
É difícil medir onde termina a sensação de pesadelo para Portugal e onde começa o deleite visual por ver um grupo de jogadoras tão talentosas a brilharem num fim de tarde de sol em Vigo. Talvez se misture tudo, numa junção por vezes mais nítida, em ocasiões mais atrapalhada, nunca indiferente.
Nos Balaídos, a equipa de Francisco Neto viveu a sua pior exibição em muito tempo. A derrota por 7-1 contra Espanha é a primeira vez que a seleção sofre sete golos desde 26 de outubro de 2013, então num 7-0 contra os Países Baixos. Tudo correu mal, num conjunto de murros no estômago de consequências psicológicas difíceis de avaliar.
Um arraso destes nunca vem em bom momento. Mas há circunstâncias especialmente dolorosas. Cair assim nas vésperas do Europeu e na ressaca das lesões de Jéssica e Kika é como criar uma tempestade perfeita, uma receita para o sofrimento. Como reerguer-se disto? Bola do lado de Francisco Neto e de um grupo de jogadores que nos habituou à superação.
Após o 4-2 de Paços de Ferreira, saíram do onze Inês Pereira, Diana Gomes, Andreia Jacinto, Andreia Norton e Capeta, entrando Patrícia Morais, Ana Seiça, Andreia Faria, Dolores Silva e Ana Dias. Se Portugal perdera todos os embates diante das rivais ibéricas neste século, com um parcial de 12-3, o desafio de Vigo foi pior do que qualquer coisa que se poderia imaginar.
Talvez os Balaídos sejam mesmo terreno a não visitar por parte do futebol português. Se em 25 de novembro de 1999 foi o Celta de Vigo a marcar sete golos ao Benfica, agora foram as campeões do mundo a humilhar uma seleção que ainda em novembro empatou contra Inglaterra.
Não se pode identificar um momento do jogo em que as coisas tenham começado a correr mal, um instante em que a coisa tenha descambado, na medida em que tudo correu sempre mal, tudo foi sempre um pesadelo. 1-0 aos 2', 2-0 aos 8', 3-0 aos 12'. 4-0 ao intervalo, a primeira vez que Portugal sofreu quatro golos num primeiro tempo desde março de 2017, diante da Dinamarca.
Mais três golos sofridos no arranque do segundo tempo. Entre tanta craque de camisola roja, duas das melhores jogadores de sempre estavam em tarde de show.
Aitana e Alexis, Bonmatí e Putellas, atuam juntas no Barcelona e na seleção há muitos anos, mas houve uma espécie de sucessão entre ambas. Quando la reina se lesionou, no verão de 2022, Aitana assumiu, definitivamente, a liderança emocional e futebolística das duas equipas que mais têm marcado o jogo no feminino.
Depois de Salma Paralluelo ter feito o 1-0 nos primeiros segundos, entrou-se na zona das centrocampistas. Aitana apontou o 2-0 num remate que partiu da relva de Vigo, voou pelos ares da Galiza, terá chegado a planar em território português e regressou aos Balaídos, sempre obediente, batendo Patrícia Morais.
O 1-0 foi a demonstração do desnorte português. O 2-0 a evidência da arte espanhola. O 3-0, novamente por Aitana, e o 4-0, por Alexia, surgiram da engrenagem espanhola, pontuada com muitas doses de passividade nacional.
Por estranho que nos possa parecer deste lado da fronteira, os últimos meses foram de críticas lançadas rumo a esta seleção espanhola. Ter ficado de fora das medalhas em Paris foi visto como um fracasso e, na sequência dos Jogos, houve empates não satisfatórios perante o Canadá e Itália, em amigáveis, e uma derrota diante de Inglaterra, já neste grupo da Liga das Nações. Este contexto ajuda a entender como esta tarde terá sido vista como chance de reconciliação para Espanha.
Uma triste forma de descrever a exibição visitante é constatar que a melhor jogadora portuguesa terá sido Patrícia Morais. A guarda-redes fez várias defesas de bom nível, evitando golos de Salma ou de Clauda Pina no primeiro tempo e de Esther González no segundo.
Montse Tomé, mantendo o pé no acelerador, lançou agitadoras como Athenea del Castillo. A dribladora assistiu Mariona Caldentey para o 5-0 e o 7-0. Pelo meio, o mundo maravilhoso em que habitam Aitana e Alexia mostrou-se ao resto dos comuns mortais, com assistência da primeira para uma receção orientada da segunda, antes da finalização para o 6-0.
Após tanto acelerar, Espanha travou um pouco na sequência da hora de encontro. Portugal aproveitou e Beatriz Fonseca, após bom passe de Andreia Norton, marcou um golo que foi fraco consolo.
Os derradeiros minutos foram uma formalidade. Espanha não forçou, com exceção de um remate ao poste de Esther González nos descontos, Portugal aceitou que o desastre não se avolumasse. A Liga das Nações estava a deixar uma imagem de competitividade nacional, mas Vigo é, mesmo, local de pecados capitais para o futebol português.