Ruben Amorim é uma figura amovível no Manchester United. É difícil identificar alguém que desempenhe as mesmas funções e tenha tanto à vontade para partilhar planos a longo prazo. Talvez assim seja por não ser apenas um treinador e assemelhar-se a um doutorado em consciência humana. Na era em que os homens dos bancos têm o prazo de uma story do Instagram, a operária cidade no norte de Inglaterra é o melhor sítio do mundo para o português estar. Noutros lugares, não há tanta vontade de esperar.

Primeiro passo: identificar problemas. Segundo passo: tentar resolvê-los. Terceiro passo: ser realista no prazo para remendar as lacunas. O plano de recuperação do Manchester United encontra-se numa fase insípida, embora ainda esteja em disputa a Liga Europa, que pode valer a qualificação para a Champions. Em relação a alguns aspetos (táticos e de postura), começa a ser claro o que Ruben Amorim quer e não quer e o verão poderá trazer novidades, com decisões a serem tomadas com base nessas preferências. Até lá, os red devils estão entregues à vontade da maré, numa zona cinzenta em que não podem acelerar o seu desenvolvimento e continuam a sofrer com as dores de uma época francamente má.

“Não vamos ser o maior candidato no próximo ano ou nos próximos dois anos.” A franqueza de Ruben Amorim pode causar transtorno ao mais exigente dos adeptos, mas o processo de desenvolvimento de uma equipa é como o de aprimorar uma receita: usam-se determinados ingredientes, prova-se e se não nos agradar fazemos alterações. “Não sou louco. Estamos a sofrer muito para sermos muito melhores”, confessou o técnico de 40 anos com o desgaste emocional de um octogenário.

Simon Stacpoole/Offside

Foram raros os momentos de algum regozijo na temporada do United, mergulhado na segunda metade da tabela da Premier League. Uma das exceções foi a vitória no dérbi de Manchester, com dois golos perto do final que deixaram o City sem capacidade de reagir. Os rivais voltaram a encontrar-se na segunda volta do campeonato, desta vez em Old Trafford.

Manchester United e Manchester City estão em contraciclo. Amorim trabalha para encubar algum sucesso. Pelo contrário, a equipa de Pep Guardiola ganhou tudo o que era possível ganhar, mas uma época de quebra marca o início de uma nova fase. Kevin De Bruyne anunciou que vai deixar os citizens no final da temporada, pondo fim ao “melhor capítulo” da carreira. O belga foi a primeira peça da era dourada da parte azul da cidade. Quando chegou, ainda nenhum dos jogadores que conquistou o treble, em 2022/23, estava no plantel (excetuando produtos da formação).

Normalmente, nada importa quando se enfrentam duas equipas apoiadas por gente que se vê todos os dias na rua. Só que, neste caso, o contexto (cinzento) foi tudo.

Alejandro Garnacho até teve um começo eletrizante. Absorvendo o ambiente de Old Trafford, obrigou Rúben Dias a fazer falta à entrada da área. O central português viu o cartão amarelo, situação altamente arriscada contra um Manchester United acutilante, a transitar com entusiasmo.

A Matheus Nunes, no reencontro com Amorim, foi entregue o lado direito da defesa do Manchester City. Não teve grande sucesso a tapar aquela via, embora tenha feito um corte precioso aos 58 minutos. Patrick Dorgu foi uma válida aquisição no mercado de inverno. A defender e a atacar naquela região do campo, o dinamarquês libertou-se com frequência.

Independentemente das nuances táticas, faltava a inspiração, a criatividade, a capacidade de ler nas entre linhas do código de conduta e de reescrever procedimentos pré-estabelecidos. Ao intervalo, tinham-se realizado apenas dois remates à baliza (um para cada lado), número que reflete a sonolência que assaltou as bancadas inicialmente empolgadas.

Michael Steele

O sol é uma raridade em Manchester. A sua lustrosa presença foi desaproveitada por um jogo bocejante, com a energia que antecede uma ida para a cama.

Faltavam agentes exteriores ao City. Sem alguém para desequilibrar por fora, a imensidão de clones a pedirem a bola nas mesmas zonas – Kovačić, Bernardo Silva, Gündoğan, De Bruyne, Marmoush e Foden – ficava entalada. Jérémy Doku tentou ajudar nesse aspeto.

No entanto, a criteriosa definição de Dorgu colocou Zirkzee perante a melhor oportunidade para o United marcar. Não sendo uma ocasião flagrante, suscitou outras investidas que levaram os red devils a terminarem por cima. Um remate à figura de Ederson foi o auge da ousadia. E isso diz tudo.