas depois. Como os “três grandes” iam tropeçando a cada encruzilhada, o Boavista de Jaime Pacheco, já pouco Boavistão mas ainda com algumas das figuras daquele título mais João Vieira Pinto, que regressara a casa para liderar o conjunto, subiu ao topo à passagem do 14.ª jogo (depois de alçar a perna e passar por cima dum Benfica nocauteado por uma tareia de meia-noite no Restelo, 4-1, obra do Belenenses de Carlos Carvalhal).

O Benfica, além de ser o campeão com menos pontos de sempre (65), só andou pelo primeiro lugar do campeonato em 17 das 34 jornadas. Foi o menos desengonçado dos habituais candidatos. O FC Porto perdeu mais pontos em casa que fora (não ganhou 10 dos 17 jogos no Dragão e tendo registou a pior derrota caseira da edição, quando encaixou quatro do Nacional), apesar de, comicamente, ser a equipa com mais clean sheets (16). E o Sporting perdeu cinco jogos na segunda volta, distraído pelas tentações europeias, além do balanceamento ofensivo que lhe proporcionava fortes dores de cabeça cá atrás – o União de Leiria, 15.º classificado, quatro pontos acima da linha de água, sofreu tantos (36) como os leões.

O Sporting de Rui Borges conta então 47 pontos, marca que o Benfica campeão de Trapattoni só atingiria na… 25.ª jornada. A média de pontos por jogo do campeoníssimo italiano no nosso país é a pior de sempre (1,9) dum campeão, e tanta percentagem de derrotas (20%, 7 em 34 jogos) só tinha comparação com o Sporting… 1947-48, que perdera cinco jogos em 26. José António Camacho que conseguira, nos dois anos anteriores e respectivamente, 75 e 74 pontos, teria sido um campeão descansado. Fernando Santos, despedido de Alvalade para entrar Peseiro, também (fizera 73). Uma comparação mais actual: Sérgio Conceição conseguiu, em qualquer uma das sete épocas cá, mais pontos. Schmidt seria bicampeão. O Sporting de Braga das últimas três épocas idem.

O único ponto aceitável de comparação e paralelismo: a epidemia de despedimentos nos bancos. Há 20 anos, só oito dos dezoito clubes da Primeira Liga se atreveram a manter o mesmo treinador a época inteira. Rescisões aos montes: 14 – e só nisso a loucura actual é mais significativa, porque em Janeiro já se contam 16 e é a primeira vez em 90 anos de Primeira Liga que os Três Grandes o decidem fazer.