Estamos a sair do Natal e uma conferência de imprensa a 26 de dezembro às 9h da manhã teria boas hipóteses de começar atrasada.
Começou mesmo. Trinta minutos depois da hora marcada, surge Rui Borges no Auditório Artur Agostinho - uma mudança de poiso face às duas últimas apresentações, junto à mítica porta 10-A -, o último a entrar depois da sua equipa técnica e de elementos da direção do Sporting.
O discurso do ex-treinador do Vitória é simples, eficaz, como as ideias que quer passar à equipa nos poucos dias que tem até à estreia, logo num dérbi frente ao Benfica, no domingo. “Se passarmos muita informação, nada fica”, sublinha já no final da apresentação. E sobre o treinador Rui Borges, as suas ideias, toda a conferência seguiu este mesmo princípio. Não é tempo para grandes floreados.
As primeiras palavras são de agradecimento ao Sporting “pela confiança e, acima de tudo, pela coragem” de olhar para a sua equipa técnica como “uma equipa técnica capaz de liderar o Sporting”. Seguem-se palavras sentidas para o Vitória, “um obrigado do tamanho do mundo” ao clube minhoto, onde iniciou a época e onde mostrou algum do melhor futebol praticado aqui no retângulo, com brilharetes na Liga Conferência. “Desde a rouparia até à cantina, toda a gente foi importante. Um obrigado em especial aos adeptos, pelo carinho demonstrado”, continuou.
Rui Borges diz-se “pouco de falar”. É “tranquilo, muito honesto, muito puro”, conta sobre si próprio, sem grandes fantasmas, relembrando de onde vem, de Trás-os-Montes, origem de “gente de trabalho”. Trabalho que foi a palavra mais repetida ao longo da apresentação. “Estou muito feliz mesmo, muito orgulhoso, muito honrado. Sinceramente não tenho muitas palavras para descrever o que tenho sentido nos últimos dias, dias intensos, felizes, para mim e para as nossas famílias. Resta-me dizer que estou ansioso para trabalhar, para conseguirmos ser o que nos trouxe até aqui, que é o trabalho, irmos crescendo enquanto equipa técnica. E com uma confiança enorme de ser feliz aqui no Sporting”, continuou.
Sobre o timing, com um Sporting em plena montanha-russa, numa senda de resultados infelizes depois de quatro meses de idílio com Amorim, Rui Borges, que assinou até final da época de 2026, garante que é uma não-questão. “Não olho para o momento como delicado. O clube está em todas as frentes, por isso não sei qual é o momento delicado. Estou é muito feliz por representar o campeão nacional”, atirou, positivo como garante ser, afastando também a ideia de “presente envenenado” que Frederico Varandas referiu há dias quando falava do ingrato que foi o convite a João Pereira. Aqui, a era parece ser outra, com menos ligação ao passado. E sem descurar o olho nos troféus. “Presente envenenado? Não faz sentido nenhum na minha cabeça. O objetivo é acrescentar valor ao Sporting, acrescentar troféus ao Sporting. Isto é o melhor presente de Natal que podia ter tido”.
Sistema e jogadores
Rui Borges diz “gostar de ouvir, de aprender”. E de aprender com os jogadores. Eles são o centro de tudo. O treinador diz acreditar muito nas suas capacidades e na capacidade dos jogadores que terá disponíveis já esta quinta-feira, no primeiro treino pós-natalício, lembrando uma velha máxima. “São eles que nos fazem treinadores”, sublinhou. “Fazê-los acreditar” foi outra das expressões repetidas esta manhã em Alvalade. A recuperação anímica de um grupo aparentemente perdido depois da saída de um líder de quatro anos parece ser o primeiro objetivo.
“Aprendo muito com os jogadores e se eles não estiverem confortáveis não vou conseguir tirar rendimento deles. Costumo dizer, e disse ao presidente, como treinador dou 15%, os outros 85% são as tomadas de decisão deles, aquilo que o jogo dá. Tenho de fazer com que acreditem nos meus 15%”, apontou, afastando para já grandes discursos sobre sistema.
“É subjetivo falar de sistema. Se olharem para as nossas equipas, o sistema tem muitas mutações, dinâmicas diferentes. Construímos muitas vezes a três no Vitória. O sistema é muito relativo, é sim importante fazer os jogadores acreditarem na nossa ideia”, continuou, falando com leveza do calendário complicado que aí vem, com jogos com Benfica e FC Porto (e Vitória, em Guimarães) nas próximas semanas: “Grandes jogos, é o que nós queremos”. Como treinador, o natural de Mirandela diz, pragmaticamente, ser pago para “arranjar soluções”, não para “se lamentar”.
Rui Borges não deu azo a conversas sobre mercado e evitou ainda comparações com Ruben Amorim, que diz não conhecer bem, mas que assume admirar, frisando as capacidades de comunicação do agora treinador do Manchester United. “A partir de hoje a liderança é do Rui Borges, diferente, não comparável”. Passar a mensagem, lá está, parece o mais importante agora para Rui Borges. E levantar um grupo de trabalho talvez ainda em choque com o que lhe aconteceu no último mês e meio.